domingo, 29 de novembro de 2020

codinome

miro ao espelho a figura 
do meu sentimento 

penso que amar outra que não eu
é o grande (e cansado) retorno 

lido com o que eu vejo com menos
nitidez do que quando escuto o seu nome

peço ao espelho algo 
para que possa esquecê-lo 

terça-feira, 24 de novembro de 2020

apesar de que
não envie mais cartas 
ao me corresponder 
com esmero vigio e aguardo 

hoje tenho gavetas com trancas, 

me agacho no silêncio
da ânsia prometida 

nos instantes violentos a vida 
que me ensina a ser mais delicada 

sem a intenção de me ter afeição, 

esquece de que acordo esgotada 
pós êxodo 
mostro à rua 
meu coração frouxo 

se recordo ser o mundo a casa, 

sempre é a primeira hora 
da compaixão a raiz 

que caça além do abismo da terra 
a hora última 

ainda que eu contasse à todos mais alto, 

quem diria 
meu cabelo cresce junto ao dela,
que eu contei fio por fio

sábado, 21 de novembro de 2020

Anúncio

se acendam todas as luzes da cidade
o fogo de nós irá arder as chamas 
os nossos olhos espelho 
de um lugar lindo dentro da gente

quando as maçãs estiverem maduras 
nós seremos o paraíso

os dedos serão confundidos com lunetas 
seremos tão felizes que será possível tocá-la - 
a felicidade 
- fruta exposta

nosso baile; nossa luminosidade
irá acordar toda a cidade

flor no asfalto

você brotou 
em uma hora 
terrível 
da minha história 

como quando as cigarras 
decidem entrar em um jarro 
no meio da festa 

uma pétala no meio do caminho: 
você parece uma flor no asfalto 

ainda hoje não sei 
se o tempo atropelou
se meu coração

(...)

ainda abre passagem:
o beijo estatelado 

você me conheceu 
em um instante em que 
o terrível 
se tornou bonito 

quarta-feira, 18 de novembro de 2020

pintura

do seu rosto desmanchava 
uma água sem cor pegajosa 

eu te adoraria até o final 
desconhecendo onde dissolvo 
se você retorna 
 
pela veia do rastro pusilânime 

dentro do sexo
na tela o retrato vasculhado 

até então eu desconhecia
o rosto do amor paralisado 

despido; exibido cenário 
meu aceno sua postura cravado 

me retrato escorro e pinto 
das mãos segredos são quadros 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

[fragmentos de vôo
/asas] 

eu já nem sei o que será 
agora

(...)

começo a rasgar
pa
péis 

deitada sob 
a folhagem; peito 

poderia ser só impressão 
mas 
sinto 
estamos 
nos despedindo

teu sono lentidão do vento 
me pede para subir 

teu ronco secura 
nós dormimos por muito tempo

agora 
estou A4

sei tremer 
que na verdade
não sei explicar
-me

ouvi teu sorriso
 e o meu sorriso

entro em combustão

lembro da nomenclatura
verde e azul
daquela paz de paisagem amarela

você me segurava 
ou não me esperava?

terça-feira, 10 de novembro de 2020

tudo o que for cavalos marinhos

sob o seu sorriso
uma mandala de crepúsculos
debruçados, os bois bebem o leite
do peito de um jovem cobrador

espelho o coração de uma luneta
e me parece cascalho o gesto
de um manobrista sóbrio

tudo o que for cavalos marinhos
contidos na palavra,
ainda ontem me vi
buscando o seu animal 
nos signos chineses 

e eu nem sei a sua data 
nem sei a sua esquina,
nem sei se me apaixonei pelo
homem ou pela cabra 
o poema no tom 
dos dentes de um fumante 
parei para te tragar
você talvez comemore só 
ano que vem
ou mêses atrás
ou tenha se esquecido
de que há festa com o que nos sobrou 

ainda hoje eu descosturei
a minha casquinha
ouvia você dizer 
que o amor é como uma livraria 
depois que você tem o livro em mãos
é preciso decidir se vai lê-lo 
ou pedir para embrulhar 

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Dorme, meu filho


Dorme, meu filho

pois a sombra reclinada 

é somente o encosto da cama, 

deleite do teu descanso 

 

Rostos às luvas

expostas fraquezas tuas,  

descubras 

o mundo moço 

na palma das mãos

 

Quererás dessa mão dormente 

apoio,

verás o rosto 

em desespero, 

mas serão gigantes 

os teus poemas

 

Há de encontrar face

a te perturbar, 

a solidão não será

mais somente tua,

mas de um desconhecido

 

Ao desvendar a glória

acreditará estar vencido, 

talvez pelo ego 

que te definhas, 

talvez pelo gosto agridoce 

no caldo da boca

 

Dorme, meu filho

amanhã sabemos que virás

ontem tu sabes que já foi

agora tens o sonho de um menino


domingo, 8 de novembro de 2020

nos engole

Mandei uma mensagem:
Tua poesia me sacia 

Sei da sede e do amor pela boca embebida 

A cidade nos engolindo

Amo teus versos

Assim como amar a ventania 

Se perguntar por onde andei? 
Sigo lento tuas ruas 

Trocando papéis

Desesperada dentro da cidade

Nos engolindo

No vento do gás vento, dentro torneira sem água: no teu coração o sentimento aquático 

Foi assim que descobri no teu poema um pedaço perdido de terra

sábado, 7 de novembro de 2020

ser antes do querer a luz vermelha

quero ser antes a mulher que escreveu 
na beira dum pedacinho de mapa rasgado 
chamar de estado algo 
cativo ao silêncio distraído 

quero ser para você o que seria à mim 
a esfera do brilho inteligível
oco órbita dos astros  
galopando ao som de pássaros levianos

quero ser para mim o que somos 
além dos famintos túneis
cavando a solidão dos vagalumes 
transe das eras 

não quero ser mais nada 
além de saciada pela palavra
seca dentro de um abajur 
no centro do coração de um âmbar 

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

todos esperavam pelo poema número um

todos achavam 
que eu não duraria tanto
que a esse ponto não me atreveria 
a romper o gelo seco a preparar mais uma

isso não quer dizer 
que não esteja cansada
disso eu sei mais do que todos 
que esperam espantados a minha durabilidade

para dizer a verdade eu e todos 
não esperavam
que a essa hora eu estaria aqui
em qualquer lugar escrevendo

para ser sincera 
eu estaria escrevendo
em qualquer lugar
mas que chegaria a esse ponto
nem eu esperaria 

terça-feira, 3 de novembro de 2020

fiz uma longa viagem

avistei a curva do tempo
no seu corpo

pensei em como a vida é cumprida
e o amor tem suas paradas 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

quero findar essa noite 
acorrentada 
de enfeites  
nascida do meu umbigo 

esse fio-entranheza que me une
ao ninho de espuma 
descende do meu ventre, no centro 

correr pela sala varrida 
não necessariamente olhar para os lados

nessa rua mora um bicho
que se chama vontade 

quero brincar com o seu relógio
como se o tempo fosse tudo
o que não esperávamos 

quero não querer nada além
do desejo