quarta-feira, 18 de junho de 2014

Lascívia

Lamentar o inferno dos teus ombros
Seria revelar-me devota
Ou culpada por esse desejo infinito? 

A primavera açoitou o divino
Que dizíamos ser nosso
A tempestade de tuas pestanas
É infalível no mundo

Questiono-me se teus olhos zangados
Já não decoraram as cores da terra
E temo nossa despedida
Como a prisão teme uma criança

Devo insistir a perguntar quanto à certeza da tragédia
Ter se tornado o enredo desse nosso drama?
Não sou a Julieta de Shakespeare
Mas morro pela morte do amor de quem não ama  

3 comentários:

  1. Bom dia Gyzelle.. neste teatro chamado vida.. nem sempre vamos assistir só comédias.. as tragédias se fazem sempre presentes como o amor que bate a porta mas nunca quer entrar para ficar.. abraços poetisa

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  2. Há algo único no amor como um rito, geralmente nesses compêndios e tomos antropológicos, no estudo comparativo de sociedades arcaicas ou modernas, lá está, fadado, os ritos de passagem, suas celebrações e sepulcros - mas o amor nunca passa, não sabe passar e, obsessivo, não quer saber que passe... essa insistência, a sua, a minha a do fulano que virá depois, até mesmo aquele, crítico e impassível que pensa ter adormecido; as paixões nos quebram o discurso que ontem parecia intacto e nem me parece uma mero repetir de nossas idéias e ventas, mas o próprio corpo adaptado, suando, em tremo, exalando aromas e salivas, desesperados e ansiosos para que nossos corpos se esbarrem em qualquer forma de contato para validar e, talvez, aprender a passar. O amor perturba
    o espaço e o tempo, confunde o sábio em seu exílio, esse conforto que é olhar tudo isto e aparentar solidão, que na verdade é o mundo inteiro.

    "Lamentar o inferno dos seus ombros / Seria revelar-me devota?" gosto da palava devoção porque não precisamos enunciar qualquer religião ou mito e nos leva, necessariamente a uma cumplicidade, uma dor e uma culpa que é feita de espera - esse outro enigmático que desdenha de nós em nossos espelhos...

    um abraço

    Carlos Drummond de Andrade - O Padre, A Moça [excerto]

    O padre furtou a moça, fugiu...
    e a moça vai dentro dele, é reza de padre.
    [...]
    ai que não ousamos
    contra vossos mistérios
    debater
    ai que de todo não sentimos
    contra vosso pecado
    o fecundo terror da religião.
    [...]
    o padre sabe
    o que não sabemos nunca, o padre esgota
    o amor humano.
    [...]
    Há um solene torpor no tempo morto,
    e, para além do pecado,
    uma zona em que o ato é duramente
    ato.
    [...]
    Por que Deus se diverte castigando?
    Por que degrada o amor sem destruí-lo?
    [...]
    a mão descobre
    o dormir de moça misturado
    ao dormir de padre.
    E já sem rumo prosseguem
    na descrença de pousar,
    clandestinos de navio
    que deitou âncora no ar
    [...]
    O amor se vinga, consome-os
    [...]
    E de tanto fugir já fogem não dos outros
    mas de sua mesma fuga a distraí-los.
    Para mais longe, aonde não chegue
    a ambição de chegar:
    área vazia
    no espaço vazio.

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  3. Temos este azar de amar ou nos apaixonar por quem não está disposto pelo mesmo. Contudo, temos sorte por tudo ser passageiro, então vem o azul e nos tira dessa escuridão. E quando o azul se desbotar, virão outros tons de cores. milhares. bilhões e bilhões.

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