segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Condução

Caminho
pelo vale distante
Rochas úmidas
essa estabilidade 
dos dedos 
Enquanto a ponta
dos espinhos 
cravam gravuras arbitrárias 
pela pele ressequida
acumulada de sol e sal

Enxergo
o riacho ao longe 
só os olhos a mirar 
mas tudo em volta
desacredita 
Caminho
seguro as pontas
sem as rosas cor do sol 
agora se acumula até 
aqui dentro 
onde a epiderme não alcança

Os rios saborosos criam nuvens 
e chocam o calor de tal 
vista falha insiste
ver água

Caminho
como se ir fosse preciso
Transatlânticos automóveis a
bicicleta do banco laranja 
tem vezes 
que é preciso parar
Devagarinho 
Enquanto fluxo tranquilo segue e 
os pés os olhos
essas marcas são 
este 
Caminho 

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

última parada

cheiro
perfume
canto
da rua
enquanto
sem graça
o equívoco
me leva
a outro corpo
que almejo
seu 
passo brando
retorno à memória
beirando essa distância
predestinada pela história
que jamais vivemos
riso 

sem graça
avanço

mantenho
os
passos
e acho estúpida 

o descuido
possa cruzar 

seu caminho
colidir 

nossos corpos
confusão 

da rua 
tu pára
o pensamento 

e me vê
apressada 

suando 
de frio
calor

hora do almoço
você
passou?

seria
qualquer uma
o motivo
minha mágoa
o orgulho
ombros erguidos
repito
palavras
mudo
de calçada
vazia
você
também sorri
assim
esticando
o lábio
pro canto
pressionando
a pele
na parede
as folhas subindo
os troncos
e curvas
desvio
ali
seu
sorriso
virando
a esquina
parei
por aqui 

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

desagua

Ergo o corpo e permaneço ao chão 
Fecho as pálpebras 
mas assisto a luz da lua entrar 
com tamanha fúria! 

Daqui a falta de cor 
me parece um elogio insosso
retinas discretas, parede, teto, casa, e por acaso 
descrevo a estética do corpo 
De novo 
Tento de novo 

Movo

De quem é o corpo? 
Do que 
falar o porquê tanta pergunta? 
Me vem da boca a secura de dentro

Retorno ao corpo com a inocência 
de um filho espremido no útero, ressequido, 
e fracasso como quem abdica a mágoa dos antepassados 

choro e mingo sedento 
Não se pode parar 

Rezo sem Deus
fechadura aberta, o corpo

N
A
D
A

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

as vozes
o repertório
repetido
tanto
que parece eco
de uma memória
irremediável
a voz
no escuro
em claro
estão no mudo
convulso
barulho invisível
de bocas imóveis
o que sou
você me pergunta
piscaria se olhos tivesse
como resposta simultânea
e guardo relíquias
insubstituíveis
se palavras fossem  sons
tanta cólera por isso
esse silêncio tentei
vezes trancafiada
noite é entrada
soam vozes
geradas
murmúrio
soa lágrima no lábio inerte
e corre sincrônico
soluço
preciosa pressa
causar língua
grito desumano
severo e
indizível
cedendo relato
mínimo
abrir a boca
o instante fala
uso impreciso   palavras
sentido
só o que sinto

ver
buscando dizer

o que fomos perdido?

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Quentura

sem pressa
o barulho da manhã
desnorteou tempo que tinha
pra pensar no poema

é que brilhou tão firme
que parecia ter nascido
aurora boreal no sul
do corpo
como se fogo
fizesse por dentro faísca
cinza e ventania

tenho pressa não
hoje passou segunda, terça
vento verão
veloz insolação

ô dias se vão
vê, tristeza
faz estrago
de um vulcão

domingo, 16 de outubro de 2016

atualmente
bate
nostalgia de
voar

desencanto luz do azul
pássarinho
lar e coração
fervoroso
sol de verão

asfalto fogo
pés
são teus pecados
reluzentes

re fujo
só a cor ainda brilha
e o peito
batida

homens sós no canto do quarto
e no peito há uma planície de decretos
no meio fio da gilete você me encara
como uma cena de filme pornô
enquanto se ouve o gozo da terra num sopro
na falha entre dois olhos se debatendo

assim como asa de borboleta
assim eu fico meio atordoada
se faz mover meus dedos com rapidez
no desamparo da borda
de uma carta ainda não escrita

não é que tenha desistido das cartas
sabendo da inquietude das palavras
e do escasso consolo do seu semblante

