sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

silêncio das palavras

eu que sou 
uma recém nascida

desejo dormir 
no pranto 
do teu colo

quente como são
os quartos pequenos 
de grandes cidades 

e o meu amor
que ainda é tão verde

quero te dar 
sem que percebas
que nascer 
é este silêncio das palavras 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

braços abertos

vamos cair na gandaia, 
                   na mesmice
vamos abrir os braços,
amor

e eu que herdei 
a sua camiseta 
atrás da cama 
guardo um labirinto
 
vermelha desboto

atravessamos 
o pontal
sapatos nas mãos
corredor polonês
caipiSol nos acena 

samba açaí mato queimando

você levanta da cama eu interrompo
o meu ronco a solidão

nós dois dentro de um cisne 
vendo a despedida
             anuncio 

pedalinho, coquinho gelado 
Cristo assiste ao nosso beijo e pisca

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

fundaremos um país

I. 
dai-me uma solidão mais lúcida, 

porque te olho de canto
e tudo me parece turvo
e silencioso

me rói o fundo das pálpebras 
e o raso do mundo 
porque me amansa 
a rudeza das tuas planícies

II.
bem-vinda ao precipício 
afiado do teu 
corpo, 

cavo a minha bandeira 
pátria amada! 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

mapear

I. 
confidencia-me a vereda 
         a planície dos vôos

você me aponta o peso 
leve das linhas do destino

o susto de repousar em suas mãos

II.

não me contento 
com os mapas
onde fomos é além

aquele lugar 
que chamamos de escudo

escolho as suas mãos 
            e me encolho

num lugar de pouso
na aresta de uma cidade 
ainda não delimitada

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

haraquiri

enquanto corto a cebola penso 
e se esta faca escapasse
das minhas mãos

e atingisse o meu ventre 

corto a cebola e se ela 
não me fizessem chorar 
choro sem culpá-la

sem que tenha atingido o perdão 

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Tarcísio

a fonte da saudade, Tarcísio
jorra às manhãs de domingo

você nubla as praças
cor do tom dos Sóis
você colore as placas
com as tuas lentes adormecidas 

e o que fizemos das nossas miudezas

se o estado da nossa alegria
cresce à medida do assombro 
e da melancolia, os lençóis 

te assisto
debater
as asas dos pombos
neste lugar marcado
para nos lançarmos
das muretas

ouço uma borboleta no teu umbigo 

dou luz à tua presença

o teu rosto 
no meu poema
faíscas e esboço

você com o teu jeito 
de desbravar o meu pescoço

nos nós de Sagitário e Escorpião 

e o teu dedo solto

quem diria que o anel, o teu mel
cairiam tão fantasmagóricos

teu gozo cheiro de lágrima 

as palavras que eu insisto
em não saber dizer por onde

nos discerniriam, improvisar 
o teu rosto o meu umbigo

dou luz à tua presença 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

se ainda causa chaga

a minha rua o teu cheiro ainda guarda 
o peso das tuas mãos 

olho para o cristo vermelho
e vejo os teus olhos da chegada

você trocou de lar
e nem o meu rosto causa chaga 

e eu o que faço com o teu rastro
na minha entrada? 

Terráqueos

fotossíntese, lâmina, acne, transformidade, cabide pequeno e lacre em caixa de papelão, transtorno pré-consultado e o diagnóstico de uma aparente falta de tudo

mas talvez seja o excesso talvez o avanço dos carros indique a hora de atravessar

linhas em sincronia na blusa de manga comprida faixa de pedestre quanto custa não passar faz tanto tempo que não chupo uma fruta

esse buraco na terra, o efeito da nuvem sobre a lua cheia, completinha. mas é que o pão veio duro, o troco inteiro, a alça do saco arrebenta mesmo sem peso, sim o buraco é fundo, não posso ver

as armações foram compradas em 5x sem juros o blecaute não teme as lentes a prova de ver além é mais do que esticar o pescoço tira os óculos para ver o tom do céu não nítido

alegoria para o alvoroço melancólicos dos pombos dessa cidade indefinível

é que basta de descrições hipotéticas do que seria eu e você ninguém é tão completo assim, não tento argumentar, isso é passado a gente marcha e murcha e mancha de sangue estendida no horário de

volta para casa

celulose, catarro na garganta parecendo fala estancada, me contenho tanto que se quiser nem existo. deixo escapar o suspiro o símbolo a prosa ofereço humilde sem valor de devoção

me sobra perplexo espasmo da completude de estarmos habituados ao chão


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

micélio

o teu líquido em meu rosto ainda vívido, rígido
forma a língua pegajosa dos segredos

revelo o meu corpo ereto que te agride 
curvas, gentil, o rosto
rasgando as águas

afundo;
suturo 

sussurro "serei tua!", até o próximo regresso! 

o mar que nunca toca a mesma margem
sem a saudade 

que seria a palavra entorno do teu braço? 

o cheiro de homem molhado

você deixou um espaço 
na estante 

o cheiro de homem molhado
na toalha

dentro do quarto o forno
o ventilador
queimou 

você deixou um espaço
dentro do meu espaço 

o cheiro de homem molhado
nos olhos