terça-feira, 31 de dezembro de 2019

casca de ferida

amanhã seremos mais antigos amores
e seremos o que quisermos no passado
devido aos nossos narradores
devido ao legado da ferida que expõe
corpos ensolarados 
somos até a matéria encolhida
ensinando que deveríamos renovar

"Quero que pinte um amor Bethânia"

hoje o meu coração dança,
quer sair hoje o carnaval começa hoje,
o canto doce dos doces,
somos as divinas memórias,
isso é um diário
seríamos,
seria,
eu já nem sei o que seria agora
começo a rasgar
a rabiscar papéis
somos as histórias todas as histórias

tenhamos de reescrever nossas histórias,
isso chamarei de arquivamento,
arquivologia do eu,
as minhas memórias agora tomam forma diferente,
isso é memória?

viremos a ser,
os narradores escorrem pelas margens,
e me sinto ecoando,
sinto pulsos mais brandos
e esse desejo de poesia
eu me deito sob os papéis, meu peito leve,
essa onda parece uma brincadeira,
eu quero é viver brincar com as palavras
esse ser o poema

poderia ser só impressão minha
mas sinto que estamos nos despedindo,
teu sono lento, você me pede para subir,
abria a porta, deitava no sofá,
eu te enchia de beijos,
ouvia teu ronco,
esperava que levantasse,
nós dormimos por muito tempo

agora escrevo no papel A4
papel de pólen,
sei tremer e que na verdade
não sei explicar-me
ouvi teu sorriso e o meu sorriso,
e o nosso sorriso,
entro em combustão
entro em uma viagem muito longa
e duradoura,
eu ainda viajo,
lembro do nome verde e azul,
daquela paz de passagem,
você me segurava, ou não me esperava?

você não sabe se decide se levantar,
que eu te coloque para fora da cama
esperei que me pedisse alguma coisa,
sentia-se desconfortável,
pediu gentilmente para sair,
eu achei a porta,
pensei que assim poderia ficar
durmo um cigarro inteira tranquila,
mas antes que terminasse,
bateu à porta,
entrou e sentou no sofá,
depois pediu que subisse à casa,
toquei seus pelos de urso,
enquanto o subia,
ele agora me olha de lado,
acho que me pede carinho,
ele encontra muita seriedade,
o que posso fazer para agradar-me?

eu não sei se ele tem sono
mas parece ter,
vamos amanhã à lagoa
meu pai vai ficar com você
e nos divertiremos
pela intensidade da natureza
voltaremos a dormir

voltar para onde?

acredito que queira escrever uma carta
esse exercício de escrita me tem consumido
eu tenho vivido pelas palavras
no entanto, o meu silêncio ainda preenche páginas

eu quase já não saio e não penso em voltar
sinto que cresço ainda, ainda cresço
as pessoas me veem pequenininha e profanada
é difícil que lidem consigo mesmas
e depois comigo

eu entro numa história como quem ri
descreve e soluça mais alto
às vezes eu sinto a vida como uma cena, força estranha
eu seria quase bruta se não fosse a sensibilidade
eu suspiro e decido me despedir
decido voltar
mas voltar para onde?

e eu

eu mal conseguia acender um fósforo,
eu estava na chuva, segurava uma cerveja
e me sentia sozinha,
não tive forças de mudar de lugar,
eu falava sobre arquivos quando dizia de amor,
as memórias são capazes de voltar
mas eu não volto,
não com essas pernas e essa cabeça,
eu fico aqui,
eu seguro um cigarro,
eu seguro as pontas
e a chuva é passageira
Novos passos,
lugares,
por certo era de que nos entenderíamos,
Talvez
surgisse uma nova linguagem,
um novo jeito de seguir
Viver,
ver a vida
Um olhar completamente diferenciado,
nos daríamos a oportunidade da novidade
Somos,
seremos

Por agora, prazer

linguagem

não quero mais poemas temáticos, se preciso dizer sobre a virada do ano ou do quarteirão que eu dei só para te filmar, esquece o tempo, esse que tem passado e nos feito distância e estranhamento, esquece essa angústia que te faz beijar outras bocas sem gosto, eu vejo os seus olhos bem loucos pedindo por nós, eu vejo os meus olhos bem loucos pedindo por nós, então não são tantos quilômetros se os números e aliás as palavras são infinitas, imagina a borboleta vivendo em um dia esse amor fantástico pousada em nossos ombros, teríamos de nos versar entre mais silêncio enquanto nos beijamos ou a infinitude dos números ou seja o tempo em nossa boca 

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

maçãs verdes e fritas

esquecia que a manhã adormecia 
diante das pernas curvadas 
então pedia que a redenção 
viesse mais rapidamente do que o sono 
e esquecia do sol nascente 
e erguia o calor das adocicadas 
diante das pernas dormentes 
atentava aos sinais das maçãs 
requentadas no verde do parque 
era toda a missão de curvar-se 
e pedir mais um pouco de culpa 

saídera

tenho me ocupado de ouvir os folks
acreditar no retorno sem virar para trás
erguer a cabeça mesmo que os olhos se revirem
me questionar sem culpa
relembro meu sorriso e sorrio
quanto a isso não há volta
quanto ao amor
ainda dá tempo de pedir outra rodada

terça-feira, 24 de dezembro de 2019

A hora da estrela

prevejo a tua chegada

nessa rósea noite de natal

não tão rosada quanto as tuas espáduas

ou tão sagrada quanto a tua chegada

e esta espera me infla o ego

de um querer despovoado e refutável

essa ânsia é o que me mantém

atenta ao relógio cativo à porta

aos ruídos livres do corredor

(as crianças ainda brincam)

à esperança que morreria primeiro

do que a poeta se não fosse poeta

temporal

antes nunca houvesse aberto esse livro, 
parece, ainda intocado, 
uma memória do tempo além do tempo, 
o banquete aos convidados, 
ao infinito seu nome arbóreo, 
no gesto dos líquidos o sangue 
se confunde com o vinho dos deuses, 
parece, ainda intocado,  
ferida que nunca sara 

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

é tudo o que tenho a dizer

falo de amor
       gesticulo
me expresso
          fervida
poesia agora 
               digo
nos diga 
se o passado 
            cresce
ou 
apenas passa 

ilha dos amores

algum dia essa transa literalmente fará sentido
algum sentido algum dia
será novamente bom dia
e você irá abrir a boca
mostrando a língua
que língua colossal
você é zodíaco
dos signos
das abstrações
e então que se entendam os poemas
as melodias e todos os shows solos
ah, haja imensidão para nos abarcar
haja mares navegáveis e litros e litros
de amor

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

a fase do nevoeiro

é pura vaidade escrever agora e saber do ínfimo pensamento que é possível ainda me atraia ao turvo perdido do buraco negro no lugar chamado teus olhos 
tu deve pensar que ainda me encanto pelo cheiro de gato molhado impregnado em tua fisionomia ou que preciso ouvir tua voz dizendo novamente que o dia não será bom de novo 
se bem que eu sou da banda de artistas que todo poema que lê acha que é para si que foi escrito devido a própria presença nesse mundinho 
mas se até a cama é pequena imagine o tamanho da vontade de dizer que esse poema eu estou minimamente me referindo a ti 
olhe bem, longe de mim que seja rancor pois isso sim seria anúncio de que ainda guardo algo por ti
algo maior do que o nirvana atingido quando nós descobrimos a corda no pescoço antes de saltar pra fora 
é diferente tem gosto de dissabor sabe 
tem sabor das palavras que não escaparam da boca nos momento de silêncio inoportuno ou de rodar quilômetros e não fugir da mesma paisagem 
éramos the end or game over desde la partida e ainda reprisar essa névoa é afirmar que ainda estou saltando 
mas agora é diferente do início agora eu estou pulando é dentro de mim 

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

fineza

acabo de retornar às suas palavras
o que acontece? 
a vocês que não mais aparecem 
com aquele brilho e aquele fôlego
aquele riso de arder e a sua ânsia 
de resistir e fazer valer 
e todas as significâncias 
em um livreto fino 
e essa força da obviedade
o que acontece 
que eu não te encontro mais 
nem na padaria e nem na palavra 
fico a perguntar cadê o poema você
que eu decorei não consigo esquecer 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

às

as luzes daquelas vozes deprimidas
saltavam de ira um quarto de cólera
piscavam doloridas e gemiam 
dentro de uma paixão comprimida 

o poeta se estivesse vivo argumentaria 
'não precisa ser tão romântica 
a poesia é inútil 
por pura vaidade abriria a boca 

em nós há um pouco de lucidez 
e entre lugares um pouco de intimidade
mas eu ainda sinto vontade de ir embora

ele pega o meu dedo e diz 
'faz um verso na parede 
e depois se arrepende de ter me beijado 
e depois eu realmente fui embora 

eu tenho tido pavor de fazer as mesmas
coisas que eu fiz e isso me apavora
porque ainda não fiz um quarto 

me sinto uma gatinha endurecida 
e os olhos não abrem mais antigos  
o que será que me deu
o que me deram?