é que você existe como uma silhueta
em recordações banais
nos instantes de blackout
você é um homem sol sem brilho
e o calor não faz tão mal não me aquece
não me esquenta

a solidão te veste bem

sábado, 8 de outubro de 2016

te mandarei todo o meu amor todo dia numa carta selada com um beijo

1. há de reconhecer palavras
costuradas
sigilo de uma mudez que
nos pertence por necessidade
há de descrever
ao lembrar da memória falha
o ato de reler
lembranças inexistentes
e desistirá
não por motivo de fraqueza
asco comum
de uma ira irreversível
é por mera delicadeza
esse assombro
a firmeza dos ombros
fardo de um silêncio incansável
2. em um movimento leve
os lábios
esses involuntários
hão de falecer em diálogo

domingo, 2 de outubro de 2016

Escrever

               “Essa solidão, para abordá-la, é preciso atravessar a noite”

Feito silenciamento, sinto as palavras embargarem a escrita. Se escreve apesar do desespero, e aliando-se a isso. Estar livre, selvagem e úmida, urgir e sangrar a carne e a tinta, remoer e glutinar um corpo descartando o medo, há pavor, nunca se está realmente só.

A casca descasca as paredes da casa, o corpo, um corpo rígido, violento, o território extenso entregue à página. Firme, seguro e infindo, tecido e cal, rotina e nada. Nada foi escrito que não se possa dizer, é nesse atravessamento de muralhas que o escrevente permanece inquilino de uma muda solidão.

Impossibilidade de travessia, trânsito dos silêncios em arquivos indisponíveis, o relógio sempre acima do tempo de reclusão, inumerados sistemas submetidos à mercadoria dos afetos – amanhece quando a escrita acaba. E morre o diálogo. Morte à fala cortada antes do verso. Duras declara que tudo escreve. Tudo
diz.
              “Sou a banalidade. O triunfo da banalidade”

*título: ensaio de Marguerite Duras

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

ainda criança o vento se aliava
às corridas pelo bairro
crescido
tão agilmente
as pedrinhas por volta do parque
no centro da rua
criavam folia junto aos pés
que pouco firmavam estadia ao chão
tamanha era vontade do ser
tímida buscava um buraco
onde se esconder
fazia disso brincadeira
e me sentia muito inadequada
quando surgia à luz de olhos arregalados
que moravam dentro do que
se fazia em mim
tinha estórias pra contar enfim
alugava diário cor lilás sabia
só página vazia suportaria
tanta infância
me descobri sozinha
levava as mãos em suspense
até locais onde a pele frisava em eriço
tamanha ousadia
o corpo como trilha desfrutava
da curiosidade dos gestos
e se revelava
um país das maravilhas
como lia nos contos apanhados
na estante do meu pai
toda vez quis buscar estrela subindo
no banco da cozinha corria
subia
e não tem luz
antes ou no instante que narro estória
nem agora
mas a infância
permanece ainda aqui
no verso na astúcia dos dedos
pendurada no quadro na mesa da sala
em tudo que escrevo

terça-feira, 6 de setembro de 2016

E agora?

