quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Chico rimador

Francisco queria saber viver,
conhecido por Chico
por poucos, pois poucos o conheciam.

Chico trabalhou por toda vida
Sem receber méritos
Ou dinheiro que sobrasse.

Aos quarenta Chico soube da moléstia,
com seu salário bagatela,
não podia curar-se.

Levantava antes de acordar,
não tinha sossego
vida de trabalhador.

Filho ele não tinha
mulher não tinha
era um sem-família.

A música que ouvia era ócio noturno,
sua história de vida
é menor que essa poesia.

Casa de Chico só tinha um quarto
nesse quarto nada cabia,
não cabia sua exacerbada agonia

Chico era remador
remava todos os dias,
só assim aliviava a própria melancolia

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Migalha de alma

Esse é nosso fim, meu amado
Vamos desmascarar a descartável felicidade
Que insiste em nos destroçar gentilmente
Vagarosamente 

Você vicia e enche meu copo de agonia
Enlaço a verdade orgânica no pescoço
E vejo seu gozo com exaustão 

Essa é a minha despedida
Saio com a coluna vertebral inflamada
Sua roupa deixei engomada
Levo na bagagem as dores dessa farsa
Junto aos trapos e lâminas que a mim você ofertou 

Esse é o cínico desfecho de um amor

Acaba a valentia de tu, homem!
Sua mulher hoje foi embora
E você,
valente! Chora.

À calmaria da minha paixão
Sem vinganças a ti deixo m'alma
Migalha de alma!
O que sobrou de mim!
Piedade e Arranhão
Esse é o lastimoso fim de uma mulher quando a um homem entrega o coração.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Réquiem teatral

Como de clichê o céu era um borrão cinzento,
Lama das estrelas.
As flores campestres se diluviando
Por entre meus dedos,
Queriam escapar daquele tristonho fim.

Tocava um lúgubre réquiem
Tão afoito e desajeitado quanto a platéia,
Fazendo uma litúrgica homenagem ensaiada.

Olhos - mãos - barriga - corpo, a tremer
Um coração estático,
Certeza de que não irá mais agonizar.

Falsas lágrimas a rolar de órbitas profundas,
Apodrecidas orações ao cadáver,
Alívio pela vida,
Lamentos pela morte.

Quando viva a pobre alma amada não foi
Hoje, estagnada, é fortemente idolatrada
Mofina beleza que foi deixava.
Em vida morria de fome para perder gordura,
Enfim caveira, oh! Formosura.

Todos de preto lamentando o respeito à mortícia
Eu, de vermelho, a contemplar o meu amor
Funéreo romance,
Seu pálido rosto me deixou absorto.
A lápide em chamas borbulha, era alérgica a flores
Ela é minha rainha, veja a sua coroa!

O caixão desfila, deslumbrante
Perfeitamente envernizado
O show da agonia finalmente chega ao fim
Estou distante dela, cravada ao chão como planta
Com o término que sempre almejou:
És flor

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Acordar perdedor

Despertei por súbito, deparado com aqueles olhos enormes, de cima, devorando-me. Os meus arregalados; os dela ainda mais, no entanto, pacíficos. Aqueles cristais descrevo por profundos e azulados, furtados de-cor, do azul claro quanto ao mais escuro, de escala mais bonita do que as cores do céu. Naquela imensidão de olhos eu mergulho, por apneia, só para permanecer mais tempo dentro deles. E agora ela sorria de lado como quem zomba. Nela eu me perdia e me perdia dentro dela. Oh! Seu aroma de lima por meus vasos vazava, dentro do meu corpo, dela eu absorvia um pouquinho.

Agora a observava também, por minúcia, os cílios, em cena, ao dançar, as suas pétalas. Perguntei O que quer?, mas já sabia desde muito. Não fora preciso que abrisse os lábios ou minha boca com um beijo, por silêncio dizia-me Vou. Iria. Eu só precisaria que o sol dormisse, para tê-la novamente nessa medíocre cama, com cheiro de sujeira, com modo de perdedor, à espreita de que solidão me acorde de novo.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Felina

Detrás de cabelos enredados
De lábios úmidos de pigmento
de tom escarlate cor de vinho tinto
De voz devaneada
Revelava-se A felina.