eu acho que ninguém mais lê isso aqui 
e eu me deito mas não durmo 
então preciso escrever no escuro 
e acabo por publicar tudo 

domingo, 15 de dezembro de 2019

a gaita da meia-noite

o coração de luneta tocava sua gaita 
feito o corpo de uma mulher azul
jurava que fazia poesia 
somente nas horas vagas 
e que batia o ponto 
era pontual quando vinha 
com um sorrizinho e uma piada 
para cortar o breu
era o silêncio que o fazia 
sentir ser o abismo 
era puro abismado e gravava vídeos 
para poupar o diário que nunca existiu 
os poemas existem mas têm 
hora marcada 
o outro desfilava nu na floresta 
e ficou depressivo 
teve que retornar para o moletom 
e aos lançamentos da Netflix 
aquele que era poeta parece 
que tinha uma musa 
mas era o barulho da gaita 
dentro da boca 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

amanhã luminosa

as luzes desse sol negro
refletidos de seus olhos vibrantes
as ovelhas caminham e saltam
os pastos não serão como antigamente
estão mudados e os animais humanos
mais intensos, hirtos,
o labirinto de um só caminho
a velha história contada diferentemente
fizemos de nossos corações
poças de palavras
meu cheiro de domingo
recomeça e fizemos mais nada
do que faríamos
além disso seu corpo incandescente
ilumina os nossos olhos vidrados
nosso baile todo dia
parece que não dorme
a manhã acordou contigo

sábado, 7 de dezembro de 2019

reflexos

os poetas só têm escrito um poema 
por mês ou por vez 
e o outro me olha sorridente 
depois de ganhar um livro do Gautherot 
me chama para fumar um cigarro 
e assinar meu livro
enquanto fala da fluidez da aquarela 
nós fumamos três 
e na despedida
eu não peço que fique 
eu tenho deixado que o fugaz 
seja motivo para fugir dos eventos
por mais que tenha me sentido lisonjeada 
pelo entusiasmo ao dizer que eu era legal
e que eu devia saber disso 
no dia seguinte eu cancelo as provas
eu invento motivos para não aparecer 
eu esbarro com o outro no bar 
seria surpresa se fosse outro lugar 
ouço da outra quina o barulho dos beijos 
enquanto falo sobre a arte na China 
e penso no quanto tenho me tornado 
uma pessoa indiferente 
eu que vivo a sensibilidade 
sinto evaporar meu suor 
e a vontade de fechar os olhos 
eu esqueço que simplesmente existo
até me olhar no espelho imundo 
eu me reconheço pouco 
parece que além de legal eu sou bonita 

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O beijo no envelope

que se entendam os amantes 
mas eu não tenho tempo 
para abdicar o amor 
enquanto o beijo termina 
e a linha tênue entre amar e desespero  
me faz querer ler outro romance 
eu quero mais e 
eu posso estar em todas as cenas 
apenas com a força da minha fantasia 
e o bilhete único, 
eu embrulho o presente 
e entrego outra carta a ninguém 
peço que preparem o gin 
e apertem os tabacos, 
eu me entrego na carta 
e ninguém mais lê, 
assim eu retorno ao primeiro encontro 
e todos voltam ao sentido do fogo, 
assam seus jantares 
e cobrem os olhos antes de acordar 
eu faço poesia como reprise 
e organizo a minha presença, 
a festa acontece, 
outros rostos se encaram 
os corações se embrulham 
e entregam cartas sem destino,
parece que felizes para sempre 
só acontece enquanto assisto 
esse beijo que encerra 

nos dedos

o sentimento do mundo
carrego nos dedos
o sentimento parece 
de uma pequena criatura, 
de olhos aparvalhados 
de coração drenalizado

o sentimento eu carrego
o que é 
pra mim o mundo 
eu me pergunto
o que fizemos 
das nossas delicadezas

o que fizemos 
da espuma e do sal, 
do brilho entardecente 
dessa piscina vazada e calma

os corpos não se jogam, 
o que os empurra
é a coragem 
daqueles que foram negados 
o sentimento próprio do mundo

daqueles que boiam 
e comem ovos na ceia, 
eu deveria ter apostado tudo 
mas me submeti 
a encenar a derrota

eu fracassei 
só para me sentir 
menos frágil
são nesses instantes 
em que o olho 
do furação 
me olha 
e arremessa sua fúria

eu sinto os ossos esmagados 
tentando escrever mais um título 
apostando o que não existe 
em um jogo marcado 
para que todos os vencedores 
se sentissem 
a derrota

eu abdiquei 
até a dormência 
que me fazia 
sentir a paz 
paz que eu nunca teria, 
pois eu carrego 
o sentimento do mundo 

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Ana e o Mar

ao fundo azulado
às margens a larga praia 
disforme teu corpo de areia 
maresia o perfume teus olhos
tamanha ternura chorei junto ao mar 

miragem o brio pincelada 
merecia moldura tuas jóias 
teu tesouro revestido pele e seda 
teus contornos à mão e véu 

verão suei inteiro assistindo 
imaginei que não mais estivesse viva 
pois o mundo era incapaz de tanto sonho 
pensei que havia morrido nas águas 

eu fechava os olhos e te via límpida 
soava como uma onda atravessada 
tu sorria e o céu escorria de tormenta 
 
e me abraçava o sol e as ondas 
e me engolia o sal e as espumas 
e eu roçava nas conchas 
eu beijava os corais teus lábios  

devo ter esquecido do título

tenho achado os poemas chatos 
é natural chegar a esse ponto
tendo que arranjar outra distração 
para não fazer a Sylvia
ou arriscar fazer a Virgínia, 
por aventura a César... 
ainda não sei mas eu ainda 
quero criar um novo modo 
de fazer isso valer 
eu tenho esse papo torto 
e acho que eu tô desanimada 
pra cacete 
não sou locadora 
pra ficar alugando 
mas pareço aquela garotinha louca 
pelo terror e pelo cabeludo da CAVIDEO
eu só queria que a minha cabeça 
não acordasse doendo tanto tanto tanto... 
só de pensar parece que eu tô inflamada
e que não precisasse querer acordar 
no meio do sonho enquanto 
eu fugia do Veloso e encontrava
biscoitinhos no banheiro
os banheiros são a miséria
lá a gente esquece que tá vivo 
e deixa rolar
eu tô pensando merda... 
as vezes pareço com aquele velho 
que apostava nos cavalos, 
alguns dirão ser o Buk mas 
eu acho que era o meu avô
mas eu não o conheci para ter certeza, 
eu só lembro da cadeira de balanço 
e um silêncio de túmulo e biblioteca... 
voltando ao velho Buk ou 
o guardador de pássaros azuis 
ele era um velho safado e alcóolatra 
e eu lembro de uma vez estar na Bambina 
fumando unzinho em frente à DP 
chegou um cara de jaqueta de couro 
típico crítico de bosta dizendo 
que o velhote era só um reclamão 
eu acho que eu tinha recitado um poema 
que ele achou ser do velho 
aliás eu sempre recito um poema 
quem me conhece sabe 
e acho que eu já enchi muito o saco 
com essa coisa de poesia 
e não adianta eu criar um nome 
para isso 
para essa síndrome 
então me arrisco a dar nome aos poemas 
tenho pena de mim as vezes 
e fico achando que os outro também 
ou é pena pelo mundo todo 
e isso acaba refletindo em mim 
eu realmente não sei mas talvez 
seja por isso que eu precise esquecer 
se não eu realmente vou fazer Torquato, 
eu vou fazer Florbela, 
eu também bebo e penso sacanagem, 
mas eu não quero mais pensar 
eu queria esquecer os poemas 
e o porquê de ter começado mais um... 

triste não é viver de solidão

nos acostumamos com a tristeza
e brindamos a ela sorrindo 
deixamos que ela ganhe nome 
e lugar no assento preferencial 
e a medida que vamos morrendo 
ela se torna amigável e besta 
nos encoraja a escrever capítulos 
a esperar o sinal abrir 
assim desfilamos 
assim nos sentimos 
mais acompanhados 

sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O nome da Rosa

vejo em meu retrato memória 
o seu rosto debruçado na janela 
eu te encontrei na Lapa 
e você do Sul estava mais a vontade 
do que eu no meio de toda gente 
você me chamou para um bairro da Barra 
e dizia que era uma barra chegar ali 
eu concordava com um sorriso 
toda confusão que a gente soava 
para mim aquilo era um labirinto 
você dentro da literatura carioca 
então eu entrei no apartamento 
e você entrou calada na varanda 
eu não conhecia mais ninguém 
então quis recitar um poema sobre livraria 
e eu vejo o seus olhos sem noite 
eu olho para a Lua e fico sem palavras 
você me diz para voltar 
mas ir a onde se eu vim a ti 
a gente se despediu em Botafogo 
eu até hoje não entendi 
mas acho que você também não 

parece que eu encontrei algo

gostaria de me lembrar de você
até que perdesse a memória
diria parece que perdi algo 
vocês não gostariam de ser 
tão românticos
vocês consideram 
a doença dos loucos 
e fazem versos que até diriam 
que são duros 
que são rudes 
os punhos como as palavras 
ou melhor como a rigidez dos versos 
eu também não gostaria de ser assim 
mas eu não tenho vergonha, disso não
de assumir o romantismo 
de ser assim, disso não 
porque depois que você 
aceita a chaga  
você se culpa mais desculpada 
você exibe o amor como um poema 