uma chave na mão e o corriqueiro suspense entre a dobradura ventilada dos pulmões carbônicos. tudo é molécula entretanto vi na lagoa um brio ensebado que caso contrário fosse apenas modo de imaginação em ativo por necessidade de matéria, não criaria dúvida. existe quase tão em rasgo então o escasso encontro espaço pra se expressar - assim ágil. noto a falta de horas enquanto os olhos aglomeram o relevo dos números, tais quais adjuntos às vezes que traíram o sono no intuito desse café pela manhã. não é sentido, veja bem, tanto quanto àquelas estradas, palavras seguem rotas. é seguro, desacredite no que exprimo, força pasma gera falsa sensação de estabilidade. Durmo, não durmo, escuto os meus pensamentos e enquanto escrevo? E então? Novamente perguntas. caso queira o destino (creio usar as palavras certas) me submeter à vontade de não bater a porta - Realmente não bato, nunca houve.

domingo, 28 de agosto de 2016

sentir é inundar um barco que navega em pleno mar pacífico

cristais sob as águas
é um caminho distante e viela
cheia de lixo muvuca de gente
suruba de fome enquanto indigestão
vapor azulado
penso e o coração em pacto
de frente pra colisão
é um fluxo quase convulso
palavras marchando por mãos
só naufrágio estrela em fuga

seguir meu coração?


terça-feira, 16 de agosto de 2016

Linha 4

na solidão transacionar a rádio
portas encostadas sem trancas
compor melodia no violão
não é discurso sóbrio quanto às noites
de um esquecimento póstumo
embora seja o fator principal
as praças convergem
em nós
d e s c o n h e c e r m o s

ouso tocar só no flagelo sentimento
que inflama incubado
em nós
e preza pelo zelo das mãos
é que tristeza tem nome, face e endereço
contudo se manifesta indiferente
sofrendo aborto simultâneo
em campo infértil onde paira o sol

é que tristeza me faz companhia
mas me sinto só

quarta-feira, 3 de agosto de 2016

me cubro de palavras como os lençóis os dedos

é preciso silêncio ao escrever ou que seja estar sozinha talvez a busca anteceda o início do parágrafo seguinte próxima linha

não há enredo mas calço meias longas

encosto as abas da janela e pronta preparo café da madrugada como anfitriã da insônia que carece do corpo cansado

ora se não houve descaso pela ausência nos conservo lúcida quanto à imprecisão das formas então retorno ao papel de figurante na vida do outro e o outro eu nós assim desconhecidos 
embutidos em narração

mais uma vez deito embrulho os pés 
e quase livre de culpa 
ensaio 

solidão 

quarta-feira, 20 de julho de 2016

terráqueos

fotossíntese, lâmina, acne, transformidade, cabide pequeno e lacre em caixa de papelão, transtorno pré-consultado e o diagnóstico de uma aparente falta de tudo
mas talvez seja o excesso talvez o avanço dos carros indiquem a hora de atravessar - linhas em sincronia na blusa de manga comprida faixa de pedestre quanto custa não passar faz tanto tempo que não chupo uma fruta
é esse buraco na terra, o efeito da nuvem sobre a lua cheia, completinha. mas é que o pão veio duro, o troco inteiro, a alça do saco arrebenta mesmo sem peso, sim o buraco é fundo, não posso ver
as armações foram compradas em 5x sem juros é que o blecaute não teme as lentes a prova de ver além é mais do que esticar o pescoço tira os óculos escuros pra ver o tom do céu que agora é alegoria pro alvoroço melancólicos dos pombos dessa cidade indefinível
é que basta de descrições hipotéticas do que seria eu e você e mais aquele ali ninguém é tão completo assim, não tento argumentar, isso é passado enquanto a gente marcha e ali mancha de sangue estendida no horário de
volta pra casa
celulose, catarro na garganta parecendo fala contida, me contenho tanto que se quiser nem existo, deixo escapar suspiro como um símbolo de prosa que ofereço humilde sem valor de devoção - me sobra perplexo espasmo da completude de estarmos habituados ao chão

sexta-feira, 15 de julho de 2016

entrada

estocada
essa faísca
figura
eco de uma invasão 

o buraco estreito
só há passagem
de ida
e volta
volta pra casa

a geladeira tem água
estoque
de tudo que vive
e só existe
procura no fundo do poço

