30 de julho de 2014
Não sei a razão exata para estar escrevendo essa carta numa folha bordada por mancha de café. A máquina de escrever sem tinta, a lua crescente desceu o morro e se escondeu atrás do prédio mais caro à vista. Minha letra é ilegível, combina com a personalidade, diria. Se não estivesse pronta para expor aqui algumas palavras entaladas na garganta, não descobriria minha solidão. Não quero nada contigo, não quero que se compadeça e me procure. Eu só preciso me salvar essa noite. Não quero passar de hoje, então escrevo essa carta porque assim esqueço - ou finjo - que minha vida afundou.
Sim, ME CONTRADIZ, sei a razão de te escrever. Eu estou te usando. Não deixe de ler só porque os seus olhos já estão cansados, o dia foi exaustivo, o mar levou essa garrafa longe demais. Por que eu? Deve se perguntar isso - Faço todos os dias.
Vamos, repartir minha solidão. Deite no escuro e sinta o cheiro dessa carta molhada pelo choro corrente. Lamba essa carta e imagine que o choro é o mar que embarcou essa carta até suas mãos. Mãos calejadas por amores navegados? Queria ser salva essa noite. Eu só queria enfiar a minha tristeza nessa garrafa, como farei com a minha carta. Seria muito pedir para você queimar depois de ler?
Vamos, repartir minha solidão. Deite no escuro e sinta o cheiro dessa carta molhada pelo choro corrente. Lamba essa carta e imagine que o choro é o mar que embarcou essa carta até suas mãos. Mãos calejadas por amores navegados? Queria ser salva essa noite. Eu só queria enfiar a minha tristeza nessa garrafa, como farei com a minha carta. Seria muito pedir para você queimar depois de ler?
Gostaria de dizer que recebi sua mensagem numa manhã luminosa acima das águas, na qual o ócio da existência impeliu-me a vadiar a orla em busca de conchas, pedras e outros mimos delicados do oceano para o meu vício colecionista de pequenos souvenirs da natureza. Entretanto, sua garrafa figurava em meio aos detritos irredutíveis de uma civilização que transborda o fútil: garrafas plásticas, latas de alumínio, rasgos irreconciliáveis de tecido. E antes mesmo de desprender seu escrito, lembrei-me do cadáver de um menino sírio que amanheceu afogado em uma praia da Turquia. Parece que as ondas arrebentam e apenas dispõem de más notícias. E existem momentos em que nossos naufrágios particulares devem se sobrepor ao afundar de toda a civilização. Não por egoísmo, mas talvez porque precisemos entender e nos enternecer com apenas uma vida para que todas as outras entrem em perspectiva e possam ser contempladas. Então, a tua carta - que agora já foi lida, relida e rasgada - de uma forma insólita navegou os mares ao invés de ter sido arrasta para me confirmar a continuidade da solidão humana, da caligrafia que salta das mãos, já desconhecida e irreconhecível, das contradições da vida que pulsa e se lança ao mar, uma vez que todos somos refugiados de nossas próprias almas e a terra firme já começa a nos marejar. Lá vai a garrafa novamente, poluir o oceano com palavras. Inflar suas velas de vidro e escolher o acaso o próximo pouso ou ser engolida por uma baleia e iniciar a extinção de uma espécie. Que o mar de signos decida seu destino e o papel absorva Sol e sal. Pouco importa o veículo e o transporte. O papel e também lixo e está em pedaços. Mas as palavras... As palavras ficam. Pouco ou nada dizem e nadam. Não há meio de afogá-las.
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