domingo, 15 de outubro de 2017

Infância

É noite no clarão ácido da porta entre-aberta,
no percurso, um abismo que calculávamos
ser o desvio através do armário secreto.
O infinito sabíamos mais perto, a morte
rodava feito ciclo dos planetas nas mãos,
nos revestímos de álcool e nuvens,
mas ao norte os montes pareciam afiados
aos pés e roupas fidalgas.

Nus e antiquados, assistíamos à serenata
acreditando na força que o amor
depositava sob o fundo dos olhos turvos,
prometíamos não chorar, mas o suor descia
as mangas caíam, o cheiro era de vida verde
e fazia tempo que os caules frágeis
resistiam à força da paisagem.

Ainda somos aqueles moleques do parque
arriando a calça e cagando no tronco
com medo apenas das formigas de bunda grande.
Era bonito sair e a porta entre-fechada
arrombava o coração da garotada
as bolas, as pipas, os jogos
despistavam a violência dos corpos
crescidos e esquálidos.

Bem desse lado da atmosfera a cidade
parece alagada por terra maciça
O céu nos dando bom-dia.
É noite mas a plácida aurora
a enfiar-se pelo espaço da porta
nos recorda, chegou a hora de entrar
na brusca viagem indistinta
Sonhar os dias que nos tragam
nossa indomável infância perdida.

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