toque
nem telefone ou campainha
é batida de punho
na madeira maciça

domingo, 3 de julho de 2016

dór émim fásol lá sim

sem invasão da luz
4:20 ou seis e dez 
já não sei
que dia é
penso
estado de graça
mas quem sabe amanhã
quem sabe oh pai
nunca fui de prever aspas
tempo atrasa
quem sabe
é hora de trocar mobília
as estantes cresceram
e os relógios
buzinas triplicam
enquanto as contas injuriadas
amanhecem
oh céus
hoje faz tanto sol
sei lá

domingo, 26 de junho de 2016

Gabriel

quis fazer um poema
que te beijasse as mãos
sem a fissura das palavras
entrecortadas no bloco de notas
rendar meu verso longo
na borda de seu sistema motor
até decorar o tom dos atos
entre o sincronismo
e a distração
quis até construir um jardim
pro nosso palácio
de constelação
já não se treinam assobios
mas passei perto das mudas
roubei margaridas
e pus sob fios de cabelo
cadentes de sossego
uma luva tricotada
pro inverno no rio
que não endurece coração
rima é remendo de ferida
em tom da pulsação
flores são mais vívidas
quando muda
a estação
construído
o poema dialoga
versos roucos
só pra livrar da solidão

torcendo,
fiz pra nós uma oração

quinta-feira, 23 de junho de 2016

sinapse

sua fisionomia esqueço
mas a memória retorna
feito passagem 
de um rio
os pés afundados
o molejo 
da força existe

não recordo
a função dos ciclos
o girar da terra
imperceptível

relembro por susto
vertigem de verso
ser cúmplice do verbo

lembro
feito presente 
ou dádiva
passado às dobras
rugas da testa

uma volta
abre a porta
essa carta
mesmo
esquecida ou
revirada
um rasgo

não é só confissão
talvez seja
uma frase atravessada
esse regresso
verso termina
escasso
todos
seus retratos

terça-feira, 21 de junho de 2016

Nu

A luz que atravessa as vidraças
É o sol a te revelar o corpo
Narrando a tempestade em marca
De uma pele miragem
Desnudando passagens
Transeunte à margem

No cenário de uma exposição
Suas curvas na moldura de um quadro
A sintonia das cores em rima
Liberdade se transforma em melodia
Monumento
Seu corpo é obra-prima

Artista, musa, performer: Lídia Orphão 


quinta-feira, 2 de junho de 2016

Ilha

Como numa amnésia súbita
Nego a poesia dos cantos metropolitanos
Raízes saltadas de praças
Me submetendo ao ócio
De uma poesia desconhecida

Transito a mergulhar na rotina
Seis horas embargadas
Sentarei a escrever um poema
Os escritores sempre tem algo a dizer
Eu não
Eu não sou

Cavalgo serena num cavalo de máquina
As engrenagens toscas
Esse céu forte visto do terraço
São cores de um imaginário

A poesia desconhece o poeta

quinta-feira, 26 de maio de 2016

um mês tem dias tristes

mais de trinta
muito mais de trinta
mais de uma
todas, todas submetidas
mais de trinta abusos ao dia
e a indignação
é vista como caso de histeria
todas, todas submetidas
violação
argumento pra punição
mais de trinta denúncias
e nenhuma solução

quarta-feira, 18 de maio de 2016

como?

bebo teu nome
tua cor desbotada
e os olhos de vidro
me vivem como se amor existisse
além do romance nos livros
assim como se fosse matéria
cada glóbulo pulsando meu gosto
então engulo tuas digitais
os rastros no chão envernizado
a cólera precoce
esse mundo destilado
toda conversa amarrotada
na caixa torácica
mesmo atrás da porta
onde não possamos passar
bebo teu cheiro de árvore viçosa
pulsando descompasso
em agito bucólico
só pra dizer que te vivo
após os comas alcoólicos