Por dentre olhos pincelados
mescla avelã e amendoado
As maçãs do rosto gentilmente afogueadas
Existia A felina.

Detrás da brutal pureza de suas feições
Da sagacidade com a qual se portava
Estava.

Quem era?

Estava ela com seu batom desenhando os lábios
O vestido de festa
Pronta para se alimentar.

terça-feira, 22 de maio de 2012

De barro fiz a flor

O amor nasceu como rosa
Depois que plantei
No algodão do coração
Fiz um verso bonito
Com emoção.

A flor enfim cresceu
Exalou perfume inebriante
De tão bela
Entonteceu.

Eu fui espelho dessa rosa
Entreguei-lhe minhas prosas
De meu seio fiz teu pranto
De lágrimas
Um canto
Cai-cai.

Enfim, caí
No poço mais fundo que existia
Dos vermes mais toscos,
Fartei-me

Minha flor desabrochou
Mas logo murchou
Foi assim numa melodia lírica
Cheio de metáforas
Mórbidas.

Minhas órbitas dos olhos
Enrrubesceram
Quando minha flor perdeu a cor
Nada mais me apeteceu.

Pergunto-me se sou feita
De carne ou então
De barro sou,
Se os dedos são meu corpo
Ou uma máquina
De escrever a dor.

sábado, 5 de maio de 2012

O poema morreu!

Meu poema morreu enquanto eu o escrevia
estava criando forma, beleza
simplesmente faleceu
(Ou quem morreu fui eu?)
Não sei o que aconteceu
a coisa mais sublime que tive em mãos,
desvaneceu

Meu poema morreu antes de ser criado
antes que eu desse título,
sentido, ápice, rimas
ele não foi escrito e eu lamentando
essa partida

Talvez o poema não fosse extraordinário
devia estar desprezível, grosseiro
se ele morreu, pode não ter sido o que queria escrever
ou a pior coisa que escrevi

O poema parecia tanto comigo
um espelho refletido
desisti dele como fizeram de mim
deixei ele morrer
como morri

Inocência

O dia acordou bonito
Coloriu meus olhos através da vidraça
O sol contemplou esse corpo frágil
Era um domingo de céu azul
Nebulosa de inocência blue.

Andei pelas florestas
Pântanos, campos
Descalça meus pés brincaram com a grama
E girassol sorriu para mim
Estou apaixonada por essa natureza vaga
Uma cantiga afinada.

O rádio tocou as músicas mais antigas
Cantei e os pássaros riram de mim
E logo eu ri da esperteza
Eu sou apaixonada pela natureza.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Vida de isopor

Vida de Isopor



Tinha um anjo em minha vida, não era família, amiga ou coisa do tipo, era meu anjo. Era bem mais velha do que eu e tinha o rosto bem enrugadinho, marcas que o tempo deixou. Tempo cruel, fez com que o meu anjo ficasse cansado. Seus olhos eram escuros e desconexos, quem os encarasse, se perdia. Quando sentava para conversar, ficava por horas proseando comigo, meus olhos tão grandes ficavam a ver aquele rosto marcado e um certo vazio. Ela sorria e seus dentes postiços cintilavam juntamente com meu semblante, que se abria ao perceber o quanto eu amava aquele anjo. Amor Puro. Amor de apertar o peito e me fazer louca se ficasse um dia inteirinho sem te ouvir. Oh, voz tão finíssima, minha cantiga de ninar. Eu ficava horas falando dela para o meu diário, por vezes manchei as palavras escritas com a caneta, pois as lágrimas corriam por meus olhinhos.

Em um dia muito bonito, rosado e abafado, me dediquei a fazer um presente para meu anjo, uma casinha vazia por dentro, mas por fora, muito bem modelada, feita de isopor. Pintei com as tintas, beijei cada aresta daquele simples lar, era o coração de meu anjo.

Botei um laço de fita nos cabelos, vestido mimoso e sapatinhos de verniz. Sentei na varanda, que estava iluminada por tímidos raios solares e esperei o anjo. O relógio fazia tique-taque, tique-taque. Meu coração não fazia barulho, mas batia tão rápido, estremecia pelo batimento mudo.


