quarta-feira, 24 de julho de 2024

Fusca

você me chama para tomar café 
no teu carro, eu te proponho 
um lugar mais arejado
onde ninguém me veja 
sair ou entrar e venha 
me questionar 
o que nós somos.

o que nós somos: 
dois ilustres apagões 
dentro da quina da cidade 
incandescendo os canteiros à lira 
de cordas endiabradas. 
nos sugerem trovões... 

plácidos, impávidos, 
às quatro e quarenta e seis 
do dia musgo púrpura. o que de nós 
escama? rapé ao pé dos trapos, 
dos números das placas,
alguém decorou? 

vejo a mim contigo, a princípio  
o que de nós nos toma? além
do murro do desejo incendiado 
revejo o cheiro do teu beijo, farol
do Fusca verde ainda nefasto. 

segunda-feira, 22 de julho de 2024

canção

quero pintar
as cores da sua casa

sair pela cidade
cantando as letras
que você esqueceu
de escrever para mim

ser o motivo
do retorno
e não ter lugar
além do coração

terça-feira, 9 de julho de 2024

09.07.24

Hoje sonhei novamente com Walmir Ayala. No sonho, eu estou em uma casa aquática com ondas de mais de cinquenta e oito metros. Algo me diz que é uma casa em Saquarema. Deveria estar cheia de gente, mas só há a criança que eu perdi dentro da onda. Vou para casa com areia grudada nas pernas. Pego o diário de W.A. O diário que sonhei antes de conhecê-lo. Sinto uma alegria dentro do sonho, uma que não sinto de olhos abertos. Ainda que o poeta diga que escrever é morrer “de olhos abertos”, queria morrer assim, fechando os olhos para te ver. 

segunda-feira, 8 de julho de 2024

Montanhas

Tinha uma montanha no meio do caminho
No meio do caminho, 
Tinha um Seminário,
Avançadas 

As letras lúgubres me
Enebriaram 
Os pelos espessos
No peito de um urso

Dentro de um urso tinha um leão
Dentro do leao tinha uma disciplina 
Dentro da disciplina,
A frustração,
Não, o meio do caminho 

O meio
Não o fim
Era um meio fio
Uma navalha 
No meio da média 

Na media, uma batata,
Um chopp zero
Graus, inverno
O inferno das notas das rotas
Das notas 
De pé de página, 

Das margens
Impalpáveis 
E as pastas 
Impublicáveis 
Palpitando

Uma temporada no arquivo,
Instinto, do urso da pasta ou do
Leão. Não,
Leoa, que apalpa a expansão.

Daniela Cassinelli e Gyzelle Góes

domingo, 7 de julho de 2024

desprezo

se fosse como levar um castelo à praia 
e demoli-lo com a primeira espuma
da onda 

mas é como trazer a areia 
para os olhos e não cair nenhuma lágrima. 

exposição

dê-me as suas mãos
manchadas de tinta Bic, 
cinza-cal e abandono. 

dê-me a lucidez do adeus,
aquele que assinei na entrada. 

devoção

diga-me se você está pronto
para viver enterrado
dentro de um cofre 

memórias. eu as dispus 
aos meus pés e nos curvei 
aos papéis 

você que hoje é um nome 
que não me sai dos joelhos.