terça-feira, 10 de maio de 2016

alguma prosa há de surgir
e desbravar meus mares
assim depressa
antes da pose
na foto
pro quadro
naquela hora imprecisa
assim bem rápido
só com o medo 
na ponta do dedo
no centro do umbigo
quase perdida 
sem amar
a prosa surgirá
mesmo que encolhida
sem pausa pro almoço
fumando Malboro
na porta do bar
bela
endereçada
com a boca pintada
aguardando hora exata
de se amostrar 
um monumento
sem juros 
de graça
a prosa está fadada
a mofar num caderno sem pauta

domingo, 1 de maio de 2016

é só erguer a cabeça que o mundo desaba

o céu me cobre de
he ma to mas
como se atravessasse 
o papel carbono
e imprimisse as cores
em cada página
insisto
cê assistindo
o cobrir de rima
numa tela sem cor
palavras soam ternas 
e a tempestade
desfaz a cautela
só com grito vento
mais firme
assim um estrondo
forte capaz
de nos amolecer
o céu é fosco e fere o corpo
transeunte
a
noite
Ser

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Busca

Deito atônita a aspirar tua tradução simultânea
Dedos profanando a gramática normativa
Dentro do padrão desgastado de roupa íntima
Como uma poetisa que desfila a caligrafia
Hei de desbravar teu corpo infinito

- À espera de um resquício no tom áspero da preguiça
Embargando o ritmo da língua evocado pelo trânsito das horas -

Tu tomaria meu gosto de ontem
Só com a fome debaixo do lençol macio
Tu seria meu acorde
O verso ébrio de um outono gasto
Como uma missão de morte e vida
Hei de desvendar tuas rimas

segunda-feira, 18 de abril de 2016

à prosa

ouvi falar do riso solto mudo
e sobre as rodas de conversa que proseavam
sobre os amores, e olhe só se há amor aqui na mesa
pude ouvir o vento também
correndo chorando de dor de pressa
como se eu existisse à mercê do incompreensível
que bruto brota dentro dessa tripa maior
assim sem palavra bonita pros órgãos espremidos
porque é tudo merda essa vida esse ar

já ouvi falar do riso quando encostado no ouvido:

gemido

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Zoom

Novamente dentro de mim. Não vejo nada. Só eu, e me vejo assim, complexa, sem medo, introvertida, salobra. O calor é meu, o choro, suor, cílio, desce e cai em cima da lã do vestido. Água evapora, tristeza não. Tristeza é feita de outro elemento, então a gente tem que aturar até no sol, nos dias de mormaço e de bafo no rosto. É como diz gente pra lá e pra cá que amor é coisa pra gente dura, mas é cada uma que aparece assim como se fosse luz numa tela escura num quarto trancado quando aferrolho os olhos só com medo de ver. Volto, afirmo, existe medo. Talvez não esse que se vê, mas daqueles que só sente e esconde onde o coração esqueça. Memória é questão de perspectiva mesmo nunca tendo alcançado a minha; sei que é fácil falar, escrever, tentar criar prosa poética - sobreviver. Sobreviver não. Quero ver rimar com a vida, ponto e vírgula.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Há um instinto de fuga agindo sob meus dedos

Esfumaçando órgãos franzinos
Arquitetando ruínas
Ferindo o semblante entorpecido
Esse instinto me intitula carcereira
De uma fome que me consome

[Não existo]

Transita viscosa através da pele
Como dói o poema!
Coagulado no deslize pela garganta
Embargando o que nem sei dizer
Porque é belo e lúdico
Nunca ousei tocar
Porque é esdrúxulo e sublime
Mesmo que o céu casto persista mudo
Na neblina trancafiada dos olhos
Meu corpo é arquitetura dos versos
E dormita em plácido horror
À espera de um instante em harmonia