O sol sumiu, o vento entrou berrando pela janela entre aberta, só conseguia ouvir o grilo a reclamar pelo lado de lá. O telefone tocou e corri com euforia, como criança em busca de doce. Foi quando recebi uma notícia e branca como parede branca recém pintada fiquei envernizada. Arregalei os olhos e sem poder encontrar ar, a garganta se abriu. Gritei ilusões tão altas. Mudo.

Eu sou aquela casinha.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Meu poema

Quero que meus versos atinjam o colapso
Farei um poema sem traço
Sem forma
Poema sem rima, técnica
Sem palavras de efeito moral

Quero fazer um poema a pleno punho
As rosas que me perdoem, nele não estarão
Um poema que arrepie sem cautela
Nostalgize as crianças, moças velhas

Poema que seja ácido, com humor
Tenha, por favor, a seriedade de um doutor
Censura que me desculpe, não terei pudor
Quero um poema que fale do que sou.

Poema frágil como campos de lavandas
Bruto feito punho de homem trabalhador
Poesia enamorada
Dilacerada como coração de puta
Cálida igualmente flor

Poema que não simplesmente toque
Mas que fira, destrua
Palavras suicidas
Que só matem se for de amor

Farei um poema sem eu-lírico
Sem final feliz
Sem história
Quero que fique na memória

Que meu poema seja chato
Porém não será forçado
Colocarei nele perfume
Para que não seja lido,
Preciso que ele seja exalado

domingo, 22 de abril de 2012

Bobagens noturnas

A noite está tão gélida, porém, não mais que meus olhos
Olhos que derramam lágrimas congeladas
Vindas de uma alma derrubada.
Lágrimas fantasmas que não ouso deixar ninguém ver
Veriam minha vida,
Eu iria morrer.

O copo de chá está quebrado
(o coração também)
Derrubei-o quando te vi passar, sem me olhar,
Devo lembrar que meu coração pulsa
Tão forte, tão violentamente.

Todas aquelas risadas que fiz questão que você ouvisse
Estão guardadas
em uma caixinha de música.

Continuo a tentar preencher todas as lacunas
São buracos enormes, necessito de muitas ferramentas
Preciso comprar cimento
Ou parar de lamentos.

Ando tão boba, fazendo rabiscos de teu rosto
Tentando imitar sua voz
Ou procurando cartas
que nunca foram entregues a mim.

Essas palavras você nunca irá ler
Memórias que eu insisto
Em escrever.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Repetição para perdoar

Perdoa se quando falo
Você não consegue
Ouvir.

Perdoa pois as palavras
Saem sem sentido
Para ti.

Perdoa pelo ciúme
Sem querer
Te faço sentir.

Perdoa pois eu
Sou pequena e
Tenho problemas.

Perdoa se no frio
Não há meu corpo
Para te aquecer.

Perdoa essa tua fome
Só nos resta
Compreender.

Perdoa se há
Espinhos nas rosas
Que te dei.

Perdoa se não tenho noção
Contudo perdoa primeiramente
Essa repetição.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

As larvas da tua língua

Que as larvas comam minha carne crua
Pois esgotada de toda hipocrisia estou
Pra que saber meu nome
Se quando as costas nuas virar
Infâmias você dirá?

Das palavras feitas de mel que lançou
Sinto o cheiro do fel escondido,
Respiro a mentira nas fendas das palavas suas
Sujas falcatruas!

É desnecessária a busca pela utopia
De repente vejo-me no meio de toda essa gente
Rindo de deboche, sendo fantoche
Falando da mulher que não tem pudor
Reclamando do homem que não sabe fazer amor.

Vejo-me em um palco, palhaços, bravo!
Que fervam as más línguas na panela da mentira
Aliviar-me-ei da fadiga, desespero, desabafo sem freio
Chega segunda feira e você finge novamente ser minha amiga
Eu, de iludida.


terça-feira, 10 de abril de 2012

Distante donzela

Ela tinha cheiro de alfazema nos louros cabelos,
Catastroficamente em teu seio vi m'alma feliz
O luto cegou os olhos meus.
Vi  meu corpo deitado sobre o caixão;
Suicídio por causa da desilusão.

Se tinha a plena certeza do amor
Morria por saber que envolvia dor.
Noite tanto, tanto brilhou
Perto daquela donzela, nada era.