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

fama e pó

compreendo os poetas que ficaram
dez anos ou mais sem escrever um verso,
a força da palavra entortada na ponta da linguagem inacessada,
a língua umedecida como lenços de limpar lágrimas
e a bunda dos inocentes 
e os dedos paralíticos
a gente vai se tornando exigente,
tento descrever com mais elegância
o gesto de virar a esquina
e comprar o pão da tarde amarelada,
essa cor se tornou rotina desde que
descobri meus olhos cansados,
os olhos vidrados no panorama da cidade
cristalina, os roncos e a neblina das garotas descoladas,
botafogo eu esqueci de retornar
sem parar na cadeira mais quente
o desgaste da memória ressequida, 
parece que eu vivi para contar a ninguém
até a mim mesma visto me calando
eu gentilmente choro por descuido 
e elaboro a próxima desculpa,
o deslize seguinte e as frustrações apaziguadas
os músicos eu compreendo, seus destiladores ácidos,
seus desejos suicidas de fama e pó,
o sucesso em construir o legado overdose,
over, game, brincar com os dedos
como os poetas em tempos de revolução,
dentro deles toda hora
e a torcida fantasmagórica, os romances
breves como os 5min de fama e pico
os poemas duram mais do que uma vida

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

rascunhos
as memórias
elaboradas

as marcas
nos polegares
o indizível

sempre
essa boca
incalada

o rosto
viradovidrado?

degusta
a fumaça

os dias 
horários
e os entregadores

somos
as pessoas
escolhidasencolhidas?

esse lençol
mais
friocalafrio?

eu vejo
mais
perguntas

elaboro
respostas

nunca
serão
satisfeitas

terça-feira, 19 de novembro de 2019

aluguel de ternos

recebi sms (mensagem 
de celular, eu não compreendo
essas siglas cibernéticas)
dizendo oba 
esse mês é do seu aniversário 
vem gastar conosco 
vem ser mais feliz comprando 
se a felicidade está à venda 
eu fecho os olhos e espero 
que o sorriso apareça assim
de graça, eu estou de graça 
e há momentos em que eu 
simplesmente sumo ou desejo 
André me enviou um e-mail 
dizendo que a minha poesia 
era de dar parabéns, 
ele não sabe que esse é 
o mês do meu aniversário
disse que eu buscava me esconder 
mas que a neblina não ofuscava 
o brilho dos poemas sem medo 
se ele soubesse quão medonho 
é esse meu destino poeta
eu me deixo ler como bem queira 
há quem tenha dito que essa hesitação 
só reafirma a sensibilidade 
que eu pareço atravessar o labirinto 
enquanto eu sorrio eu vibro 
assim como se batessem palmas 
diante de um bolo e as velas acesas 
como se fosse o enterro 
em que eu fosse o banquete 

burlesca

não há quem mais me chame 
para tomar um café 
eu me isolei do mundo 
mas o que é o mundo 
o que a solidão 
se não 
quando o assobio 
me acorda 
para dormir mais tarde 

segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Pedintes

Li em uma epígrafe o Paulo Britto
dizendo de um colega poeta 
que suas poesias não eram pedantes 
Li os versos de Marcella
ela dizia que os poemas e os 
bibliotecários guardavam os aromas 
E que o som da poesia devia ser  
o timbre que fazia ao se recitar 
Eu acho bonito quando a poesia me toca 
de um jeito devoroso e inventa palavras 
Gosto quando leio os poetas que leem
poetas que leem poemas 
Quando eu recito a poesia parece 
que a poesia me recita 
Eu cedo meu corpo poema à poesia 
a poesia cede sua matéria a mim 

domingo, 17 de novembro de 2019

a palo seco

se perguntar 
por onde andei
com entusiasmo 
beirando o desespero 
e talvez 
o despreparo:
estou bem 

por virtude da palavra 
se eu a repetir 
- digo das palavras 
os ventos dirão 
ser primavera tocada 

meu corpo reage
e me sinto dolorosa também 
me dói também 
e quando me colocam à prova 
sem que eu aprove 
quando me olham 
e me reprovam 
quando me deixam insossa 

eu to no meio da night 
as luzes eu só vejo brilho 
as sombras eu só vejo silêncio 
e tocada em meu peito 
uma eletrônica 
não disse adeus sem me mover 

queria ter aprendido 
mais de biologia 
eu ficava escrevendo poemas 
e lia romances 
enquanto me falavam 
dos órgãos vitais 
eu me sentia morna 
e achava que o corpo 
era mais 
do que aqueles lugares 
que encostamos 

é meu bem eu acho 
que o tempo 
nos foi cordial 
e os astros 
as ervas 
e as preces 
e mais um pouco
de tudo que nos foi feito 

entro nas livrarias
eu encosto nos livros 
e me arrepio
é físico 
eu não sei me despedir 
mas eu abro a boca 
em menção honrosa 
eu me encosto nos lugares 
e descubro porque vim 
ou que meu lugar só existe 
quando eu encosto 
e penso em ir embora 

quarta-feira, 13 de novembro de 2019

IV

no tengo palabras sin sentido 

nosotros y las flores 

los azules de las calles 

nuestros corazones y canciones 

la primavera está caliente 

tus invernales ojos 

mi romance


terça-feira, 12 de novembro de 2019

dentro da redoma o sufoco dos poemas

confesso que fantasiei 
ilusões, ilusórias, 
iluministas 
quem foram aqueles 
que diziam das luzes? 
acho que o tempo ficou fechado 
é nesse túnel em que se descobre 
entrei no labirinto! 
e se eu transbordo pelo muro, 
rasgo a cerca, 
eu entro em outra hipnose, 
ilustrada, muro de floresta, 
dente brilhando, 
ao sorrir a noite 
onde somente o poema 
faria sentido? 
orgasmo
misto 
descubro, fantasiada, 
ideia de amor ou fascínio 
eu busco motivos 
e olhos 
dizem palavras 
que a boca diria, 
ao contrário, 
nos olhos repentinamente, 
um fogo incendiário 
nas palavras 
a ideia 
a redoma 
eu me escorei 
no poema 
como quem 
só a solidão 
das palavras, 
como quem arde 
diante dos olhos 

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

à morno, fluído e mansidez

tenho gratidão pelo poema do rio 
que me faz correr pela cidade 
com os olhos e as palmas afobadas 
busco quem me olhe com o carinho 
que percorro as baladas 
mas nessa solidão espero somente
que eu me olhe mais branda 
que eu me queime mais lenta 
assim não exijo companhia 
a não ser o amor próprio 

o homem só e o duplo

esqueçamos os poemas esgarços 
pelo tempo e a elasticidade da palavra 
que estejamos escuros na brevidade 
encenando os arquivos empilheirados 
da luz e do esquecimento estacionado 
esquivamos das asas brisadas 
os poemas são remorços 
que os rios cubram as terras ressequidas 
e que este retorno seja etério 
nem que seja na memória 

até mais eu digo enquanto estamos por cá

compreendo meu amor a vida
é mesmo um moinho 
mas se olho de cima o mundo 
me parece mais lúcido 
de uma lucidez muito estranha 
que me soa emburrada 
e que me faz embasbacar

são tantas emoções 
e eu prefiro vivê-las sem envolvimento
mesmo que estivesse comprometida 
mas me lembro estar metida 
numa encrenca da pesada 
uma barra nublada 
acho que ninguém brindaria 
menos gole e mais vida
naquele romance

pode ser que me engane eu falo 
pelo rosto da gente na rua 
de uma experiência volúpia 
eu mantive os olhos fechados 
e aguardava imóvel 
quase tive medo de ir embora
o clima fica frio 
e o que a gente disse 
não disse nada

dessa nudez das sensações 
e essa feição descomprometida 
são frações e mistérios 
acordar pra onde iremos 
e nem sei mas eu gosto de vocês 
gosto dessa profana argumentação 
e o jeito de mostrar que estamos bem

gosto muito dessa música 
e os dedos agentes 
parece uma carta 
parece que tudo foi enviado 
mas eu não sei até quando 
disso eu não sei mesmo

mas é que eu fui até onde deu 
depois não deu mais 
eu ainda fui e voltei 
não sei pra quê
ou seja onde 
mas estamos aí 
ou melhor 
ainda estou aqui 

domingo, 3 de novembro de 2019

tinha todas as respostas 
ou parte delas 
mas elas me fugiram 
agora eu só tenho o poema 
e essa vontade de acender a vida 
esse desejo de existência
eu que me apeguei ao mundo 
tenho apenas os poemas 

sábado, 2 de novembro de 2019

um poema como pó de dinamite, 
pedra de porcelanato, 
ladrilhos raros, lantejoulas de aço, 
punhos malemolentes, 
uma pegada e uma voltinha, 
um poema como eu te rendo, 
gosta como eu me chamo? 
um poema como teu chamado 
em meu nome teu poema chamativo, 
tão forte quanto o próprio 
o poema, o poema, o poema, 
como um mantra, sagrado, 
pela voz de tudo que existisse, 