[Só encontro ao me perder na poesia]

domingo, 27 de março de 2016

e me beija com a boca quente como se eu fosse um muro, rígida, imparcial a delírios, me afoga com o corpo em posição de caça urgindo, faminto, sem rancor. límpido o céu desconhece meu peito. chove distraído, sem ruído. me corrói, despenco trôpega nas ações, declínio. os lábios agem, confronto, o repouso, imunes ao perdão da palavra. a chuva morre em silêncio enterrado no parapeito. o céu desconhece. e o beijo, as pálpebras, a ruga nos contornos, teu apetite:

anseio

sexta-feira, 25 de março de 2016

zona de confronto

docas e becos

ouvido em teu peito

viaduto

teu pulso

eu pulso

e escuto

ruído de uma caverna

muro esmurro

intervenção

sábado, 19 de março de 2016

ato I

acordo
nem sei mas há um sono
de vida de erguer o corpo
um sopro no meio do peito
parece doença
prazer ou falta de sorte

levanto
os pés ao chão
piso gelado um copo meio vazio
as portas trancadas
o gato parece de ressaca
e as buzinas do lado de fora
a essa hora
por quê, meu deus?

quase rezo
só ajoelho pra chupar
nem sei mas há um sono
de vida de erguer o corpo

giro a chave
duas voltas
mais duas
são quatro e vinte 

faço mais um
acordo
com a vida

volto

quarta-feira, 16 de março de 2016

botes em terra de afogados

me falaram de teu descuido
a rigidez dos braços e vértebras
os estalos dos ossos
mãos metódicas
à procura de algum espaço oco
de uma cicatriz aberta

narraram na praça romances grotescos
pra assustar os meninos
aqueles tão próximos ao sol
que não permitem armaduras
e fogem às ruas
no entanto as flores dublavam
a fissura do meu descaso
quanto a boatos e náufragos
entre o asfalto e as grades
de manifestação

teu caractere conduzido em marcha
as veias do pescoço em evidência
o escárnio
essa pureza feroz
pune qualquer indício de tu 
em mim

sobre o amor
atentado

segunda-feira, 14 de março de 2016

não sei se você ainda me lê
se me percorre ágil com os olhos
ou recorda do agito desses lábios secos
como se fosse confissão
cada travessão em desconforto
e as vírgulas
os pontos que nada justificam
só te botando em busca
à procura e toda minúcia
detalhada em arte de rua que você não

mal sei se ainda me lê
mas estou transfigurada num esboço 
todo instinto marcado na pele em tinta
torcendo os nós que a mudez traduz
no almejo de não passar despercebida
entre cada ponto que você sequer nota

virei mais uma distração
enquanto sua face não se inclina
coração imóvel sem sinal de vida
as rotas
me segue
anota
os pneus em uivo e o muro rima
a poesia como um guia

terça-feira, 8 de março de 2016

verso mínimo

desaprendi a desbotar os danos
riscar a pele em lâmina
escrever cartas compridas
por amores inéditos
não sei cumprir tratados
romper enganos
pois a desordem me conduz
como um guia turístico
assim por ruas distintas
dentro de vagões insalubres
a escrever poemas rudes
breves
algo conciso
falta

mas já não sei se consigo

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

gato pintado

o gato vira a mesa
desfaz o penteado
elegante,
pisoteia meus pulmões
quebra os vidros
o sofá não é o mesmo
parece que saiu de um furacão
a casa sem mistérios
é do gato intrometido
surgem ferimentos no braço
nas mãos
toda confusão
tão bonito
um miado confundido
com rugido de leão

domingo, 21 de fevereiro de 2016

uma garrafa navegando perdida dentro de mim

retornei aos vícios e quase muda
prescrevo minha sentença
calor do sol no rosto sem proteção
cada paixão em câmera lenta
mas há um espaço que não se ocupa
dentro do peito no meio da rua
tocando a rima com a leveza dos dedos
e compondo uma oração
pois é preciso crer em alguma coisa
seja em alegoria
ou na arte na beleza
pra convocar a salvação
é necessário muita poesia
sol no rosto sem proteção
e os vícios
vícios

absolvição

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

insolação

desbotando deitada à cama
revivo o sol em seus olhos
bem perdido
como se fosse um ponteiro
de um relógio atrasado
e todos os pesadelos regressam
mesmo que o sono não entre
por intermédio das pálpebras
no meio de nós unidos entrelinhas