Das rosas bonitas do verão amargo que colhi,
Donzela era a mais exalante que senti.
Das pedras duras que pisei,
Donzela era a mais preciosa e fria que amei.

Nada existe, só meu amor e o cheiro da flor
Flor donzela.

domingo, 8 de abril de 2012

Medíocre prosa

Olha como se não visse,
se faz de mudo
quando peço para falar
se imploro que emudeça,
Grita.

Usa de palavras rudes
a sutileza natural,
mata-me com a indiferença
de um amor descomunal.

Dar-te-ei uma pequena rosa
para você perdoar essa 
medíocre prosa. 

sábado, 7 de abril de 2012

Fábio

Fábio, amanheceu e fez um sol tão bonito
Os passarinhos
Gritam de agonia, sorria

Você é composto de notas de uma velha canção
Música que arranha os ouvidos, notas soltas; sem sentido
Oh! A primavera inveja seu aroma de rosas desnaturadas
Estou agonizando a falta que você faz
Na aurora da solidão você deve segurar minhas mãos

Minha pele é o pecado que vi em seus olhos de fogo
Meu amor desafinado é humilde
Onde sua paixão de homem sem regras desfaz
Desfaz meus planos

Navego distante na realidade a qual não existo
Você se desdobra
E me corta
Eu me desfaço de erros quadrados
Numa matemática sem respostas

A brisa gelada sufoca a minha dor
Você foi embora no sopro da morte
A sorte me abandonou e só ficou saudade
Degolando a felicidade

terça-feira, 3 de abril de 2012

Ala da morte

Recebeu um telegrama avisando: teria que comparecer imediatamente a um hospital cujo nome não conhecia, em outra cidade.
Tão frágil era que seu corpo estremeceu. Suas passagens estavam pagas e no dia seguinte, com seu vestido de renda, encaminhou-se.

Ao entrar no hospital percebeu que era tudo muito diferente por ali, havia dor em demasia. Seus olhos estreitaram-se e ela se dirigiu ao homem que aparentemente deveria saber o porquê dela estar ali.
O homem, com sua barba bem alinhada e branca olhou-a com indiferença. Ela mostrou o telegrama, ele assentiu com a cabeça e começou a andar, de alguma forma ela sabia que deveria segui-lo.

Chegaram a uma ala na qual as pessoas soltavam gemidos baixos, os pelos da menina rapidamente arrepiaram-se.
Havia muitas camas com pessoas tão magras encaixadas, isso a estranhou. Ao chegar à última cama sua boca não conseguiu segurar o gemido amargura. Era ele, o irmão que havia partido e que até então não respondia suas cartas, a única pessoa que achava ter no mundo.

Ela apertou os passos e encostou-se em sua cama, seus olhos já estavam cheios de água, teve receio, mas pegou em sua mão.
Ele estava esquálido. Definhava, seus dedos encontravam-se duros, quase que não se moviam.
Ela queria falar mas engolia o gosto amargo na boca. Queria perguntar porque ele não a respondeu todo aquele tempo e súbitamente encontrou resposta: ele não queria vê-la sofrer.
Agora, a vida da pequena menina era uma névoa sem sentido.

Ele abriu os olhos e pediu desculpa com o silêncio, a menina não conseguia mais segurar o desespero, sabia que não teria mais esperança dele bater à porta e agarrá-la até o sufoco, assim esperava afobada.
Ele fez um esforço para abrir os lábios e os olhos acabaram fechando. Ele só estava esperando para morrer.

Ela sabia que o irmão era forte o suficiente para espera-la até agora. O irmão da menina exalava o cheiro da morte, o cheiro de algodão molhado com naftalina. Ela sentia as tais borboletas no estômago, mas agora elas destruíam-no, debatiam-se incontrolavelmente contra as paredes de seu intestino.

O médico disse que AIDS era uma sentença sem perceber que a menina já estava saindo da ala. Ela precisava viver.

sábado, 31 de março de 2012

Deixa

Apenas me deixe
Não fale de amor

Não me fale
Não toque
Não me faça sofrer
Por não te querer
Querendo tanto.

