quarta-feira, 28 de março de 2012

Sobre a mulher que me matou

Meu mórbido amor, esse é o fim de um fim que nunca teve início.
Escrevo essa carta com o coração partido, sei que é difícil alguém acreditar que tenho isso, mas eu juro que tenho. Éramos jovens quando nos conhecemos, Corina, você tinha os olhos verdes mais vivos que a natureza. Seu sorriso era de se espantar, tamanha vitalidade assustava até os mais felizes seres humanos. Me olhou e sorriu, bastou isso para que eu fosse seu. Namoramos por pouco tempo, eu era louco, extremamente louco por você. Trazia rosas e cartas borradas, pois eram cobertas por perfume masculino. Você ria com os olhos e alisava meus lábios com os dedos, como se quisesse roubá-los.

Passou pouco tempo e gradativamente você não sorria e os sonhos que insistia em me contar, viraram pesadelos. Tentava fazê-la feliz, mas existia uma coisa que a entristecia do nada. Via seus olhos virarem o abismo, quem se afundava nele era eu.

Nos casamos, comprei a casa mais simples e rosada que existia na cidade. Você adorava rosa e eu adorava ver-te adorar algo. Eu poderia jurar que você havia gostado no início, mas aquela amargura foi voltando. Os poemas não mais lhe faziam encolher o peito, as canções não mais arrancavam-lhe suspiros demorados. Chamei um médico e ele disse que você tinha problemas cardíacos, que não podia fazer esforços e nem por grandes emoções poderia passar. Depois disso, deitou-se. Deitou e não mais levantou. Ainda éramos novos, queria sair com você e sempre estava indisposta. Entupia-se de remédios e quando eu voltava do trabalho, já estava dormindo.

Comecei a não voltar para casa, beber e fumar. Via seus olhos encararem-me com uma piedade cruel, como se eu fosse o culpado de toda essa sua melancolia. Tentava encostar em teu corpo, você virava de costas e resmungava palavras impiedosas. Brigávamos e no final você sempre chorava e dizia que eu queria matá-la de desgosto. Desgosto? Corina, você acabou com sua vida e não tem clemência de fazer o mesmo com a minha. Virou um vegetal insolente, onde foi que você se perdeu? Quem foi a pessoa que roubou tu'alma? Me diga! Eu imploro que volte a ser a mulher que roubava meu sono, a mulher que fazia todas as coisas perderem o sentido. Só vejo uma pessoa com os olhos mais gelados e negros que o Polo Ártico.

Trazia o espelho para que você visse a derrota que havia tornado-se. Aos gritos me tirava do quarto e voltava para a cama. Brigamos muito, você se cortou e naquela noite, fiz sexo com três mulheres e dormi em um banco de esquina qualquer. Tive que voltar para casa, eu que regulava seus remédios e me senti um lixo. Voltei e conformei-me com a situação. Anos e anos perdidos, o sol nunca mais brilhou e as estrelas eram meras intrusas da escuridão. Fui adoecendo, não tinha disposição para nada e minha saúde estava debilitada. Comecei a praguejar você... Corina, a casa virou um inferno. Como deixou que algo tão maravilhoso se transformasse no meu maior pesar?

Minha querida mulher, a poucas semana atrás fiz um exame de sangue, recebi o resultado ontem e descobri que estou com Aids. Tenho certeza que foi no dia em que brigamos, no dia em que toquei outras mulheres pensando em ti. Na noite em que cheirei o cabelo delas e respirei teu corpo. Você viu o que fez comigo? Está satisfeita em ter me matado só por que estava afim de morrer? O amor é assim, não é, minha querida? Estou feliz por ter ficado esses anos todos ao seu lado. Minha eterna deusa do sorriso feliz, queria poder vê-la novamente, mas não tenho tanto tempo. Quem dera que você tivesse roubado meus lábios como outrora almejou. Estou abandonando este mundo, não irei morrer, já morri todos esses anos que vivi com você. Me perdoe por não borrar esta carta com perfume, não é necessário, você já encarregou-se de borrar toda nossa história. Estarei esperando-a.
Com carinho, do homem que teve a vida roubada.

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