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

fora de lugar nenhum

o princípio não fora o começo 
mas decidira que assim seria 
que deveríamos estabelecer 
que deveríamos findar 
eu disse simbora 
assim como quem tranca a porta 
determinada a não voltar 
e nem tão cedo voltaria 
mas que em algum momento 
nem que fosse pelo vidro 
retornaria àquele encontro 
era a certeza das voltas à chave 
era bonito o jeito de ir embora 
e decidira que algum lugar 
seria tão cômodo como voltar 
ou simplesmente ficar 
não sabíamos como chegamos ali 
era por isso que fora melhor dizer 
que tudo isso fora o fim 

terça-feira, 29 de outubro de 2019

olha

te vejo cavando esse buraco, 
corcunda, 
guardando uma mágoa 
que não é sua 
e de mais ninguém agora, 
seu desejo liberdade 
eu te vejo buscando os poemas 
diante deles você sorri 
como se o mundo 
fosse uma brincadeira 
sem gosto você entorta o rosto 
e queima por dentro, 
te vejo enfrentando 
o mundo só 
e se afastando 
até de si, 
te vejo abandonando 
o mesmo mundo
com os mesmos olhos 
que te vi amar 

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

flores

me sinto como aquela criança insegura 
de pavor nos olhos e de mãos buscando uma flor 
eu as acariciava e encostava o rosto no perfume 
eu amo as flores como a mim 
mas as vezes não fui delicada comigo 
eu me afetava como o mundo afeta as flores 
mas eu ainda me sinto aquela criança 
com o olhar apurado e com flores em busca das mãos 

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

a asa branca ressurgia 
os doces das vozes 
os gozos dos poetas
o meu gozo de poeta 
mela um poema 

sábado, 19 de outubro de 2019

meu coração de poesia
é como uma pluma 
numa tempestade 
"O todo parece, ao mesmo tempo, não ter sentido
e ser completo. Longe, longe de ti se desdobra a
história mundial, história mundial da tua alma".

Franz Kafka

o dia se debruça sobre nós 
secretos jovens carregam suas mochilas
uma criança corre na areia 
nós também parecemos acordar 
o dia e o café estão bons 
e tudo parece a calma do mundo 
imaginada em nossas mentes 
o absurdo parece que nos é corriqueiro 
e nossos corpos se adaptam ao calor 
avisamos que estamos acordados 
o dia e o café parecem avisos 
as crianças gritam e os cachorros 
não se contentam com coleiras 
a liberdade não tem nós 
não tem espaço neste mundo 
que nos possa caber 
mas tudo é tão grande 
que pode nos acordar 

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

no momento em que escrevia

em frente à barata ribeiro ou à rua que leva à barata eu me sinto com vontade de mar e me sento mensurada, um senhor com um carrinho nas mãos pergunta se eu sabia das notícias, disse que eu era inteligente, ou melhor que devia ser, e precisava saber que cairia um meteoro, disse que ninguém o escutava e eu disse que entendia, ainda mais com aquele barulho de maratona, pessoas correndo e o mar revoltado, ele parou alguns instantes para pensar em mais alguma coisa e seguiu com a notícia. eu decidi que iria tomar um chopp, atravessei o calçadão e perguntei no quiosque se poderia fumar, o rapaz me diz que melhor mesmo é parar e faz um gesto, eu sorrio como sempre, existem coisas que nos é nata, comigo é sorrir sem precisar de graça, eu me sento, o chopp chega e eu me sinto como o mar que deita na areia e some, começo a escrever sobre me sentir bem, disse que a tristeza reapareceria mas não naquele momento, 

poema

temo não acordar depois de dormir 
eu poderia ficar dias e dias dormindo 
e noites e noites acordada 
vivendo o meu sonho 
e tudo isso é muito bonito 
de olhos fechados 
eu enxergo o horizonte 
sinto as ondas me acalmando 
eu pedindo mais tranquilidade 
e todos em volta parecem dormir 
eu simplesmente acordo

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

te escrevo para que lembre

é muito estranho esse teu esquecimento 
parece que algumas coisas se apagam 
como se as cortinas fechassem 
e você fechasse os olhos de alívio 
é muito repentina essa tua espera 
e esse gesto de mover os dedos 
parece que você guarda
as memórias neles 

faca cega, fé amolada

é muito recente que te escreva um poema
a gente não esperava por isso 
assim como nada que nos acontecera 
o galo-das-trevas me encara 
eu torço por um sorriso 
e volto com uma margarida na bolsa 
você nos diz que somos muito jovens 
que a poesia nunca tinha sido leve 
não falava da minha (poesia)
mas sinto muito 
eu dizia da minha (poesia)
com insistência 
e nos despedimos não sei como 
e a vida acontece como surpresa 
eu prefiro que assim seja 
mesmo que tenhamos de fechar a conta 
e correr para a próxima viagem 

terça-feira, 15 de outubro de 2019

felizes dias

no dia dos professores 
eu desejo 
aos meus companheiros 
os devidos merecimentos 
pelo dia 
e são tantos 
dias de luta 
coletiva 
por uma causa justa - 
dar a oportunidade ao próximo
de exercer e conquistar a própria luta. 
o professor é o poema 
na vida do seu semelhante 
aparece e sem sentido 
vai fazendo sentido e dando-se
pela profissão
delicadeza e força
pela dedicação
i-n-t-e-g-r-a-l
o professor não descansa 
e poderia ser chamado de O incansável 
se fosse um super-herói 
e não um ser-humano, 
na realidade a gente sabe -
ou precisa saber 
que o profissional está cansado 
de não receber o seu devido cuidado 
o devido valor pelo seu trabalho.
e quando falamos sobre troca 
e sobre aprender 
é quando o professor 
é surpreendido 
e precisa ser surpreendente 
para lidar com o inesperado 
que -
nota-se 
ele precisa cuidar 
- muitas vezes sozinho -, 
e tudo isso não estava 
nos livros didáticos. 
pelas transformações 
que os ensinam a se recriar 
e por que nos ensinam a transformar 
e esse é o barato de ensinar: 
apreender. 
no entanto, 
o verdadeiro desejo 
quando me deparo 
com a realidade 
e os discursos 
dos profissionais
de ensino 
quando me vejo 
dentro dessa luta, 
é que entendam que ainda 
muitos precisam aprender 
que os heróis de um país 
não cairão do céu 
os heróis também 
são feitos 
de sabedoria 
e o seu poder de saber 
para que saibamos 
do nosso poder de revolucionar 
o meu desejo 
é que os professores 
possam comemorar 
não somente hoje 
e sim todos os dias. 
no dia dos professores 
eu desejo tudo de bom 
pelo dia, 
pela profissão, 
pela dedicação, 
pelo carinho, 
por cuidado, 
pela troca e por causa da entrega, 
pelos diversos acontecimentos
de surpresa que precisam lidar 
- muitas vezes sozinhos -, 
pelas transformações 
que os ensinam a se reformular 
e por que nos ensinam a elaborar  
no entanto, 
meu desejo 
quando me deparo 
com a realidade 
dos profissionais de ensino 
é que tenham condições 
para que exerçam o seu ofício 
e possam comemorar 
com tamanha alegria 
o fato com orgulho 
"Eu sou professor" 
não somente hoje e sim todos os dias.

segunda-feira, 14 de outubro de 2019

o professor é o eterno aluno

tudo o que fizemos são memórias

não me arrependo por não me desculpar
tudo o que fizemos são memórias
me desculpe por não voltar atrás
mas nem você e nem ninguém voltaria
e nos entendemos nessa parte
e não precisamos nos desculpar
para nós mesmos e para ninguém
tudo o que fizemos são memórias