O amor do elevador

Foi amor eu sei que foi. Da primeira vez que o vi no elevador, cheirava perfume masculino, eu me embriaguei de amor. Sim... Amor, paixão, carência, algo mais legal, sei lá o que eu senti, mas foi uma coisa pura, sabe? Seus olhos em plena turbulência um suspiro escapo. Ele percebe a minha sina e acredito fica sem graça encolhido. Eu não aperto meu andar e subimos até o dele, o último. Ele espera que eu saia e eu o encaro. Ficamos por minutos parados inertes. Se cansa de esperar e sai do elevador, enquanto a porta de madeira se fecha, observo seu rosto mirando o piso de mármore e o vejo abrir um sorriso de manha envergonhada.  

Depois do lindo dia, pensei coisas esdrúxulas, a barba dele roçando meu corpo sinto até cócegas de pensar, seus olhos verde-musgo observando os meus observando os dele. Qualquer cheiro que sentia era motivo pra lembrar daquele perfume de macho. E foi assim que descobri que amava, e não só amava, amava ele, poderia ser ela, mas era ele.   Em uma manhã chuvosa voltei correndo da rua ao Mediterrâneo, cumprimentei o Severino com um sorriso molhado e entrei no elevador que já estava ocupado por duas pessoas. Enquanto ajeitava o cabelo o cheiro do perfume entrou pelas minhas narinas feito pólvora, meu corpo queimou muito mais e de olhos vidrados virei às pessoas que estavam ao meu lado.  
Era ele e ela, dois abraçados, molhados. Meus olhos inundaram-se mais do que minha rua inundou naquela tarde de chuva extrovertida. Depois daquele dia emagreci, só subo de escada. 

30

Suspirei
e acendi um cigarro
Imaginário.
Traguei
saudade e engoli
Amargura.

Você estava
Em uma esquina escura
Olhos escuros
Mais escuros
do que toda essa
Dor nua.

sexta-feira, 30 de março de 2012

A primavera roubou minha vida

A leve brisa alisa meu rosto nesta primavera, é bem provável que ela queira levar um pouco da beleza que resta dessa pele cansada. Sinto como se estivesse sendo sugada, como se o que me certa estivesse levando todas as forças que restam neste corpo. O vento está impiedoso nesta tarde, quase que arrastando. As folhas velhas da estação caem secas, como eu. O vento alvora os cabelos fazendo com que alguns até venham em minha boca enrugada, de repente começa a chover no velho parquinho, a chuva lava meu rosto e, consigo, sem permissão leva as lágrimas.

Meu rebelde peito começa a tremer fazendo com que a camiseta encharcada siga o ritmo acelerado. Os pés esfarelam as folhas enquanto meus olhos inundam-se, passo a língua sobre os lábios, umedecendo mais com a saliva. Meu rosto estava completamente borrado de preto: consequência do forte lápis.

Sinto forças passarem por mim, acalentando-me, como se eu fosse uma criança que acabara de se perder dos pais, inocente e órfã de carinho. Sento-me no velho banco de madeira, milhares de fotos passam pela cabeça trazendo a infância calorosa e esquecida, deito-me cautelosamente fitando o céu tristonho e cinzento com os olhos embaçados, fecho-os e ali adormeço esperando a primavera ir embora para que o verão traga novamente minha vida.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Minha vida acabou no instante de tempo entre doze andares

Um grito eu ouvi, nada mais aconteceu. Apenas um grito e meus ouvidos estouraram. O dia tinha sido monotonia, somente eu que mudei, as flores estavam no mesmo estado, o sol estava quente como sempre, eu não.

Corri para o quarto e estava sangrando. Meus ouvidos sangravam e, sem voz, percebi que o grito era eu que havia dado. Queria espantar os fantasmas. Fui em direção à janela e a abri, senti aquela brisa abafada de noite quente do verão, engoli o amargo que tinha na boca e suspirei. Aquilo estava indo longe demais. Era definitivo e eu queria.

Subi no parapeito e meus pés sangraram. Estendi os braços de forma ridícula, aquela cerimônia era desnecessária, morrer não é o fim.

