quarta-feira, 1 de julho de 2020

guardei todo o meu apetite para o verão desse amor tardio

ao ser criança costumava curiosa 
passar a mão pelas suavidades 
das coisas espalhadas pelo mundo 

foi quando uma certa vez 
numa pracinha em Copacabana 
ao tocar a pena de um pombo 
a chupei feito quando faço 
com as palavras até enxugá-las 

depois disso cresceram três caroços 
no meu pescoço 
e eu me dei a sentir adoentar 
a euforia foi tanta nessa época 
que acostumei a dormir demais 
feito silêncio de túmulo 

e foi quando eu tive que tomar leite de peito 
na mamadeira eu tinha acabado de secar 
todo o peito da minha mãe de angústia também 

depois os tempos foram voando 
mas a pracinha continua enferrujada 
ou seria avermelhada 
pela luz do dia das tardes da infância? 
agora é mais vazia ou sem zelo sem minhas andanças 

talvez a rua esteja menos acarinhada 
agora eu só me afasto do mundo 
e sem jeito desvio dos maiores afetos

o peito da minha mãe foi ficando mais 
e mais seco cada vez e eu acho que o leite agora 
é do sabor da lágrima que eu não consegui evitar 
com a minha língua 

só o que mudou é que ao invés de chupar 
as penas dos pombos eu os confundo 
com as aves migratórias 

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