quarta-feira, 10 de novembro de 2021

as árvores crescem sem avisar

e eu que realmente
só queria esquecer
e se 

dormíssemos
agarrados 
tão quais
dois coalas no cio 

acordei com sede e 
gosto do seu cachimbo na boca

você que reparou na beleza
ordinária dos meus pés
e eu que mal sei
expressar outra reação
além de 
correr

para o teu mundo
ainda contado nos dias
ainda atrasado
porque 
não te conheci
em outra vida 

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

fruta sedosa

o que sei de ti 
é que tens um coração 
gosto de polpa bicada 

que és de longe sedosa

que a tua casca exposta 
brilha feito os olhos 
dos bichos ao anoitecer 

e que por fora
de ti envolta 
as pássaros brincam 
de se esconder 

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

herdei a guerra e a paz 
pouco sou dentro do mundo
mas brevemente me sinto parte 
das decepções que assisti 
em tela plana o ruído 
do jogo português 

uso um cinto que me aperta 
o couro do coração
reaprendo a respirar 
por puro instinto 
me lançaram aos besouros 

me tira a atenção o narrador 
não me importa quantos pontos 
marcaram aqueles que me arracaram
do conforto do ventre 
ainda é quente 

e eu que não encontro lugar aqui 
fora além do alçapão 

congelamento

me tiraram até a vontade de escrever um poema, eu que não tive vontade de retornar, não tive ânsia de chorar, não tive vontade.
o que resta para aqueles que perderam até tudo? 
.

o que será de alguém que se chama poeta se não há poemas? e nem vontade? 

não tive escolhas, mas sei o que devo fazer 
.

acendo um cigarro, penso que ainda me resta o pensamento - inútil. o que devo agarrar com as mãos no gelo? 
.

terça-feira, 2 de novembro de 2021

gravidade

encontro um astro
no teu umbigo

atravesso 
a eternidade
com a ponta da língua 
inteiriça no teu ouvido

digo meu amor
não descubra a distância

capaz de nunca mais
sentirmos 
a gravidade 
da situação

o amor fora de órbita

ou o peso das mãos
o adeus nunca foi
tão longo 

segunda-feira, 1 de novembro de 2021

mitológica

marcela, 
tateio o teu nome pelo cheiro
finjo sono. padeço etérea 
em teu seio montanhoso. 

às manhãs, nuvens 
dormem flutuantes. 
à tua imagem 
se assemelham 
as tempestades. 

marcela,
titubeio à beirada
do teu nome. 
como quem escala 
o morro antes de sísifo, 
teu nome na boca carrego. 

rogo à Deusa despencar 
rente aos teus lábios, 
pétala morna. 
paraíso, linguagem
infinita. 

incontinente

não restar nenhuma palavra
para contar a história da nossa fuga 

você que já não estimo 
alívio ao desespero vão 

há quem diga que a carência 
é um estado

eu diria que formou
um continente 

na palma das minhas mãos