domingo, 31 de janeiro de 2021

se eu fosse um rei 
de terno impecável 
e tivesse modos
de um jeito incensurável 

se por acaso 
conseguisse falar 
em público 
sem medo do público
ou se eu fugisse 
antes da hora 
do fim 

e se quando 
o meu julgamento 
chegasse
eu estivesse sentado 
num banco
de praça
com um sorvete de chiclete na mão 

e se eu fingisse 
que não decorei 
o meu nome inteiro 
e a paz que eu teria 
se eu não estivesse
aqui 

nesse mundo que nasceu da guerra
e se eu fosse feliz 
só isso 
e eu 
não quereria 
ser 
mais nada 

sábado, 30 de janeiro de 2021

Beirute

penso na fragilidade da palavra amor 
e te imagino me amando sem palavras
na beirada dos meus beijos 

sem sítio para chamar de país
sonho em retornar aos minutos 
em que a sua boca vira o pão 

e nada mais seria necessidade 
se eu vivesse desse abismo 
se me escapasse o equilíbrio 
e fosse à beira dos teus lábios o precipício 

trivial

e nessa quentura
você ainda toma banho quente
e me pergunta se eu quero
comer pizza fria 

somos os pequenos deslizes
que o destino não havia programado

nós dividimos alguns cômodos
corremos de nós mesmos
é engraçado como não tem graça
que o preço do arroz seja tão alto

quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

bote

gosto do cheiro salgado
do verão respirando
por debaixo das pernas

seu beijo profundamente viscoso
desse choro que molha cidades
a minha se alagou

e durante dias ficamos boiando 
gesto de uma parada
no centro da rachadura 

faríamos disso uma vida paralela

insira o meu nome

você não conseguiria
falar o meu nome
em voz alta 

e ainda a vontade
assim como eu

em público você evitaria 
me olhar
enquanto fala e fuma

enquanto eu te olharia 
nos olhos
enquanto falo e fumo

decido não ser invasiva 
e desvio
a conversa e o olhar

você entraria como antes
em algum lugar
que não estivesse trancado

você trancaria as portas
eu abriria a janela e calcularia
o tamanho do voo 

você faria uma música
sobre despedida; 

seria o mais perto
que chegaria do meu nome

flores

me sinto como aquela criança 
de pavor nos olhos 
e de mãos buscando uma flor 

eu as acariciava 
e encostava o rosto no perfume 

eu amo as flores como a mim 
mas as vezes não fui delicada comigo 

eu me afetava 
como o mundo 
afeta as flores 

mas eu ainda me sinto aquela criança 
com o olhar apurado 
e com flores em busca das mãos 

olha só

te vejo cavando o buraco
corcunda 

guardando uma mágoa 
que não é sua 

e de mais ninguém agora, 

seu desejo liberdade 
te vejo buscando os poemas 

diante deles você sorri 

como se o mundo 
fosse uma brincadeira 

sem gosto você entorta o rosto 
e queima por dentro, 

te vejo enfrentando 
o mundo só 

e se afastando 
até de si 

te vejo abandonando 
o mesmo mundo

com os mesmos olhos 
que te vi amar 

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Welcome to the Rio


Welcome to the Rio


estamos frente à paisagem

os pássaros alheios

flutuam desgovernados

na ilusão de um amor suave
que não nos pertence

a estação anuncia o suor

causado por um frio contínuo
muita luz e azul

as trevas chamaremos poesia

pinturas no quarto
mansidão de seus braços

desconhecida textura

cuja falta de abrigo
descubro um lugar elevado

soletro devagar seu nome

em delírio na boca
meu suspense infantil

propenso a recortes do vento

Ao sul teu corpo
Verão teu rosto

27. Fev. 2017 

domingo, 24 de janeiro de 2021

solamento


embora banhada 
pelo suor do desejo
receio ser não 
completamente tuya 

quando tu 
me aperta
eu sinto amor 
que amor me nega 

não o amor 
que está nos livros
e me esfrega

o amor que almejo 
é solamente 
não estar sola 

e morro de medo disso
desse abismo 
que nos cavará à incerteza 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

