terça-feira, 31 de maio de 2022

ferrugem

a semelhança 
o susto 
o surto

o teu sorriso retorcido 
na mesa da sala 
almoçando 
parafusos 

ferro fere e sangue 
difusos 

você se confunde e diz eu te - 
detesto estas tuas pausas 
rodeios 

- Você me ama ou só não me suporta? 

segunda-feira, 30 de maio de 2022

testículos

você que surge 
feito estalinhos
lançados dentro 
de um quarto pequenino 

e se abre 
como um guarda-chuva
dentro de uma casa

que azar 
o teu destino 
de cão-guia 
perdido 

você diante 
de um espelho 
rachado
no meio da rua 
debaixo de um andaime

os gatos 
nem te dão bola 
isso seria chutar
cachorro-morto

mas 
no teu rosto 
ainda se vê 
dentes
canino

olhe para o teu 
próprio rabo 
e veja só!

ainda não ceifaram 
os teus testículos

quarta-feira, 25 de maio de 2022

corro até nós

trocaram as lâmpadas do meu bairro
por cores frias 
olho para a rua e

estamos tão distantes 
que a própria distância me parece

mais próxima

como terminar um poema sem precisar
correr de mim

de quem nós estávamos falando
eu te adoro mas porque você 
é sempre tão incompreensível
comigo

e joga os jornais ao chão
e levanta da mesa 
e se joga no mar 

eu corto as cebolas maiores
do que cubos de gelo 
e esqueço o fogo alto

acendo mais um cigarro
mastigo uma bala e assim 
como quem termina um poema 

corro até nós 

terça-feira, 24 de maio de 2022

fruto

é que tens um coração 
de polpa bicada 

exposta a tua casca 
brilha feito os olhos 
dos bichos ao anoitecer 

de ti envolta 
os pássaros brincam 
de se esconder

domingo, 22 de maio de 2022

a imaginação e as sombras

você diz que me ama 
e eu te envio

um poema 
uma fotografia

no poema a figura 
de uma lua ensaguentada 
e a tua sombra

no silêncio as ruínas 
de uma casa em ruínas 

o teu sonho ainda fresco
à nossa porta imaginada 

sábado, 14 de maio de 2022

dormência

não discernir 
por onde atravessa 
a língua que se alvorece 

mas aperceber 
que além 
deste horizonte ocioso e áspero 

nosso beijo adormece 

sexta-feira, 13 de maio de 2022

as marés

hemos de iluminar a luz 
da primeira manhã 

ancorada ao teu ouvido 
lunetas e uma velha embarcação

no casco riscaram 
dois nomes dentro de um só coração

não esquecer o sonho 
é a véspera

as marés 
nos rostos 
de quem fareja 

há da luz da manhã 
surgir como um porto 

terça-feira, 3 de maio de 2022

escreva o que deve ser esquecido

se risque de todos os possíveis mapas 
afogue o tesouro da tua memória

se agarre à lembrança 
de que em algum lugar 
no fundo da terra 

o teu coração ainda fará soluços 

mesmo que as mãos 
no ato do sepultamento solenes 
estejam para sempre trancafiadas