quinta-feira, 30 de março de 2023

mato seco

queria te acompanhar 
ao cinema lá do mato seco
que você nunca tocasse 
nos poema que te escrevo

apenas que me olhasse 
pelo buraquinho
entre os joelhos

o filme se projetaria 
em meu interior 
uma sala sem mobília 
ecoando na parede um espelho 

terça-feira, 28 de março de 2023

livros amarelos dos teus olhos

imagino a vinda teus olhos amarelos
três dias sem descanso 

antes e depois dos teus 
amarelos feito os livros dos museus

você me faz pontar os lápis 
a ganância de aquarelar o sono 

você me faz vontade de ser o amarelo 
dos livros teus olhos dos museus 

quinta-feira, 23 de março de 2023

camuflagem

cores e carpas 
o coração, bravio, 
no interior do poema por vir

risco os teus ouvidos, camuflado,
brincos de escamas 

brinco. escuto-o, escrito de mudez 

quinta-feira, 16 de março de 2023

Eliezio

                                          In memoriam 

sinto a falta do teu cheiro pela manhã
quando você me acordava 
com o seu cheiro junto ao café
eu sinto calor quando lembro de você 
me acordando e olhando para o céu 
ao lado da minha cama 

sinto falta da tua risada 
que eu sentia aqui do meu quarto 
do teu sorriso encabulado e introvertido  
da altura do teu sorriso maior do que
todos os sons da TV

sinto falta de ver você deitado
assistindo aos desenhos animados
levantando para fumar um cigarro
e bater um papo discutir sobre qualquer 
bobagem do dia só de te ouvir
eu sinto saudade de você calado
de você fumando um cigarro ao meu lado 

sinto saudades de ouvir você passeando
pela casa o tom dos teus chinelos
dos tacos você estourando pipocas
você fazendo um suco de limão 
você me fazendo questionar porque 
você não está mais aqui 
dentro dos meus braços
eu dentro dos teus abraços 

o mundo é menos caloroso
sem você para repartir 

desértico

revisa a minha língua 
ao fim da tarde de um dia 
lilás-cinza 
 
a delicadeza da pupila 
rasgando-nos 
as vírgulas

por você eu desertificaria
o deserto por acaso 

segunda-feira, 6 de março de 2023

claustofobia

límpida poça lodosa
e obscura: poesia

os ossos
encolhidos

como se dentro dela uma gruta
este sonho se revelaria 

os olhos 
tão desinibida

sorria sem dentes: misericordiosa 
os lábios me estendia 

beije-a entrecortada
entregue à poesia

à tua clausura
embora em sonhos tomei-a

como se fosse minha 
como se fosse ela quem me possuía