'lavar as mãos', acordo com dores
penso ser indiagnosticável a fonte
e de onde viria essa silenciosidade
estirada nas janelas, no sumiço
do gato que apenas olha
por debaixo do carpete,
o meu cachorro não sorriu
nesse domingo fim do mundo
como em todo domingo de praxe
ele fecha os olhos irritado,
tem um quê de nós absolvido neles
e não poderia evitar em mim
algo de fim que também se faz essa manhã
os amigos estão isolados
em suas cascas, em si mesmos,
em um abismo particularíssimo,
'ninguém solta a mão de ninguém'
é até bonito como soa
mas só na boca que ousam
não soltar do discurso amigável,
depois do anúncio de que o vírus
fosse transmissível através das mãos
foi daí que não só as soltaram
foi daí que largaram de mão
e que simulavam esquecimento
do que diziam
preferiam não dizer mais nada
porque solidão é companhia
e de mais ninguém precisa
fazia tempo que não recordava os sonhos
e que buscava regular meu sono
mas ando pelas paredes intranquila
e hoje mesmo sonhei que andava em Botafogo
e um menino me contava sobre a vida
paramos para tomar alguma coisa
e um casal me deu bolo na boca
ele me apresentava como professora
e na hora de pagar a conta me deram desconto
e a passagem para um filme
noir
lá fora ele me apontou no céu vertigens
eram objetos humanizados
eu pensei é o futurismo
ontem então buscava convencer alguém
estar sonhando e dizia não conseguir acordar
era realmente que depois de abrir os olhos
foi quando senti medo
há algo de muito egoísta na minha escrita
no fluxo da rua em que moro
e como me coloco nas situações
mas 'cuidar de si' tem sido um trabalho
quando eu me olhava no espelho
perguntava quem era?
era difícil que admitisse ainda desconhecer
quem fosse, que buscasse alguém
projetado na imagem
mas tenho cuidado com mais carinho
o meu retorno, minhas mãos
as tenho feito afagos
com álcool em gel
tenho preferido a minha companhia
então formamos uma pirâmide
e desse jeito a gente se consola
eu abraçada em mim na minha solidão