terça-feira, 30 de setembro de 2025

sereia

ao fundo o azul azulando 
às margens a larga praia 
disforme: teu corpo de areia 

maresia. teus olhos. 
ternura espantosa 
disforme e rente ao mar 

moldura tuas jóias ouvidos brio
tesouro revestido pele e seda 
contornos: mãos e véus 

imaginava que não estivesse viva 
o mundo seria incapaz de erguer 
e sustentar os teus sonhos de núpcias 

pensei que havia morrido nas águas  
 
e me abraçava o sol e as ondas 
e me engolia o sal e as espumas 
e eu roçava nas conchas 
eu beijava os corais teus lábios

Arcanjo

Imaginemos por um instante um lugar onde tivéssemos conservado todos os arquivos das nossas vidas, um local onde estivessem reunidos os rascunhos, os ante textos das nossas existências (Philippe Artières) 



imagine um lugar, meu Arcanjo,
onde você não esteja quebrado

Arcanjo meu, imagine um lugar 
onde você esteja seguro. 

mostro o rastro das minhas mãos
em torno dos seios, 

fiz do meu corpo a tua grandeza divina. 

terça-feira, 23 de setembro de 2025

fila do pão

no supermercado ao lado das bananas pratas no preço de prata eu me lembro ao longe de um poema, sem nome, que passei a noite pensando em te escrever um poema, desses corridos, ininterruptos aguardo o pão fresco e vejo fios da chuva pelo recorte da saída, penso que na sua cidade haverão outros fios, a cidade inteira, e nós desligados dentro de estabelecimentos cheios de luzes artificiais. o pão está pronto, a fila se forma e todos furam o meu lugar, e eu não me surpreendo. por estar distraída. penso que o poema poderia dizer da sua distração comigo. mas a vida se faz dessa forma, se forma como se faz. penso, se você não se posiciona, tem de paisagem as costas. 

terça-feira, 9 de setembro de 2025

tudo o que nos resta

tudo o que nos resta, meu amor
é morrer

ou podemos recitar poemas
dentro da cama no céu de outubro

o céu aberto. nós abertos.
sem desculpas, cerimônias 

destituídos da linguagem. inculpados. 

o coração, meu amor 
é uma desocupação

podemos enfeitar o tédio dos dias 
com as nossas vozes ilícitas,

e lúcidos, idílicos, impudicos 
depois morrer. 

eu poetizava

não nego que eu e você
ainda que não rimasse 

eu poetizava
você já se apaixonou e 

e acordou e permaneceu a sonhar 

abra os olhos, 

                        é isto um sonho? 



você já fumou o teu cigarro

escarrou na boca que te beija

escreveu o teu poema? 



[acho que perdemos a chance de chorar juntos no banheiro]



acordo. quase perco a hora de escrever 

o poema que te prometi na despedida. 

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

de tudo fica um pouco

dizia o poeta Drummond 
que de tudo
fica um pouco

de você, na primavera,
ficou em mim a flor do inverno