Cólera

apaguei todas as palavras em que dizia ser meu diário de poemas
eu era poeta desde sempre
escrevo poemas como falo e respiro
durmo e bebo
as vezes as palavras são engolidas
e todo o relatório um teste de memória
aguardei todos os indícios nos olhos sobre os segredos do poema
eu me repito e as pessoas me olham estranhamente
os poemas são antídoto e veneno
e eu não posso negar que respiro novamente

sábado, 12 de outubro de 2019

Tânia

fui conferir a porta e de onde saíam os sons
era festa todos os dias
quantos parabéns faríamos?
cantava o coro
muitas felicidades
como se aquilo entrasse na alma
Tânia me pediu que fizesse um mantra
disse da força das palavras
e eu concordei
fechei os olhos e pediu que imaginasse um lugar
eu estava em uma praia deserta
na pedra de uma praia larga
eu podia ver o azul e as ondas
ela me perguntou do emaranhamento
e eu não soube responder ainda
eu disse que me sentia diferente
ela porquê
eu também me faço perguntas
e acredito em nossa energia
na força do mar imaginado por mim
e na areia das horas

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

eu não sei a razão
e talvez eu não esteja buscando
o intuito desse poema

um brinde à vida

tenho gostado
bem devagarinho
de olhar a vida
a minha vida
com o amor
que há em mim
é bem possível
que os outros
tenham me conhecido
sem tamanho amor
me ouvido dizer
da tristeza maior
sobre ela
eu falarei sempre
mas nesse instante
eu quero falar de amor
desse amor que eu guardei
para brindarmos

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

eu disse que faríamos um poema
e disse da curva do labirinto
o cheiro de terra e de fumo
o cheiro de acordar
os nossos vícios nós mesmos
Eu faço poema e respiro
eu quero falar sobre mágoas
eu quero escrever um romance
eu quero que o verme me coma
eu quero que a tempestade seja
eu quero tanto e pouco
eu quero escrever mais poemas
e quero beijá-los eternamente
a poesia eu quero beijá-la
eu quero beijos
e mais nada

sobre memórias do Boa Pinga

ela me dizia que dali não levaria nada
e continua a dizer que estavam distantes
que sentia a sua presença sem atenção
ele me dizia que compraria o meu livro
perguntou se eu conhecia o poeta
e o poeta estava de pé
eu disse dos pés à cabeça
e nós sorrimos e brindamos
eu fui para casa com meu ex
ele me levou até a escada
e eu pedi que pegasse um Uber
nós nos despedimos sem despedidas
enquanto eu ajeitava o cabelo
eu escrevia um poema
dali eu levaria o presente

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

graça

eu levo a sério os poetas
mas ainda acho graça
de tudo isso
assim me divirto
com os poemas e os poetas
eu fico descontraída
e posso descontar
minha linguagem
alguém há de buscar entender
e se não houver entendimento
ainda haverão os poetas
e a graça dos poemas

título de um poema

sei que não conseguiria
falar meu nome
em voz alta e ainda a vontade
assim como eu
em público você evitaria me olhar
enquanto fala e fuma
enquanto eu te olharia nos olhos
enquanto falo e fumo
decido não ser invasiva e desvio
a conversa e o olhar
você entraria como antes
em algum lugar
que não estivesse trancado
você trancaria as portas
eu abriria a janela e calcularia
o tamanho do voô
você faria uma música
sobre despedida 
seria o mais perto
que chegaria do meu nome

estrondo

mesmo
que o poema breve
te conte sobre a vontade
e sobre o olho do vulcão
ainda seríamos insanos
ainda nada
seria bastante
e eu insisto novamente
mais uma vez
é como se falássemos
o tempo todo
e esse silêncio
esse silêncio estrondoso
ainda será breve

domingo, 6 de outubro de 2019

Os poetas são os malditos

poderia repetir de novo e não precisaria dizer mais nada

talvez tenha ficado
um pouco arrogante
e a minha fala mais polida
talvez eu devesse escrever
o melhor poema
eu insisto nisso
eu vivo para escrever
um poema que me bastasse
que me fizesse repetir
eu elaboro o poema
eu enfeito de palavras os poemas
e talvez eu tenha ficado mais robusta
e a minha voz um tom afiado 
eu falo e as pessoas pedem que eu repita

sexta-feira, 4 de outubro de 2019

memórias

falo
por nós
como se fôssemos
aqueles que descendem

dos astros
as sutis estrelas amareladas

a natureza
nos assombra
e nos arrasta
para além das aparências

descobrimos
cobrir com as pestanas

nossos corpos em febre e tirania

descrevo
teu rosto
sem exatidão

revelo
esse espelho vulto
assume que somos os filhos amados

nossa boca
uma cor amarga
nossa sinfonia
de dar dó o silêncio

ainda podemos correr sem os pés

pertencemos
às vontades
alheias

sobrevivemos
e ainda vivos
mortos

dentro de papéis guardados

terça-feira, 1 de outubro de 2019

o amor bate é na porta

se não for o amor
eu não sei o que poderia
te salvar desse medo
é que a vontade de enfrentar
o amor é aquela grandeza
que tanto espera
mas acho que ficou tanto tempo
sentado em um quarto abafado
que duvida da força das pernas
e que lá fora a vida corre
aqui dentro o coração
têm escolhido
se vale a pena bater
mas à sua porta ele levanta
e veste a roupa mais descolada
e você não atende
você fechou até os ouvidos

profeta

pediu que me aproximasse
mantinha os olhos apertados
e me disse coisas bonitas
cuspia no meu rosto
enquanto profetava minha vida
acho que vi seu sorriso
no meio da fala
porque sempre riem da minha
mas eu penso que é a felicidade
que eu tanto procuro
perguntou se eu era curiosa
e que a isso chamava inteligência
que me curaria através dos livros
que eu tinha o espírito de artista
e me tirou a dor das amígdalas
com as mãos e a esperança
apertou as minhas
e achei que não soltaria
não queria que soltasse
pois me sentia livre em suas mãos
eu fui embora com uma flor
e me despedi dos quadros na parede
ainda tenho o cheiro de sua boca
me dizendo coisas bonitas
ainda tenho as coisas bonitas
nas mãos e nos poemas


o eco da voz ultrapassa concretos

o telefone fora atendido na escadaria do prédio em forma de castelo
estava sussurrando que amava os pormenores
e o tom que dava o suor na fotografia
brilhava como se a estrela estivesse ao chão
sentia vontade de ficar e ferver um miojo
mijar a vontade e tomar banho depois do vazo
sentia que havia passado da hora a muito tempo
sentia que o tempo havia sido irrelevante dada a grandeza do tempo
dada a gigantesca imagem que criamos
as águas e teus vestígios se encontrarão
agora é domingo de manhã eu diria
e tudo se renovaria um novo século

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

venham sentir o milagre acontecer

o dia acorda enveludada lua de cortina plácida, talvez tenha esquecido de dormir,
talvez o ácido das balas comestíveis tenham socado bocas, e retalhado a curva do corpo das pessoas,
nessa revolução a manhã inacreditada por um milagre aparece, os olhos com brilho das constelações são os cintilantes da terra acesa,
os ferros são cada vez mais moles, os arbustos tristes, e a felicidade na boca da criança que ainda chora,
hoje a gente escolheu sorrir, a poeira levanta, o milagre acontece mais uma vez

o que mais poderia te dizer
poderia sair e simplesmente deixar
desde então nos desconheceríamos
e quanto a isso eu não vejo problema
a gente poderia se conhecer de novo
ou simplesmente entender
que a gente é como é
e deixa pra lá
o que mais eu poderia dizer

domingo, 29 de setembro de 2019

felicidade

hoje voltei às mensagens
li a parte em que me dizia de um sonho
o sonho que ela teve conosco
depois você sumiu
eu lembro da gente de frente à cristo
de mãos dadas
e dando um beijo
a gente se cuidava
e via o mundo nos olhando assustadas
nós nos encontramos mais vezes
mas foram poucas e imensas
quando eu me despedi primeiro
lembro do desespero
é difícil acordar no dia seguinte
mas nós conseguimos

vim a ti

era um museu de novas novidades
era isso que faria
estava na literatura
tocava e analisava os rabiscos
o poeta dizia sobre si
e os labirintos
repetia os gestos
como se saltasse a cavalos
cada milímetro de palavra
contada e estreita
o sorriso do poeta
era um anúncio da poesia

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

vamos fugir

a fama e a poesia na minha boca
e mais algumas coisas
que eu fiquei de contar
me instigo com as imagens
sou capaz de narrá-las distraída
cada aceno dado é como se me
despedisse da partida
é nessa hora em que a vida pisca
teus olhos dentro do carro
eu à toda por hora

nesses instantes a vida é capaz de ser contada

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

paixão

lembro quando o poeta me dizia
que muitos se apaixonariam por mim
acho que ele dizia de mim
que eu me apaixonaria muitas vezes
eu sorri como de costume
e achei que ele estava apaixonado por mim
enquanto eu me apaixonava por outro poema