vastidão

tenho em mim todos os poemas do mundo
mas também
não tenho nada 

o que se chama vastidão

e tenho além de tudo 
o que restou:

o verso que apesar de ser o princípio 
não vê a hora do fim  

diário

inventiva
deito o jornal na cadeira 
procuro fogo
e com os olhos te encontro

está por ali orgulhoso 
do Sol eternizado 
na cor do dia e dos dentes 

atravesso a cozinha 
pego o cigarro e te imagino exposto 
íntegro de face acordada 

prensado entre os dedos 
discuto sobre o dia e ontem 
o passado café esquece dos assuntos 

te imagino frio molhado 
cavado no botão de linho 
- as vezes você me olha de fora 
desvia e entra 

e tem vezes que tu me define
enquanto encontro as palavras 

Toc Toc 
Você entrando 
Você saindo 

você e as previsões de hoje 
e café e nós 
mais uma vez 
para começar o dia 

avesso dobrado
o céu engravatado 
te parei antes da porta
para entregar um recado 
- a tempestade mais mansa
do que a rebeldia uivosos teus braços 
vem vindo 

e me diria sorrindo que o buraco negro
foi engolido 
então você vem

inventiva 
encerro o cigarro no chão
nua arrumo um motivo
mais se parece intervenção

procuro o fogo
seus olhos
um lugar específico para amar
o dia todo até notícias vazar
de uma manifestação

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Fonte da Saudade

escrevi alguns versos, João
difícil esquecer a força das suas mãos
ainda busco os poemas 
ainda que na Travessa
tenha dito ter parado com os escritos 
eu me pergunto como? 
se te como ali mesmo em pé ou se 
você tem se alimentado direito 
se ainda sinto vontade de te chamar 
para curtirmos a tristeza 
é por causa de que posso vê-la 
enquanto você busca uma forma 
fácil de sorrir 
sem que os outros percebam
se levanta e esquece de ir 
embora 
é por essas e outras que quando a rua
se tornou fonte da saudade 
eu sempre que passo me perguntam cadê 

domingo, 17 de janeiro de 2021

todas as cores do seu choro 
as 14 velas horizontais 
envergam a minha visão 
a estúpida felicidade 
a sua forma de degustar o mundo 
uma rosa que vive na sombra 
te descubro ainda molhada no centro
da sala e do meu âmago
te amo o amor nunca escasso 

sábado, 9 de janeiro de 2021

avanço distante do terror 
de encarar
os seus olhos 
na hora última do último vagão

juro quando você entrou 
em algum lugar 
além de mim
eu não tinha espaço para te aguardar 

e durante todo o tempo 
o que ouvira bater
fora o tempo 
do coração em estado de fuga 

(...)

desconheço a causa desse horror 
de encontrar você 
me olhando enquanto decido 

não querer ter de ir 
embora ficar 
seja tarde demais 

sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

se ainda

não sei se ainda me lê
mas você deixou 
de percorrer

palavras condizentes 
silêncios em nós sondados 

quanto a este assunto 
tanto se ultrapassou

enquanto o bonde também passa
e o dia tem se arrastado 

não sei se ainda me lê
enquanto isto tudo 
vira distração

até mesmo as palavras 
sobrevoando 
as nossas 
atemporalidades 

viro as curvas
e piloto o coração desordenado 

disto eu falo 
sem que me distraia
e mudo 
de assunto

ainda paro 
aonde quer que esteja
e nos indago 
se quiser você ainda me lê 

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

as rugas das mãos

minhas mãos irão envelhecer mais cedo
do que o meu rosto, 
lembro do seu --- 

esse que revela 
a idade da pedra,

absurda de pensar que é possível
calcular o nosso ano na terra  

mas eu ainda vejo a criança,
acuada e sem saber o nome das ruas 
de frente para uma mala

pensando se ir embora é realmente 
dizer que cresceu