sexta-feira, 9 de junho de 2023

Diário I - O retorno do Arcanjo

Quarta-feira comecei a ler o quarto diário de Walmir Ayala, Sangue na Boca. Ayala, através das memórias cotidianas, me conta sobre um homem noturno, febril, quase infantil, não pela sua inocência, mas pelo modo cristalino como relata as suas experiências vermelhas como rosa em delírio. Meu coração fica a ponto de estourar quando os dias vão percorrendo o corpo do poeta, a escrita-carne. Este domínio da linguagem do memorialista é de estender os ossos, me tira do frio deste quase inverno. Fui à casa em Laranjeiras de André Seffrin, o guardião do arquivo de Walmir. A rua do André é íngreme e sinto que chego a tocar o céu subindo, tenho de apagar o cigarro no asfalto no meio do caminho, se não, não termino a caminhada. Na casa do André o cheiro de mata e de livros é como eucalipto para os meus pulmões, sinto como se abrisse um livro em uma casa isolada no campo. André me contou dos títulos dos diários de Walmir, Sangue na Boca porque é preciso ter sangue nos olhos, inclusive na boca, por onde escorrem as palavras. Além de fugir, o Arcanjo antes fez a descida. No caminho ao Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, um homem se lança da ponte. O carro atravessa o pedaço de asfalto intacto de sangue, antes dele escorrer. Assisto ao sangue. Sangue na boca. 

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