domingo, 23 de março de 2025

devorei-o

neste final de março, 
o poema que não escrevi me acusa 

sem rancor, mas com um fiapo 
de sangue coagulado nos olhos. 

sem palavras que me justifique, 
o fito com o mesmo sangue,

este que, ao invés de nos olhos 
se pende às marginais da boca. 

não preciso dizer, 
devorei-o. 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

ferida

I. 
eu amei a princípio o poema 
este que sonhei endereçar a ti. 
depois a ferida na borda da página, 
o ardor da tua superfície 
ao longe e salobra. 

amei primeiro o poema, 
este que, ainda que sonhe,
nunca chegará ao próprio destino. 
depois a cicatriz na lateral do cenho, 
o pavor da tua distância insalubre. 

II.
amante e amigo, com o suor no rosto 
me inclino, escorre o sal em mim 
pelos vínculos, encontra os lábios. 

deixo que me recorde o teu gosto salino. 

sábado, 15 de fevereiro de 2025

os seus lábios

quando seus lábios tocam o meu rosto

não é apenas o meu rosto a ser tocado

é o meu ser a ser devastado pelo seus lábios

minha poesia a ser invadida 

minha moradia a ser ocupada 

os pássaros do meu céu incitados 

a voar desvairados, lúcidos, incendiados. 

sábado, 25 de janeiro de 2025

sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

há um pardal no meu coração

em meu coração jovial vibra um pardal 
cujo coração é do formato de uma caixa 
de fósforos sem fósforos 

acendi-os na pior hora da escuridão
quando a solidão ligou a lanterna 
a me apontar a fundura de uma cratera 

entrei nela como quem das sombras 
colhe da boca a seiva eterna e manancial 
a jorrar minha mágoa no mundo 

em meu coração jovial o pobre pardal 
não tem nome ou coloração nas plumas 

mas vibra tão alto quanto a sirene ininterrupta 
de uma ambulância com um corpo 
lânguido dentro a desfalecer 

em meu pardal há um coração prestes à combustão 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

John

escrevo porque te pertenço,
me permito à trama dos teus ouvidos

te escrevo porque pertenço 
à legião dos poemas,
das rimas 
que te roubo às mãos

(para rimar um poema em teu nome) 

escrevo porque neste bar 
só o teu nome soa, sua, destoa 

porque improvo uma entoação,
minha boca na tua o ato de uma profanação 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Judith

hoje esbarrei com Judith. com a sua escrita veludo, pelica ou uma textura sem nome delicada. confesso estar inclinada a modificar a minha trajetória, o meu enredo projetado, mas isso ainda é um segredo e uma confissão até então para mim também. me apaixonei pelo que Judith escreve, inédita, pela sua sombra projetada. o seu projeto de arquivo-mulher assombrada. Judith está nas minhas mãos, manuscrita e sinto neste instante uma euforia de noite estrelada. conto a mim: você não deveria olhar para trás. mas inclino o pescoço com a ânsia daqueles que não previram o decaptamento, a inocência de um cão de dentes afinados e boca jubilada. afio as minhas garras aos papéis de Judith. Judith, Judith desliza como um mel ardente, perfilando a minha jugular. eu, que delirante deslizo em suas mãos ardis. que delirante me enfio em seus papéis febris. que delirante me afilio ao seu nome. Judith.