terça-feira, 5 de junho de 2018

Mosqueteiro


O ocorrido veio a calhar em plena véspera de Natal, as brumas da noite, a Lua em painel romanciada, evocada por Virgem, entoava serenata às chamas impossíveis. O céu, por sua vez, tão límpido, denunciava, junto a rua vaga por lampiões espalhados pelo bairro, algum milagre ter acontecido. 

Vagara durante horas pelo sereno, das asas impelidas de agilidade, por vezes pairava suave sob algum banco de praça, ao relento, bichos enfurnados em moradas, feito paraíso construído. De uma dessas casas alto  barulho de cochicho chamou-me atenção. A voz por agudo de uma dama, sensual e polida, e o homem, por sua vez, devia estufar o peito enquanto dizia, de tom saía áspero, abrupto. 

Passei pelo espaço aberto do vidro colado ao mogno envernizado, o ambiente era de todo escurecido, exceto por uma luz que iluminava por gentileza os rostos dos românticos. Era um rapaz, estava ereto no canto, sentado; a dama, espojada, de bons modos, em uma cadeira, não parecia estar mal acomodada, talvez pelo modo como se espreguiçava confortável. De aparência, estavam cultivando o sono embutido no descansar dos olhos, ele, descansava nas feições do rosto dela; ela, nos próprios papéis de parede. 

Sejam por avenidas projetadas no relevo do rosto em contraste com a lamparina, seja por roupão com cheiro de naftalina ou pelos cabelos ao suor do encosto impregnado, ela aparentava mais jovialidade, no entanto, planejava um sorriso brando, possuía um jeito de olhar senil, lambia os lábios como quem se deleita. 

O rapaz esquálido, com olhos de profundeza bravos, deslumbrado com a imponência do verbo, titubeava, parecia em Virgem estar regido, e pelo modo como se entusiasmava, havia um interesse instantâneo naquele olhar bem fundo na dama trajada de íntimo, que a fazia mover-se ultrajada, entretanto de um ânimo em delírio, gozava em suspiros. 

Pousei sobre o livro posto no braço, os Três Mosqueteiros. Era decerto um ser inconsolável. Da-li por adiante tive a visão dela se avizinhando, de pele aguada, cheirosa à mobília antiquíssima, escorou-se de lado, nos tocando por puro atrito. O rapaz sofria de um súbito romance, os cílios trincados, àquela hora esquentara, havia sido acostumado às leituras de romance. A dama se fazia cumprida ao dedicar as palavras, e o juízo do rapaz, ao pé do ouvido, soava como um grande mistério. 

Passado o tempo do ócio, de monótono gesto, inclinara-se rente prestes a tocá-lo em palavras com a boca em gesto de língua, mas de súbito! zuuumbido agudo despertou uma sensação de desconforto. Pairaram os olhos sob meu corpo, e descrito um sentir deslocado me invadiu pelos olhos, olhei a lamparina e desejei a luz lá de cima. Tão passível quanto entrara, movido pela paixão, deixei que o desfecho daquele romance fosse escrito apenas nos papéis daquela casa alta. 

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