sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

forrozear

a tua ausência
se enche de voos rasantes 

lápides constróem 
o mapa da cidade

do topo o teu coração
coberto pelo Sol lamparina 
refletido na Lagoa 

o teu rosto 
pedra de lodo 
escorado na rebentação 

quero ficar no teu corpo 
como quem dança forró 

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

o teu corpo - 

monumento do Maracanã
em dia de clássico, 

entre dois times amigos
as pernas nos saltam das pernas 

que eu aliso feito
um cabelo molhado de beijos, 

fonte da saudade
atravessada entre a Lagoa - 
teu rosto dormente
e o meu
e o nosso bairro 

mas amanhã é terça 
e já estou a ensaiar 
com que braços a tua falta 
hei de embarcar 

sábado, 15 de janeiro de 2022

sítios

abro-lhe as pálpebras 
com o meu calcanhar, 

piso no calo da tua voz
meu bezerro, acanhado

você me olha com o rosto
de uma ruína 
dentro de uma fauna, 

e volto a ti cochilar 
entre nós o amar 
é uma casa na primavera. 

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

pungente

a ausência 
como um pingente 
que caiu na areia 
durante um dia excessivo de praia 

você chega em casa 
insolar e o colar ainda está 
dependurado você não a sente 
mas a ausência está prestes 
a te enforcar 

talvez algum dia você 
olhe para baixo 
e veja que sempre esteve ali 
antes mesmo da queda 

antes da areia, antes da prata... 
do pescoço, antes da falta 

foguete

querer a ti é lamber 
o semblante 
da palavra 

como uma criança no verão
encara o próprio picolé,
eu te deixo escorrer 
até a próxima costa. 

na estação das luzes 
eu te via feito um foguete,

quem o visse
desarmando a boca 
daqueles big bangs não duvidaria,

e dos artifícios da língua. 

sábado, 8 de janeiro de 2022

cães nas rodovias

éramos dois cães 
encolhidos nas rodoviárias 
às margens do silêncio
causado pelo céu e a sua alvorada 

de tanto azul o seu olhar se fez euforia 
e do choro se faz a face do dia 

do amor se fez a mão cautelosa 
estendida - assim que chegam 
as partidas, sob as cabeças - a carícia 

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

mediterrâneo

às noites 
estiro o teu nome 
no sal do mediterrâneo

ao pé de uma ternura de pólvora, 

me espanta que as retinas 
das constelações estejam tão discretas 
diante da festa quieta 
que faz o teu coração. 

cismo que o trovão 
possa ferir o teu sono de pedra 

nuestras garras galopam 
no regaço da areia deserta, 

às manhãs 
estendo o teu nome
no néctar das minhas quimeras. 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

você usa a pedra como um brinco.

há muito que os poetas 
e depois os pintores 
e os guitarristas 
arrancam as orelhas

procrio a emergência do choro 
quero as palavras pendentes 
desde que topei com o meu cordão 
vim de um útero de algodão 
o mundo também me dói, Hilda

mas e o meu coração
quem você acha que o carregaria
envolta do pescoço feito pingente 
há quem diga que a gente 
foi feito para ornamentar 

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

somos da era em que a saudade se chama daqui ouço a tua pulsação

você me pergunta 
gotejando se devemos 
sustentar duas paisagens
ao mesmo tempo

eu imagino os teus olhos
mais e mais foscos
e a tua pupila em busca
da frase pausada 
em minhas mãos 

eu me atrevo a ligar a televisão
não quero que os vizinhos nos ouçam 

me permito 
caçar uma palavra 
a qual não exista ainda
sentido além de senti-la

crio o nosso cenário 
duas janelas se mirando 
da vista de um só coração 

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

atrairnos

tive de te olhar além dos olhos 
os teus de corvo lírico
fisgam lástimas
             roem 

os meus que guardam
o semblante do cheiro
de girassóis dentro
                      de um diário 

nós que somos menor distância 
entre dois corpos 
          que se traem