o pequeno calor acaricia meu peito nu
mas o verão me esgota tanto
a ponto de gingar os joelhos
em plena praça pública
só de serventia pro pleonasmo vicioso

essa estrela de fogo
digita sob minha pele ociosa
cada confissão enfurnada
dentro
de um corpo maleável
e todos os pesadelos são prelúdios
mesmo que a noite durma
sob nossas carcaças
não havendo antídoto pra vigília
da lua enquadrada acima da cidade

incolor e despida
revelo traumatismos
através da linguagem
tão sucinta que outro não notaria
esse escarçel implícito
tão acolhido
pelo sol entardecido
dentro do seu globo ocular

um planeta inteiro encolhido
e um sorriso refletido
meu busto umidamente descalço
exausto de não repousar
mas o sonho intacto
enrolado em nosso suor
estagna o tempo em fuga
e a madrugada que não tarda

todo verão contido em sóis

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

o carnaval em pleno peito

parada
no trânsito
na gávea
esse pensamento suado
meu peito é o verão
em pleno carnaval
você me fala de amor
dos blocos
e serpentinas no cabelo

essa rima impura
álcool descendo pelas ruas
caçando um pé descalço
todo caos entrelaçado na multidão
enquanto você me fala de amor
como se todo mundo ouvisse
e fosse ficar calado
por causa dessa inauguração

no trânsito
na gávea
essa conversa afiada
todas as pontes engarrafadas
que me conduzem à sua calmaria
você me falaria
dos confetes arremeçados
das vezes que passei do ponto
e não me assustaria
o pensamento estagnado
o bloco anunciando
essa última
parada

o amor estacionou

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

cotidiano

o céu empoeirado
e o tempo exigindo nomes
endereços
acordos
não selam lábios
mas acordar é silencioso

ruas estreitas
esquivos olhares equívocos
é só mais um pássaro
no asfalto
esfolado no peito
pedindo perdão

buzinas
e faróis
seios macios
pele ardendo no sol
e um pouco de amor
nas bochechas

um tanto de rancor
no barulho do motor
e um coração mecânico
acionado em horário de pico

transitando
as palavras apontam
como se fosse um semáforo
uma faixa de pedestres
indicando o caminho
sem tráfego
o trânsito
só de nuvens

e histeria

tem dias que a gente morre calado

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

o verão e o verso ardem sob minha pele

quando a ladeira pede um pouco de calma
e a cor das fotografias perdem seu valor
é o pulso gemendo em silêncio
versos pingando 

a poesia vibra como um alarme
uma arma
um explosivo

o chuvisco cantarola
mesmo quando o dia amanhece neutro
e as plantas murcham
dentro de um pequeno vazo cinza
num simples relato de uma crônica malfeita

mesmo assim haja pulmão
os dedos
e peito
peito
só assim as palavras
os poetas
transam

e eu gozo com os punhos cerrados
ciente da fraqueza dos versos
enquanto o cimento da rua seca
sem que restem sinais de digitais
das folhas que despencam no verão

a poesia vibra como um alarme
uma arma
um explosivo

é nesse instante de distração
que o poema geme com delicadeza
e o último fôlego
acompanha o berro do coração
 

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

hoje o temporal é um anúncio de choro em depósito no poema

previsão do tempo:
eu vou te ferir com palavras
e você vai me magoar com atitudes
o sol crescerá acima da cabeça
e as bebidas consumidas em dobro
não vão satisfazer nossa sede
mas a noite surgirá tão bela
que remediará qualquer enfermidade
ou desgosto estocado
e num sussurro levemente triste
vai nos convidar pra rua
ficarei nua
na cama no banco no papel em branco
tocando tambor com os pés no chão
soluçando de ódio
exclamando supostas loucuras
transando com o diálogo ausente
que permanece velado em nossas bocas
com gosto sutil de maresia
o sol reapareceria ainda maior
dia após dia
anunciando que a previsão
de chuva
é culpa do tempo nublado 
dos olhos
e saberíamos
que o medo da tempestade
é alegoria pro carnaval antecipado
de corações eufóricos
fugindo em marcha
transpirando
o mundo terá de assistir calado
nosso suor ensandecido
desfilando pelo corpo em fúria
enquanto a contusão implícita
mapearia o desapego
mesmo que tudo só seja um pesadelo
e as nuvens em luto não queiram chorar