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

mel

gostaria do cheiro docinho
das primaveras respirando
por debaixo das pernas
seu beijo profundamente viscoso
desse choro eu molho cidades
a minha se alagou
e durante dias ficamos debruçados
a vida é uma aventura
eu pego meu rumo
gostaria de uma parada
no meio da estória
faríamos disso uma vida paralela

terça-feira, 24 de setembro de 2019

simplesmente

meu jeito é simples de dizer
mas ao lado do mundo
as palavras são como sonhos
e eu as imagino
criei uma linguagem
e acho que a gente se comunica
é que eu tenho um jeito simples de dizer
que eu acho que a gente tem tato

volto à você

dessa vez eu comecei pelo título
bem sabe então que me refiro a voltar
e não apenas no tempo, na memória,
no espasmo, eu volto à você

é preciso que saiba que quando desço a ladeira
eu também volto à você
mas eu até me espanto do quanto que me esqueço
eu lembro de você quando subo a ladeira

mas eu volto à você porque você existe
em algum lugar e aqui
onde estejas você está
então eu sempre volto à você até em mim

e pode parecer efêmero dizer que o nome da rua
se chame fonte da saudade
e que a praça da rua é onde eu ia brincar
eu lembro de nós dois nos despedindo

volto à você por estar sozinho
e nós sempre estivemos
volto ao sentimento que surge em mim
é nesse momento em que você está aqui

sinto muito novamente

eu seria muito boba
ou muito sórdida
se não me expressasse

analisamos os modos
e todos ultrajantes
a poesia dizia de uma linguagem
comunicada pelos sensíveis
eu sou da sensibilidade

lembrei de quando a gente se comia
com o olhar daquela noite
com os olhos

mas me perguntaram se eu estava contente
disso eu já contei
mas é preciso que me repita
e eu seria muito louca
se não respondesse com um sorriso

estamos agora sorrindo
mesmo que a graça não esteja presente
mas a gente sorri
e eu gemo sozinha

e fazemos outras coisas também
voltando a mim
eu gosto de falar
em geral isso é também sozinha
e as pessoas se espantam
quando me vêem calada

eu gosto de ficar em silêncio também
e de escrever sem que me preocupe
gosto de ser lida
e que a minha linguagem
seja permitida à tradução

só não me pergunte o porquê
eu poderia te dar tantas respostas
mas tenho preferido não me apegar
àquilo que não procuro

e eu me despeço
com um sorriso
e novamente sinto muito

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

o tiro têm vindo de cima

são vazios 
pela manhã
os abandonos,
não que a praça
esteja sem vida
mas as crianças
não querem mais correr,
correr para onde, pai?

aqui de baixo
onde o inferno
é mais perto
o atormento
dos helicopteros;
você também ouve
de perto
vindo de cima
dizer com
dedo apontado
pra cima é castigo,
"pai o que eu fiz
para acordar com barulho
de tiro?"
meu aluno me perguntou
se eu queria um filho

o silêncio apavorado
da cidade aperreada,
amordaçada,
silenciada
o barulho é de metal
pólvora e boca cheia de formiga,
se protestarmos a chance
é de levar paulada,
ou de sair da pista,
ou de sumir sem pistas

a demora do trânsito,
da ambulância
e do socorro,
mas o povo no choro
"me ajuda!"
criaram a culpa e
nos têm colocado a culpa,
nos fizeram assumir
a culpa,
e querem nos punir
nos querem culpar
por existir

mas o povo não deixa
de ter alegria,
ora pela segurança divina,
a tristeza esquece
e dá bom dia,
mais um dia,
mais um dia,
fecha os olhos
mais uma vez
o tiro vem de cima

acorda

dirão que estás aos pedaços, apontarão a teu corpo dizendo que se arrasta,
que tua postura é bamba e que te derrubariam com um sopro,
(sempre pelas costas)
contarão vitórias alengando tuas derrotas, e dos teus prazeres gozarão se fizerem doer a ti,
assim que acreditar que estás perdido, e que os olhos estão vendados, apontarão o precipício,
dirão que lá é o lugar seguro para pessoas como tu,
só não serão capazes de enfrentar teus olhos quando acordar

domingo, 22 de setembro de 2019

quantos sorrisos?

existe bala perdida?
não existe bala perdida
não existe isso de não ter responsabilidade,
não existe isso
bala é bala
doce é doce
e não tem ninguém rindo
acabou a graça
a lágrima de uma criança
não é brinquedo

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

cuide não esquecer quando acordar

na infância amava suave
as flores luminárias nos jardins
sentia o verde do mato pinicando

e sentia a segurança das ondas
sendo arrastada dentro de um sonho
ainda é cedo para nos desperdiçarmos

descemos as escadas
do edifício de mármore comercial
o meu amor desesperado não tem medo
de esperar que acorde a qualquer hora
aguarda e recita poemas gravados

o meu amor é preciso e eu fico suave
assim como se não o conhecesse
como se eu ainda fosse aquela criança

terça-feira, 13 de maio de 2014


O sol permanece mais esperançoso do que eu


Escrevo pensando em você

O dia cheirava a jasmins, ambulantes e à tragédia, só o sol parecia feliz. A luz opaca dos olhos sonâmbulos dele sussurraram a lentidão do outono, olhos cor de hortelã, ardentes e tristes. O ônibus do metrô chegou mais cedo e o pegou para bagunçar a minha vida, eu inventei uma paixão pelo carteiro que nem sequer sabe da minha insanidade. Eu inventei o nosso amor tão bruscamente, em uma quarta-feira transbordada de rotina, porque a solidão é mais pesada do que mil cartas de despedidas. Comprei alguns cigarros e o senti ser tragado pela minha guerra, pelo meu cansaço. Afogo os olhos por um choro oceânico e desejo muito mais do que antes colocar os pés sobre o mar da praia mais próxima. Carteiro, eu gosto muito desse sol risonho que me ri, mas acontece que a noite sabe me degolar sabe ocultar o vazio já descrito no meu rosto entardecido. Longos segundos até o maldito semáforo anunciar a nossa despedida, não tive tempo de contar como mudou o resto do meu dia porque já estava perdida no labirinto daquela barba tímida. Eu só teria alguns versos e a lembrança daquela partida prematura a oferecê-lo. Voltei para casa depois da aula de literatura e sentei na varanda do meu prédio tedioso, tomei um copo de leite da cor da pele de textura pura dele e as minhas lágrimas salgaram a bebida. Desde quarta-feira da semana retrasada que não saio da varanda, ela está posicionada em frente aos correios, tem dias em que a minha esperança de vê-lo por alguns segundos é mais forte do que o sol de meio-dia. 

Não sei seu sobrenome ou se enlouqueci

       Gyzelle Góes

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

não sei se ainda me lê

não sei se ainda me lê
mas você deixou de percorrer
as palavras que te dizia
para decifrar silêncios em ti
nesse assunto a gente ficou sem
tanta coisa se deixa passar
enquanto o bonde também passa
e o dia tem se arrastado
dentro dos sonhos que a gente acorda
não sei se ainda me lê
enquanto tudo vira distração
enquanto as palavras voam
e nossas asas temporais
viro as curvas
e piloto o meu coração
disso eu falo sem que me distraia
e mudo de assunto
as canções são muito íntimas
e a cama nossa amante
sequer somos nossos
mas enquanto isso somos
e isso é muito íntimo
é talvez por isso pergunto
se ainda me quer ler

jogo de perguntas sem respostas

quem sabe a gente se esbarre
você com os amigos
e eu com amante debaixo do braço
talvez a gente se desconheça
e a cerveja venha quente
o dia estaria de muita ventania
o que me leva ali
nós nos perguntaríamos
assim como vai você
talvez a gente soubesse quem fôssemos
mas eu não saberia dizer
outra coisa se não poemas
vocês diriam quem é?

por onde poderíamos começar?

digamos admitirmos
que não seja simples
tanto a dizer
e a sentir
e a tanta coisa
e as palavras
não alcançam
já falamos sobre isso
muitas vezes
[e o começo nunca se sabe

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

vivo-morto

Vivo-Morto

mas é que eu não sabia por onde começar
então eu começava a dizer de poesia,
eu algumas vezes apaguei,
não o poema,
algumas memórias

ou foram apagadas,
disso eu realmente não lembro

foi do palco que ele apontou,
falou do céu e da primavera,
eu dancei e cantei
e me delicio com o mundo

gosto de ver as caras,
ando despreocupada as vezes
penso que estou tranquila
e convivo comigo mesma

gosto da imaginação das mulheres,
das mulheres,
do mundo
e toda a natureza

eu fervo o café e a manhã está ardendo,
algumas nuvens enfeitam as montanhas,
alguns lugares existem dentro de nós,
a gente nunca partiu

agora os músculos ficam mais relaxados,
embora a tensão,
vivo-morto,
um pouco se vive e se morre um pouco

domingo, 15 de setembro de 2019

o poema se alonga sobre nós

eu descubro através do poema
algum modo de me expor ao mundo
com a delicadeza e a precisão
de que amo e da infinitude do poema
em todas as coisas,
depois descobri que escrever
era um gozo
eu fui sensualizando
as palavras e me descobrindo,
através do poema eu me alongo
e não preciso ser parada
nem que me peçam para recitar
mais alto ou cantar mais baixo,
eu te falo pelo olhar coisas que
eu nunca falei
e que porventura quiçá nem tivessem
atravessado a minha cabeça,
a imaginação é muito fértil,
deveríamos semear as flores e
trocar o disco,
tem vezes que o silêncio é agudo
e a cor dos meus sonhos sob os olhos
transmitem ideias e lembranças,
eu pediria cuidado você não precisa
criar convicções sobre qualquer pessoa,
sobre eu estou me descobrindo,
o poema se alonga sobre nós