— E aí me joguei — Pensei em algumas bobagens antes e depois não tive mais tempo para repensar. O vento brincou com meu rosto, meu peito era esmagado com a força em que eu caía. Vi o fim se aproximando e percebi: céu não haveria.


quarta-feira, 28 de março de 2012

Sobre a mulher que me matou

Meu mórbido amor, esse é o fim de um fim que nunca teve início.
Escrevo essa carta com o coração partido, sei que é difícil alguém acreditar que tenho isso, mas eu juro que tenho. Éramos jovens quando nos conhecemos, Corina, você tinha os olhos verdes mais vivos que a natureza. Seu sorriso era de se espantar, tamanha vitalidade assustava até os mais felizes seres humanos. Me olhou e sorriu, bastou isso para que eu fosse seu. Namoramos por pouco tempo, eu era louco, extremamente louco por você. Trazia rosas e cartas borradas, pois eram cobertas por perfume masculino. Você ria com os olhos e alisava meus lábios com os dedos, como se quisesse roubá-los.

Passou pouco tempo e gradativamente você não sorria e os sonhos que insistia em me contar, viraram pesadelos. Tentava fazê-la feliz, mas existia uma coisa que a entristecia do nada. Via seus olhos virarem o abismo, quem se afundava nele era eu.

Nos casamos, comprei a casa mais simples e rosada que existia na cidade. Você adorava rosa e eu adorava ver-te adorar algo. Eu poderia jurar que você havia gostado no início, mas aquela amargura foi voltando. Os poemas não mais lhe faziam encolher o peito, as canções não mais arrancavam-lhe suspiros demorados. Chamei um médico e ele disse que você tinha problemas cardíacos, que não podia fazer esforços e nem por grandes emoções poderia passar. Depois disso, deitou-se. Deitou e não mais levantou. Ainda éramos novos, queria sair com você e sempre estava indisposta. Entupia-se de remédios e quando eu voltava do trabalho, já estava dormindo.

Comecei a não voltar para casa, beber e fumar. Via seus olhos encararem-me com uma piedade cruel, como se eu fosse o culpado de toda essa sua melancolia. Tentava encostar em teu corpo, você virava de costas e resmungava palavras impiedosas. Brigávamos e no final você sempre chorava e dizia que eu queria matá-la de desgosto. Desgosto? Corina, você acabou com sua vida e não tem clemência de fazer o mesmo com a minha. Virou um vegetal insolente, onde foi que você se perdeu? Quem foi a pessoa que roubou tu'alma? Me diga! Eu imploro que volte a ser a mulher que roubava meu sono, a mulher que fazia todas as coisas perderem o sentido. Só vejo uma pessoa com os olhos mais gelados e negros que o Polo Ártico.

Trazia o espelho para que você visse a derrota que havia tornado-se. Aos gritos me tirava do quarto e voltava para a cama. Brigamos muito, você se cortou e naquela noite, fiz sexo com três mulheres e dormi em um banco de esquina qualquer. Tive que voltar para casa, eu que regulava seus remédios e me senti um lixo. Voltei e conformei-me com a situação. Anos e anos perdidos, o sol nunca mais brilhou e as estrelas eram meras intrusas da escuridão. Fui adoecendo, não tinha disposição para nada e minha saúde estava debilitada. Comecei a praguejar você... Corina, a casa virou um inferno. Como deixou que algo tão maravilhoso se transformasse no meu maior pesar?

Minha querida mulher, a poucas semana atrás fiz um exame de sangue, recebi o resultado ontem e descobri que estou com Aids. Tenho certeza que foi no dia em que brigamos, no dia em que toquei outras mulheres pensando em ti. Na noite em que cheirei o cabelo delas e respirei teu corpo. Você viu o que fez comigo? Está satisfeita em ter me matado só por que estava afim de morrer? O amor é assim, não é, minha querida? Estou feliz por ter ficado esses anos todos ao seu lado. Minha eterna deusa do sorriso feliz, queria poder vê-la novamente, mas não tenho tanto tempo. Quem dera que você tivesse roubado meus lábios como outrora almejou. Estou abandonando este mundo, não irei morrer, já morri todos esses anos que vivi com você. Me perdoe por não borrar esta carta com perfume, não é necessário, você já encarregou-se de borrar toda nossa história. Estarei esperando-a.
Com carinho, do homem que teve a vida roubada.