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

elabore um pedido

Expulso essa roupa com a língua
e rasgo com a saliva
cada tecido de pele distinta
me sentenciando

Descomponho
mesmo que seja extravagante essa nudez
a insuficiência de voz
e no domingo embriagues

Proponho um desalinho
encurto um buraco do cinto
assistindo as ondas das mãos
submergindo a frieza dos meus atos

Essa dureza das nuvens

Olha o céu antes de me amar...

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

múltipla

novas maneiras de morrer
e as fórmulas não solucionam
problemas reais
toda forma de descrever
essa distração explícita
mas o jeito como as palavras
nada dizem
e se multiplicam
não alteram o sentido

é corrida essa poesia na rua
escrita com tinta
presa no muro
discorrendo sobre a solidão
das palavras perdidas

alguns poetas pragmáticos
enterram numa
folha A4
oração
que justifique
parcela
do dia

e o trajeto do sorriso
impermeado por ausência
de sentido
segue o ritmo
sem que haja motivo
e novas
maneiras de morrer
tenham surgido

sábado, 9 de janeiro de 2016

o que você está fazendo?

46

sozinha
assistindo a noite
invadir a casa
o cão sobe no sofá
a goteira do chuveiro parece chuva
vejo a lua tão turva
parece ficção
ou obra de um Deus
que desconheço

troco de canal
a mobília da sala
roupas
e insisto no poema
tão solitário
quanto a lua
eu
e o cão

sozinha
crio diálogos
que viram página de um diário
deixo as obrigações pra amanhã
averíguo a despensa
vazia
morro no sofá
assistindo o dia
e dilemas
invadirem meu poema

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

seguinte

evitar a claridade
do óbito
apalpando a persiana
enquanto o álcool
suplica dentro da garrafa
passou da hora
de acordar
não tem roteiro
só um rodeio
de humanos
e carteiros
assaltos
semáforos
só para um pouco
na velocidade
do zoom
de meus olhos esfomeados
enquanto o cigarro
protesta dentro do cinzeiro
e as pontes
não ligam safenas
de um coração demente
a gente tem medo
antes de atravessar
no parapeito
a cidade sussura
que é hora
de saltar

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Uma fatia de paraíso na sintonia do inferno

Elaboro simplórios versos, temores anônimos examinam meu sono em horas de fragilidade e assimilo que o som dos passos são de partida. Aos pedaços decorei os sons, uns são mais firmes, outros sutis como uma brisa abafada de verão. Minha rua amanheceu vazia, toda gente que caminhava com os olhos enterrados no horizonte se dissolveram como as nuvens previstas pra hoje. Orquídeas murcharam dentro de um livreto fechado, recordei com ira da ventania que seu rosto fazia enquanto dormia agarrado ao meu corpo como um travesseiro. Quis cometer um latrocínio, roubar sua vida que ali, exposta, me pertencia, mas te assisti calada, com os lábios lacrados como se aquela cena fosse meu maior segredo. Envernizei cada instante do seu repouso em meu repertório de lembranças, e junto ao suor que grudava dois corpos miúdos, fui salgando sua boca com uma despedida. Você narraria meu desapego durante 365 dias, e encontraria um título pra esse drama atípico. 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

notar

vim.
caminho comprido e sutiã no armário.
mamilos apontando.
ponta na bolsa
e um calor impregnado na nuca mesmo nua.

vim sem armaduras.
com sede do líquido que sai de seus poros.
signos de água são perigosos. eu vim.
não deu pra quebrar o tempo de ir embora.

não deu pra cortar caminho. cabelo cresce demais.
a rua toda chamou teu nome. teu número.
eu vim antes do sol dormir. poesia. poesia.
vim o mais rápido que pude
você nem anotou.