terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Copo sujo

Calça suja, boca suja, copo sujo e alma imunda. Vida encardida, ela só quer me foder e eu não posso fugir. Casa bagunçada e um coração de merda, entregue às moscas. Coço o saco e o café aguado de ontem desce rasgando, um quadro maldito me faz lembrar do que a cana me fez esquecer, corro pro bar. Volto fodido e fedendo. Abro a porta; uma, duas, três, fecho. Apelo para a geladeira que se encontra vazia e logo sei o que há, eu sou como aquela geladeira, frio, vazio, mas cheio de espaços entupidos de mágoas. Lavo as mãos; um, dois, três, enxague, limpo. Não tão limpo, ainda sujo. Entrego-me ao choro engasgado, quebro a última taça que foi herdada de um parente insuportável, a vergonha estampada rotula a derrota de ser um nada, de estar nessa casa mal pintada, vivendo de solidão pois a minha própria companhia é um porre. Toc-toc, o som da noite chega, a cama me olha, eu olho para ela... Nosso romance é certo.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Esse sonho é meu

No fundo daquela casa
tão soturna e cheia de angústia
o meu amor se escondeu

Naquela casa faltava alguém
faltava cor
faltava parede
só não faltava dor e uma velha rede

Aquela casa guardava um espelho antigo
e ele refletia a beleza da
fruta amor
madura e viçosa

De tanto amar a casa transformou aquela menina
numa prisioneira
trancou suas portas
colocou lenha na fogueira
chorou e transformou o drama numa tempestade

Essa casa sou eu
insegura e completa
Esse sonho é meu

domingo, 17 de novembro de 2013

Soterrada em silêncio

As folhas desse dia morto
caem a sombra cobre
o meu cabelo
gotas navalhadas
o silêncio

Silêncio
transcrevo em livro

Você não me lê
na estante mofada a voz guardada
sonetos distantes nua
vulnerável espera seus dedos
folhearem versos curvos

Diz pareço insana
cato folhas do chão
para cobrir o livro as noites
em que passa frio
congelado pela frieza coração

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Soneto do esquecido

No museu o quadro de palha enfeita a borboleta
dançam as águas rebeldes no fundo branco
torce uma gota de lágrima o vento sortudo
a natureza assovia um choro mudo

Tempestade enfeita o céu escuro
lanças ocas cortam abismo
fazem o seu espetáculo um piscar de nuvens
traçando batalhas inúteis

Um pequeno intruso abre o azul
já muito maltratado luta contra si
um homem velho está ali

Morre as ondas numa correnteza de dar nó
morre o homem 
num quadro esquecido do brechó 

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Arco-íris de tinta

Pintei os cabelos de verde-água, essa cor-de-vida combina com as plantas que ele insistia em me trazer furtadas de um jardim qualquer, eu sempre me fazia rir daquele sorriso ordinário, ele calculava meus atos e disso fazia sua peça pessoal. O leque de cabelos pintados só não são maiores do que as vezes em que me peguei perdida no escuro daqueles olhos calculistas, tão pretos quanto o céu sem lua daquele domingo em que me prometeu amor bandido. No verão passado foi a vez do loiro, ele sufocou a minha sina com os lábios enfervecidos, dançamos sobre as margaridas amarelas e nem por uma noite eu consegui dormir sem suspirar de agonia sabendo que aquilo um dia virar-se-ia lembrança de um livro amarelado. Roxo-beterraba, vermelho-sangue, azul-borboleta, são tantas cores com codinomes bonitos que estão enterradas em fotos polaroides que estremeço quando penso em procurá-las.

Minha casa está encardida de uma cor que se chama amor, mas ele foi procurar o arco-íris nos olhos da menina-flor e deixou em minhas mãos aquarela que não tem mais vida. Eu pinto meu cabelo para tirar da cabeça a cor daqueles olhos fundos de tão, tão pretos e trago agora um cigarro para pincelar o cinza-morto da nossa estória que só durou algumas estações, morreu na primavera como uma planta que cai, da cor desse meu cabelo desbotado verde-solidão.

sábado, 12 de outubro de 2013

crônica de tristeza passageira

Cheguei ao ponto crucial, faz sol de arder os olhos e estar doente a pouco não faz descaso às conclusões. Descobri que sou covarde, soubera, fraca e medíocre, não somente porque deixo de desfrutar coisas boas por razões fúteis que, inexistentes; ou porque sou capacho de prazeres alheios, vivi angustiada, todas as passagens da vida fui covarde e; mas sou ferida, uma crônica de tristeza passageira. Deixei passar tanto e passei também, passei e não há buscas, entrei no abismo de covardia, e eu me consolo com pedaços atormentados de existência. Deixei de sonhar e não há morte pior do que não ter sonhos, implorando sem voz para ser achada onde um dia desapareci.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Narciso

O papel escondia a angústia que sentia 
Rabiscado de abismo,
O poeta sobre si escrevia 

Algumas vezes ele, modesto papel,  
Pagava pelos erros de uma palavra mal dita,
Logo era trocado pelo lote mais caro

A lixeira ainda frívola de versos vivia carregada 
Intragada pelo gesto de asfixia, 
Transbordava

Quem mais sofria era aquele lápis de marca
Remoto, profícuo, ligeiro 
Preso por mãos inseguras 

Tornara-se frágil, por pouco logo
Desapontava, por ser do parnasiano poeta,
O espelho narcisista