Transborda em mim

Sento na escada e observo a chuva,
meu rosto recebe alguns pingos leves e gelados,
sorrio e em meio disso
sinto calafrios.

Navego aqui sentada
a rua já está quase inundada
só meu peito que
continua vazio.

O boeiro está cheio de sujeira.
a chuva cai e ele
transborda
Que inveja tenho dela,
quem dera transbordar!

terça-feira, 27 de março de 2012

O adoçar da minha boca

Acordei com os olhos inchados, a claridade os queimou e a buzina louca dos carros fizeram com que eu chorasse um pouco mais antes de tentar levantar. Cambaleei, fiquei sentada, coloquei a cabeça sobre as pernas e deixei que as lágrimas quentes molhassem. Eu tinha esse mesmo coração quebrado dentro do peito e um gosto de café amargo na boca, todos os dias fazia café e não botava açúcar suficiente. Lembrei da época em que titia me comparava com o açúcar das jujubas e um sorriso sem felicidade estampou o rosto. Fui até a cozinha com um vazio no estômago, procurei pelo pó e não o encontrei. Era engraçado, sempre esquecia do açúcar mas do pó nunca havia me ocorrido. Senti vontade de chorar novamente, como que desesperada, mas nada de meus olhos caiu. Dei de ombros, fui ao banheiro e enquanto escovava os dentes, comecei a esfrega-los tão fortemente que a boca começou a sangrar; quis lavar minha alma com a escova, que tola. Sem forças para chorar resolvi sair de casa.

A rua da minha casa pareceu muito estranha e desprovida de cor. As pichações nos muros me deram ânsia de vômito, resmunguei alto palavras horrorosas. Cheguei numa padaria de paredes descascadas e pedi café com bastante açúcar. Na verdade, eu gritei, e o rapaz que me atendia, arregalou os olhos, talvez fosse medo. Quem não teria medo de uma mulher descabelada e com os olhos borrados àquela hora da manhã? Recebi o café em um copo de vidro molhado, beberiquei e meu estômago vazio embrulhou, gargalhei de toda aquela desgraça de vida e quando olhei para o lado, tinha um simples e bonito rapaz olhando meu sorriso. Encarei-o com os lábios estendidos e ele estremeceu. Bebi mais um gole e gargalhei ainda mais alto, ele suspirou, até sorrir também. Depois segurou minha mão e disse baixinho que o café podia estar mais quente e doce que eu no momento, porém assegurou que se eu continuasse segurando sua mão, em breve todos os cafés me invejariam.

Continuei sorrindo, entrelacei nossos dedos e realmente o rapaz me adoçou. Adoçou minha boca.

encontro na esquina

nasci em meio ao desespero
hoje morro sem saber viver
queria ser oceano
virei lagoa
porção reduzida de água

sorrir se tornou desafio
doloroso e cruel
meus lábios se abrem
como portas automáticas

aprisionada pela solidão
dor que criei
farol distante e vazio
hoje sou nuvem, pedra,
rancor e lágrima que ferve

O que fui?
não sei o que fui, me perdi
em que esquina?
nos abraços da morte

tenho medo
as trevas sempre dizem
pra eu morrer
ainda não morri
te encontro
na esquina que me perdi

Relatos de uma quase prostituta

Era a primeira vez que eu estava naquela boate soturna e arrogante, as luzes que existiam na mesma eram grotescas. Havia inúmeras pessoas frente ao palco ainda pouco iluminado, eu podia sentir um calafrio estranhiço na barriga que subia por minha garganta, arranhando-me. As lágrimas teimosas queriam lavar a rústica face, sem se preocupar com a dinastia do público que ansiosamente esperava o meu show.   Do lado de dentro das cortinas podia-se ouvir o estrondoso som daquele ambiente hostil, com os lábios sedentos olho a mesa de plástico ao lado, só vejo um café gelado e um cigarro agressivamente apagado. Ouço meu nome no microfone como nunca antes havia escutado, aquilo soou doloroso para uma menina de sonhos inocentes. As pernas tremeram ao imaginar o que faria por reais falsos, prestes a expor meu corpo desavisado.  Eu tinha apenas doze anos, não tinha seios e não sabia que coragem tive para estar ali. A única alternativa foi correr incansavelmente, deixara para trás aquele pesadelo fútil. Enquanto corria, só ouvia meu ofegar, os batimentos acelerando e claro, a vaia dos imundos.