Escatotélica

Acho que vou cagar 

Ou ter um filho 


Vomitar o baço 


Escorrer pelos cantos 


Tremer e gemer 


A noite inteira 


Espremendo uma espinha 


Sentada no vaso 


Acho que vou sumir 


A qualquer instante 


Mais líquido sai de mim 


Acho que vou sair pela porta 


Sem bater 


Eu não quero acordar as pessoas 


Eu não queria acordar 


Acho que vou dormir 


terça-feira, 10 de setembro de 2019

volto à você

volto à nós 
como quem um dia nunca tivesse movido a língua,
de terno amadeirado
cabelo de corte curto
e curtindo os elogios dos apreciadores
da arte,
é verdade que eu dormi no ponto
fiz da cena uma brincadeira
tive vontade de te dar uns foras
e acabei saindo pela janela,
é que hoje estou viva e te conto
que fomos descuidadas,
a gente provando o sabor amar
e tentando achar alguma coisa
além de nós,
eu acho que foi aí que a gente
se desentendeu,
a gente quis saber que gosto era esse
que dava sensações à boca
e nessa paralisação o silêncio,
tão insosso
deu a gente o desgosto,
mas eu ainda gosto de voltar 
e de você

Cosmos

senti vontade de te escrever um poema imenso

não sei por onde começamos


se por acaso essa vontade não seja

por capricho nosso do passado


eu teria de me alongar até onde nós

nos falamos pela primeira vez


certamente me lembro de que não

parávamos de nos falar


dizemos de nós mesmas

o tempo que fosse preciso


tudo poderia acabar

se nós continuássemos


depois a nossa linguagem foi se modificando

é natural que com o tempo isso acontecesse


eu não estranho a forma

fomos tomando


muitas coisas ainda precisam ser descritas

muitas dessas ficam para trás e parecem bagagem


deveríamos deixar que ficassem

?


muitas são como papéis arquivados
em nossos cosmos

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

me sinto ansiosa o tempo todo,
lembro da época do colégio
que eu corria pelo pátio inteiro,
gostava de correr e de gritar,
gostava de sorrir bem alto
às vezes eu incomodo
às vezes preencho
às vezes só
às vezes sei lá
lembro das vezes em que eu assumia a culpa
e brincava de viver
às vezes eu dançava o dia inteiro
às vezes eu tinha de escrever

Gal

https://www.youtube.com/watch?v=0VkT_qOyYmg&list=RDrngznxG0H1k&index=7

se estou tão cansada?
digo quem sabe
oh minha grande obsessão
eu acredito em você
às ruas vou descendo
e pelas ruas
tomo um gole do drink
e não preciso de dinheiro
meu bem
quando entenderiam
que você me mantém viva
como buscariam entender?

narrativa

eu vou te atender
mas logo vou descer
as escadas rolantes
e acender este cigarro,
podemos ser breves
ou nos alongar por dias,
tragaríamos despreocupados
a conversa sobre alguma história,
nos interessaríamos por algumas capas
e entraríamos em alguma questão
que será inquietante ao mundo
e a nós mesmos,
dali por adiante
fazemos parte
da narrativa

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

talvez seja por isso
essa vontade infinitamente
indescritivista, esse som
pássaros penudos e queda d'água,
e esse apuro erguer a palavra
la palabra indiscreta
o gestual da língua molhada
essa água toda e esse som conforto
talvez seja por isso
e mais e até
nem foi preciso que abrisse
as páginas
mas a capa eu comi com os olhos,
amei com as mãos,
é um sonho viver dentro deles
em absoluta redenção,
curiosidade e abrigo,
os livros me devoraram

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

não somos apenas quem somos

teu descanso incontrolável
e o túmulo das heroínas
descampadas as minúsculas 
erguidas na delicadeza das flores
tu contempla só de cheiro
ao passar teu rosto erguido
miragem busto rebuscado
se amou foi solidão da palavra
e de gesto o amor te pisa e te afaga
assim soariam a teus ouvidos atentos
mensagens de maresia e concha
primavera calculada à desordem
caberia teu sopro e as lamentações
finda tarde quando recordar
o tempo e a ventania esqueceu de mover
teus cabelos escovados com rancor
é que o passado ainda retorna
como um filme programação remota
e os teus olhos de atenção ilustre
embaçadas transtornadas projeções
não somos apenas quem somos

terça-feira, 3 de setembro de 2019

caverna

sentia como se as luzes
dos túneis acendessem de meus olhos
caídos e claustofóbicos,
ansiosa pelo breu
ainda das estrelas
achara encontrar o fim
a luz e os contornos
da vida lá dentro do caminho,
e as flores do mal
a redoma de cristal,
exposta às luzes às heras,
revelaria escondida meu rosto
retratado aos olhos fechados,
diriam Ainda dormes
e eu digo novamente do sonho,
dessa preguiça de prosseguir
e mais algumas coisas
que são ditas soturnas,
apalpada pelos ecos
da caverna mitólogica
possivelmente dentro de mim

sábado, 31 de agosto de 2019

cuidado

isso não é um poema de amor
mas diria bonitezas
e beijaria tuas cicatrizes
iria ao sol da manhã à tarde
e aplaudiria o sol e tu
devagar a gente recita um poema
pela noite ou madrugada
ou nesse entrelugar
que não diríamos ser um poema
(de amor)
e eu nem sei se te amo
ontem ou hoje
mas beijaria tuas cicatrizes
a isso eu chamo de cuidado

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

longamente

costumávamos nos alongar
as roupas saíam do varal, do armário e o corpo,
mais precisamente estávamos nus de corpo e alma
eu recitava poemas
assim como a natureza venta
e naturalmente me lembro de ir à sacada
me despedir com um beijo
esquentar a sopa e tentar dormir,
nessa hora eu contaria sobre
o sonho que tive
mas escrevo um poema
e me alongo em cima da cama

sexta-feira, 23 de agosto de 2019

aquela barra que é gostar de você

lá estava eu nua na sua
pegando o bus da madruga
voce me levando pra outro bar
o seu copo cheio
a boca da garrafa entre os dedos
quantas bocas!
minha boca aguardente
e vazia de palavras
tô fodida eu dizia
mas é que o vômito saía
você não entendia
e até agora não entende
e nem eu quero que entenda
é que "gostar" é tipo enfrentar a barra
de patinete da rappi
e olha que eu gosto de patinetes

sonhos

desligue tudo a sua volta, deite, tente esquecer o mundo, até de você mesmo, e assim tente esquecer qualquer dor. nesse instante você sentirá um vazio absoluto. nesse estado absurdo você pode lembrar de um sonho, ou imaginá-lo, se chegar a um pesadelo, lembre-se de que você está acordado. você pode dormir e apagar. você pode escrever um poema. você pode sorrir. você pode vagar. você existe e isso é um sonho onde vivemos acordados.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

o mundo acordar

nesse mundo onde colhemos jabuticabas 
durante a partida, ousariam os ventos apartar 
o tempo destilado em teu sorriso balançando 
entre as arvores, teu desejo de jogar pipa 
e comer feijão amassado, teus dentes carnívoros 
e tuas palavras feito brinquedos,
teu sorriso repousa no leito dos beiços 
acordados pro mundo, teu gesto corroído de segredos 
são fáceis perto da poesia, percorro a memória 
exaltada pela tua fala corriqueira
esquento um novo café pela manhã 
e te assisto acordar junto ao mundo

as falas se esquecem e ouço o apitar do tempo 
ressaltado no bafo de um longo sono
assisto o dia fazendo hora e os sonhos atentos 
à realidade de assistir teu ronco mais uma vez 

