quinta-feira, 28 de outubro de 2021

olhos de engolir horizontes

com as garras
firo o seu corpo do adeus 
me prendo à pele morta

fito a fuga 
dou tempo às paralelas 
finjo que te perdi 

quem sabe se você 
não fosse tão macio 
faria de montanha
as suas costas 

quem sabe se você 
não fosse tão escorregadio 
não escaparia 

nem por um piscar de olhos 

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

não nos propor o esquecimento

pensar que você existe,
dou as costas... 

espero que você esteja 
à minha espera 

com um buquê de flores 
vermelhas nos olhos

aguardo viver 
além da fantasia

de você existir além 
de nos poemas, 

ainda em mim 

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

curtindo a vida à passarinho

o passarinho se espanca
contra as grades
as tuas mãos risonhas
dizem até logo meu passarinho
você que eu mal sei encarar
me olha o corpo
como quem quer correr
não tenho pulmões saudáveis
tóro as havaianas
compro uma cerveja no posto
8 contos um latinha
o que eu não faço 
movida à álcool
quero saber o teu telefone 
te passar um fax
deixo a minha voz na tua bina 
vamos meu benzinho
atrofiaram as nossas asas
mas ainda temos essas pernas
curtas feito a vida 

domingo, 24 de outubro de 2021

eu e o meu umbigo

nas manhãs de domingo
busco algum rastro morno 

no ventre do sono
me curvo nas insônias

compro passagem para a ilha
do buraco esquecido no mundo

vejo o meu umbigo de longe 
pareço mais perdida

acordo dentro dos dias 
em que estamos desaparecidos 

o sangue é sangue

sempre há um gole 
de misericórdia 
na mão
que te apedreja 

nem que seja
para que você veja
que o sangue é sangue 

perder os olhos

por mais que eu seja a mulher
que te beije depois da manhã seguinte 

ainda serei aquela da despedida 

não é por agora que eu perca 
os olhos na chuva da rua 

por te perder tão cedo
sem achar que você tenha sido 
algo meu além de algo que nunca tive 

terra úmida

lembro quando te esqueci 
você parecia um broto
enfiado na terra úmida
os teus olhos férteis
fáceis perto da poesia 
a tua língua úmida sabor terrosa 

lembro quando te esqueci
tão longo quanto uma raiz
o que seria da sombra 
se não a eternidade do teu tronco

lembro quando você surgiu 
uma broto enfiado dentro
do meu corpo terroso, úmido
meu olhos arados 
difíceis de dizer 

onde você se instalou 
no meio de tanta folhagem 
lembro quando me perdi 
não sei a qual lugar 
tivesse de lembrar de te esquecer 

sábado, 23 de outubro de 2021

bicho, mata e coração

em qualquer lugar 
desse local de mata 
eu poderia te entregar 
o meu coração 

você suspeitaria 
que arranquei de um bicho
com as próprias mãos

em qualquer lugar eu poderia
te provar que sou bicho,
mata ou coração 

terça-feira, 19 de outubro de 2021

fim da linha

o fim do mundo 
é aqui dentro, 
e eu nunca fiz questão
de adiar

olho para o furo do olho
lambo um verso pela borda 
como quem não tem estômago
para o último pedaço, 

uma placa na mão de 
alguém no fim da rua
"O fim anunciado" 

mas aqui dentro
nunca fiz questão 
de salvar

costurar maçãs

o hábito de costurar maçãs 
pelas beiras 
me fez rosada 
escalo orgasmos macios 
fui crescendo muito amena 
mas o meu olho
ainda não abre 
não sei o que é morrer
senão a morte antes da vida
quando dei o primeiro choro
recordo o sabor
da placenta 
e acho que a mágoa 
decorei antes de tê-la 

para o dia nascer

antes do café bebericar o salobro 
dormente da língua 
revelar a ponta do sol
no calor do seu dedo
circulando 
antes do dia 
antes de ontem 
antes que tudo isso 
o que chamamos de corpo anoiteça 

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

revisto o museu da infância

lembro quando as colhia 
no chão esverdeado daquele jardim 
robusto, imerso. mangas suculentas 
por obra do susto da queda, molengas. 

eu as trazia nos fundos bolsos,
mangas que se acomodavam inteiriças 
nos bicos famintos dos pardais, 
de corpulências tão sutis. 

os rastros amarelos 
de sumo das mangas 
permanecem espalhados 
pelas folhas dos meus rascunhos. 
 
as mangas, verdes
dependuradas nas árvores verdes
de amarelo maduro o tom, 
aquela saudade arquivada na memória. 

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

terça-feira, 5 de outubro de 2021

faminta

na margem 
da minha nebulosa 
te escrevo 

um poema 
cadenciado 

você 
me diz 
que as estrelas
cairiam junto 
a mim 
da janela

eu te recebo 
no meu sofá
antes 
de almoçarmos 

não temos tempo 
de nos despedir 
dos talheres

você 
me come 
antes 
das palavras 

domingo, 3 de outubro de 2021

poemas mais curtos do que as minhas saias

desaprendi 
a fazer versos longos
talvez 
eu esteja encolhendo

é o que acontece
com os cabelos
a voz

talvez 
eu esteja apenas
mais ou menos retraída 

sair da infância
não significa crescer 

o tempo

se o tempo não para
imagina nós 
que não cabemos
em uma moldura
o que dirá o motorista 
que fez sinal no ponto

tivera de bater antes das cinco