Meu anjo

Anjo pequeno
de asas graciosas,
voa o dia inteiro
levando consigo

minhas prosas

Quem dera ser tu
queria ser feliz,
sentir o vento esmagar
e respirar perfume de anis

Anjo de asas envergonhadas
ensina-me a voar
de tanto que pedi
você começou a ignorar

Trouxe contigo tristeza
e tudo que eu queria
era um pouquinho
de sua proeza

voar

Quem dera ser um manequim

Queria ser um manequim, parada, de forma elegante e esbanjadora. Veria pessoas gordas ou magras demais passarem almejando meu corpo. Minhas roupas seriam impecáveis, para cada estação surgiria um novo traje. Vestidos graciosos entrariam em sintonia com minha palidez, diamantes e pérolas seriam parte integrante de meu figurino. Se eu fosse um manequim em todos os lugares estaria, todos me enxergariam. Modelos teriam inveja de mim porque não faria dieta e continuaria assim, tamanho único, pois seria manequim. Eu ficaria estática atrás de um vidro sem falar. Estaria livre do que chamam de amor, só poderiam minha estrutura de plástico arranhar. Não haveria defeitos, por mera consequência não teria pai, não precisaria de mãe. Só existiria eu, uma boneca sem vida trancada atrás de um vidro impermeável a sentimentos, condenada a décadas de moda.

Os campos de trigo com cheiro de (des)perdida.

Seus sonhos eram bem maiores que ela mesma.

Seu nome era Tânia, sua idade indefinida. Ela imaginava viver no país das alfazemas. Todos a chamavam de louca, mas ela se achava tão normal quanto os outros. Quem sabe ela não estava dizendo a verdade? Nunca fiz questão de saber. Eu sempre fui apaixonado pela menina de cabelos curtos e dos olhos de avelã. Sim, aqueles olhos pareciam avelãs frescas, acabadas de cair da árvore. Tânia nunca falava direito comigo, preferia correr no campo de trigo ao lado da minha casa, eu ficava a admirar pela janela aquela pequena criatura maravilhosa, era diferente de todas as garotas que já vi. Ela usava seus vestidos de renda rodado, cada dia tinha uma cor diferente, cores neutras e quentes. Tânia era assim, uma oscilação.

Certo dia ela apareceu aqui em casa, eu fui correndo atender a porta com aquele sorriso enorme. Ela estava com cheiro alfazema e rosas amarelas. Embriaguei-me por alguns segundos até encarar seus lábios avermelhados. Chamou para correr no campo com ela, fez apenas um gesto e pude entender, segurou em minha mão e eu tremi. Definitivamente, tremi e a segui. Corremos algumas horas pelo campo sem abrir a boca um só segundo, nos comunicávamos apenas atrás de gestos, olhares. Depois de esbaforidos nos deitamos ao chão, encarei o céu, pois não tinha coragem de olhá-la. Tânia murmurou algumas palavras que não entendi. Houve um longo silêncio, tão longo que duraram horas. Quando enfim tive coragem de encará-la para revelar meu amor, não mais consegui vê-la. Ela não estava mais lá. Não fui bom o suficiente para segurá-la por um dia inteiro. Voltei para casa, passou anos, passou minha vida e nunca mais vi a menina dos meus sonhos. Ela havia escolhido aquele dia de dezembro ensolarado para se despedir de mim.
Na verdade, não era Tânia que era louca, louco fui eu... Por ela.

Um'andorinha

eu sou
um'an(dor)inha
arrancaram minhas asas
e tive que viver assim

Morta.
Esmagada.
Torturada.

sou um fantasma atrás da porta
ou talvez aquela maçã podre
que você esqueceu na cabeceira
do quarto

posso ser aquele sonho terrível
a névoa
que resseca tua pele

mas sei que não fui
nada serei
sou a imaginação de uma mente
que perdeu a identidade
só um breve sonho
achando ser verdade

Desabrochar

Como puderam
fazer isso comigo?
Eu era uma
f
 l
  o
    r
Hoje sou apenas a amargura
de um enrugado botão