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

eu só queria dormir

as vezes me autosaboto, suspiro, paro para ver os riscados, e subo os degraus, o número quatro é tão equilibrado, e eu nem sei o que queria dizer, mas é que sabe aquele sentimento de poesia? me disseram que eu estava mecânica, e que meus gestos eram estranhos, que eu sorria demais, e que eu chorava muito, as vezes eu me alucino, e pisco os olhos, sorrio, e pretendo deitar, olho para os lados e o mundo me parece pequeno

fim

estive pensando em fazer poesia
me disseram sobre as narrativas
eu as narrava em tom de poesia
e cantava nas horas vagas
e nas horas loucas as vezes calava
as vezes sorria
assim como sempre fazia
o gesto de sorrir soavam os poemas
que soltos no mundo
percorriam a boca
o gesto de mundo é sorrir
assim como corre aquele riacho
que a fez erguer os olhos
e sacudir o mundo
estive pensando em muitas coisas além
e eu encaro o poema

terça-feira, 20 de agosto de 2019

alerta

estão queimando tudo
nossos arquivos
nossos filhos, irmãos
os corpos,
estão queimando a última mata,
o primeiro museu,
a canção mais tocada
estão queimando de olhos fechados,
atados de tochas
e dedos apontados
estão tentando queimar
nosso passado,
presente
e querem queimar o futuro
estão queimando quase tudo

terça-feira, 13 de agosto de 2019

livreira

me disse que era lindo o modo como movia minha vida, e eu fui concordando, fui logo dizendo que era meu jeito de funcionar, dali ela perguntou se eu namorava, eu disse que não, e aqueles garotos? ela me perguntou, depois contou a quem assistia da história do cigarro, disse pra mim no canto que só depois de unzinho, fez um gesto disfarçado e eu sorria enquanto assinava o livro dizendo que a amava, disse que eu trouxesse os livros, que mandasse e-mail para a editora, que organizasse as prateleiras, eu continuei sorrindo e disse que enviaria, ela foi sumiu e depois foi embora, depois dos olhos cruzados mais sorrisos, ela sai e eu sorrio mais.

domingo, 11 de agosto de 2019

Romance

tenho alucinação pelos romances
parece que eu vivi todos
e ainda pronta para todos
disponível a todos
me sinto o próprio romantismo
e tudo que eu havia lido
eram ensaios do meu próprio livro

a tosse o amor e o disfarce


tantos poemas eu fiz
e ainda hei
permaneço solidão das palavras
e são tantos poemas

lá está outro poema

deito curada
os olhos continuam ver poemas
e faço mais
durmo menos

antes as horas me diziam as idades
agora o tempo da pedra
enrijece meus tornozelos

a tosse não posso mais disfarçar
ainda que pudesse
o amor nunca disse
que poderia ser simples

mas fazer poesia
assim como o amor
não poderia ser disfarçado

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

despedidas

o acordo era acordarmos o dia
e cada estrela daquela noite
piscaria viva dentro daqueles olhos
sabia que teria de ir
mas quando me dei conta
era tarde demais para ficar
e tive de ir mesmo assim
muito cedo
as vezes a gente pede para sofrer
de um jeito determinado
visto que sofrer já iríamos
as vezes a conversa se estende
e o café acaba de novo
fechamos as janelas
abrimos o apetite
vão se embora as ilusões 
entra o barulho da máquina
é apenas mais uma cama quebrada
sozinha no canto do quarto
enquanto a gente se enrola
assistindo ao filme do sonho
percebo teu sono
percorro teu rosto
melo tuas roupas
escuto tua banda
e me despeço sem rancor

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

desaparecido

era agora o momento
que eu mais temia
e mais rápido
do que pudera prever

eu te escrevo como quem se despede

é esse o meu modo
de tirar você da cabeça
e colocar no verso

assim eu me interesso

pelo poema
que te dizia adeus
com a delicadeza
de um fantasma

eu gostaria de propor um brinde
passei o café e esquentei a massa
tudo aqui dentro é universo
e eu refaço o currículo
especifico que te quero pela manhã
e dentro dos livros
eu compro absorventes
e remédio para dor
me preparo para o sangue
e para existir
nem sempre é preciso fazer sentido
mas a gente nunca deixa de sentir

o inverno ainda dura

declarou o amor no sopro
daqueles bons de botar pra fora
de boca em boca 
até chegar à minha
um hit do inverno
que durou menos do que o inverno

algum refrão buscava ritmo
ou a batida soava despercebida
pegou as mãos e disse adeus
sem levantar um dedo
creio que orava para não
ser mais solitário do que seríamos
se já não fossemos dormir mais cedo

esquecer o dia é mais simples
do que um amor imaginado
nosso amor soara
tão nítido quanto estrelas
em dias nublados

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Lançamento do livro
Amante
Editora Urutau
Dia 03/08
Gyzelle Almeida de Araújo Góes

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

é rápido como amor escapa de nossos rostos

é rápido como o amor escapa
de nossos rostos
o jeito como você diz que prefere
se afastar
como quem diz que ganhou
na loteria
ou se prepara pra morte
eu fico sem saber o que dizer
porque eu acho que nós
encaixamos as bocas
sem precisão das despedidas
você diz que não sabe se me quer
de que modo e quando
e eu queria ter certeza
de que posso segurar sua mão
enquanto você vai ao trabalho
e eu volto a dormir
de que esse sonho de acordar
a sua sombra alardeada pelos
seus lençóis
não irá se esvair dos nossos corpos
quando acordarmos

sábado, 27 de julho de 2019

Anne Sexton já dizia: O amor e a tosse não podem ser disfarçados, Nem mesmo a pequena tosse. Nem mesmo o pequeno amor.*

procurei por poemas de amor
tenho feito isso pela vida
tenho sido displicente
mas é que tenho
tenho vivido esse poema
então o coração diz coisas
?

é leve e tão dormente
que quase me sinto lúcida
que quase me sinto com os pés quentes
é como som de penas
ao pé do ouvido e sinto saudade
de sorrir não tão somente,
acompanhada de teu vôo
componho poemas de amor

sexta-feira, 26 de julho de 2019

não temerei as interpretações

a imagem do gato fica a roçar a cabeça à noite, pego a coca no freezer e acho que vai explodir, bebo espuma e sinto que o mar entra com ressaca nesses versos, diria que sinto falta se não fosse presente esse estado de estar profunda
dialogo melhor comigo porque eu me sento e tiro um tempo para me ouvir, em maior parte dos casos eu fico calada e isso é linguagem que eu dialogo com os outros
e quando deito sinto que é porque esse estar profunda me dá náuseas
queira que explique que essa náusea é indiferente ao que se passa fora das pálpebras, me toma e eu sinto que dormir me alivia das turbulências da vida
queira que eu explique que a vida me dá cansaço de explicar já que a mim basta que fique em silêncio

boa noite

sentia uma vontade de choro
e sorria como numa brincadeira de viver
e as certezas no caos
as ideias pulsando crânio
sentia pulso nos olhos
e me maravilhava em assistir a tudo

as lotações lotadaças
você bem sabe que agora
eu já não sei mais o que escrever
ainda que cheia de tudo
feito as lotações lotadíssimas

é que eu não conseguiria entender
a letra daquela música que você gritou
e esse suspirar alongado e permanente
as palavras são como sons de relógio
brilhando sob nossos sorrisos

me despeço com carinho
e gostaria de assistir seu rosto
cafeína pelas manhãs de todo dia
gostaria de chegar mais cedo
para não me despedir tão rápido

quinta-feira, 25 de julho de 2019

A grandiosidade de um poema de amor

Meu amor é grandioso
é belo é sublime é amor
é amor é amor
eu grito é amor
eu sou
Amor
meu amor é tão amado
que ama o amor
com amor
Meu amor
é grandioso e amado
e se ama como se ama amar
por amor faz amante
e de amor eu te amo

terça-feira, 23 de julho de 2019

anúncio

que acendam todas as luzes da cidade
sussurros ecoarão pelos buracos
o fogo de nós irá arder as camas
os nossos olhos espelho de um lugar lindo dentro da gente
é que quando as maçãs caírem, nós seremos o paraíso
as buzinas tocarão para que prossiga nosso baião, e os dedos serão confundidos com cordas
nós seremos tão felizes que será possível tocá-la como fruta madura exposta
será possível entrar em todos os cantos e a sintonia nosso convite
nosso baile; nossa luminosidade
irá acordar toda a cidade

segunda-feira, 22 de julho de 2019


Estou aqui, 
Atravessada por esse rio de perguntas, 
e eu me sinto um corpo, 
você me perguntou do tecido, da vertigem de olhar de cima e sentir imenso e mais sobre o vazio, 
disso eu posso dizer que sinto imensa vastidão de vertigem vazio,
é que eu to encostada à cama, e a noite está raiando, 
Ainda estou aqui, 
e me pergunto quando não 
As palavras são nossos lugares, é ali dentro 
Coração 
Vertigem,
Novamente caio no abismo das emoções 
A noite está raiando no peito, 
Reconheço lugares onde habitei no próprio corpo, eu sou o corpo, e estou me abrindo
Eu vejo os coloridos jardins, 
Essa vontade de não acompanhar o tempo também, 
E antigas vontades de poema que escorre dos nossos lábios,
Desse jeito a gente vai se acompanhando,
Parando para reler, 


O corpo