sábado, 31 de outubro de 2015

pra não dizer que não falei das curvas

tomando forma
se moldando em cicatriz
me tomando pelos braços
e um arrepio
é talvez frio
cobrindo as contusões
a cor dos mamilos
e se
eu falar sobre o aperto
deixo de escrever
e fico logo nua
só pra anunciar que sou sua
essa nudez
não só de roupa
e essa tela envernizada
de um tom anoitecido
me vestindo
despindo
eu sou sua
crua
miúdes
tecido e hepiderme
sua íris tom de noite
sua língua como um véu
(eu só sou sua quando estou nua)

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

mensageiro

o incenso de cravos
e teu templo dentro do quarto
duas voltas no quarteirão
e essas pernas
tua clavícula em demasia
mais uma quadra
o horizonte apagando a tarde
eu te acendendo
mais um maço vazio na bolsa
o farol pisca
e cada estrela
uma pista
enviando mensagem de seus olhos
como se eu não anotasse
cada gemido
e o cheiro das ruas
o tecido da sua camisa bege
roçando meu mamilo

sábado, 24 de outubro de 2015

laranjas e filosofias bagaças

tentei dormir mas ouvi 3 tiros disparados
corri pra ver se havia sangue na rua
de certo a cena me cederia 1 pesadelo digno
porém não era bala atravessada que rendia insônia
corri pra geladeira e ali quase vazia só tinha
2 laranjas descascadas
senti a metáfora roer meu estômago
os bagaços deixados pra mim possuíam suco e caroços
a tampa do vazo levantada
a tampa da pasta de dente desaparecida
um gosto de choro na garganta
é quase manhã mas narro a noite
como se fosse tudo uma instigante narrativa
e o ronco da barriga só um surto de paixão
os tiros um presságio de domingo
e as tampas sejam as famosas pedras no meio do caminho
os bancos só abrem portas às 9h
chupei minhas metades das laranjas

Drummond diria que eu corro demais

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O céu e eu de ressaca

Te busquei no contorno dos cachos de cabelo
Na imagem monocromática formada a cada vez que pisco
Você seria uma rasura
Meu rabisco de infância
Uma nuvem brusca de primavera

Hoje as ondas batem dentro do meu peito de areia
Seu nome desbota na maré
O medo de morrer afogado impede seu mergulho
Mesmo que o céu não apresente ameaças

O seu silêncio embaça a lente dos meus óculos
Vulgariza o escarcéu que te faço em prosa
Você seria uma metáfora
Meu passatempo
Mas a chuva de hoje tirou os nós dos cabelos
E você da minha cama

domingo, 18 de outubro de 2015

sábado

teu câncer no peito
a chuva que não resistiu às minhas costas
uma bossa no rádio de pilha
um tabaco na boca e teu timbre
como se fosse força esse abrigo
que carrega nas cordas
como se fosse mentira essa chuva
e o meu arrepio um miado de fome

tua rima escondida no bloco de notas
um rugido da porta parece anúncio
parece medo e motivo de garoa
os gatos de rua morrem mais de 7 vezes
e a marquise arquitetônica de teus braços
saciando a ânsia esfomeada de sábado
insistente em esfregar os textos diluídos
na folha branca de tua superfície
apaziguando a chuva

é tanto pretexto
mesmo que falte cinzeiro
céu nublado
fumaça escapando
e de súbito tu me rouba a saliva
como quem sente sede
mesmo depois de toda chuva fina
com gosto de água salgada

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Cânone Ocidental

escritores malditos que me formaram
e me mostraram o céu azul
algum dia vou morrer
talvez recitando
sobre a covardia de escrever
sem pular do oitavo

andar descalça cansada de tanto
asfalto atropelando pedestres
canivetes são proibidos
o seu sorriso em 3d
enquanto os romances não renovam
seus roteiros e o puteiro na Tv
em 60 polegadas de uma tela plana
pois piranha é vendida todo dia
antes do café da manhã

enquanto no 410
você trancafia a minha mão
caçoa da caligrafia
examina o desconcerto

foram os desenganados
e demolidos
sobrevivendo da fome
de cartas estúpidas
roncando
e o meu gozo
em cima dos escritores invisíveis
melando o azul
algum dia vou morrer
porém não há motivos para alarmes
escadas de incêndio
ou seus dedos segurando
os meus

como se eu fosse a única
a narrar o pesadelo
essa miséria
vestida de luto
enquanto discutem
sobre a selfie do ano
os mais ouvidos no mudo
blues e jeans de lycra

queimaram as mulheres
numa fogueira
mas toda revolta é falta de pica
toda cor do oceano é onde
preciso morrer

até o motorista riu da falta de troco
analgésicos pra dor de existir
máquinas vão cessar
à noite
cores adormecem
quando escritores esquisitos
publicam e transitam em mim

domingo, 11 de outubro de 2015

ventanias

gosto quando tu se aproxima
como vento sedento de outubro
samba com o meu cabelo
e faz chá de maçã pra curar dor de viver
as minúcias se recolhem em teus olhos
te fazendo reparar distrações
as cores do céu como pintura
a dureza dos ossos da tuas costas
essa paz desnorteada sabotando o caos
gosto da tua ventania  

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

me enterraram na travessia

hoje vi um bêbado ser atropelado
ali em escárnio no meio dos entusiasmados
era eu que me via arregaçado
com a fúria do sol de três horas
efervescendo a ferida
a gota de álcool brotando dos olhos
o álcool dos carros e do corpo confundidos
e essa chuva acumulada de dias
cuspida do céu
o trânsito fodido
o bêbado fodido
e os carros
ah, os carros
as buzinas e faróis apontado pro olho
se mirar nos pássaros há sintonia de asas
enquanto o vento maneja
cada folha dessa árvore entre o cimento
há muita beleza em parar o tempo
dessa forma
a essa hora
o sol começa a esmorecer
e o corpo duro do asfalto a morrer

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Eclipse

Vejo a cor sol mudar quando pousa em seu rosto, como se temesse te tocar e morrer de tão mármore e sombreado. Você reflete, esqueço o batom dos lábios como quem também não lembra dos danos e, de repente, cultivo a perversão de teu apetite despindo meu corpo flamejante. Vibro cândida por cada engano que te enfia em mim rústico, sem medir efeitos colaterais depois do último cigarro fumado pro fim da foda. Você vai embora, eu sei. Vai antes do café coar na cozinha e dos pingos de mijo insistentes que aplaudem o barulho discreto da porta.

Eu vejo o sol se esconder contigo.

terça-feira, 6 de outubro de 2015

rima só

paredes azuis
e teu verniz nos olhos parecendo choro
eu estendia as olheiras ao sol
e tricotava aquele tapete da entrada
as nuvens desenhavam os anúncios
que não saíam nos classificados
você vestia solidão
reverberavam os refrãos em reprise
como se a memória fosse curta
e as saias um empecilho

eu rendava meus lábios em tua nuca
o dia chamuscava dois ovos na frigideira
as paredes sempre muito azuis
e da janela assistia a comunhão em desespero
parecia choro aquele verniz
você vestia solidão tão justo
que meus braços se tornariam prisão

as aves em fuga pro sul
aquele tapete imundo
eu previa a tempestade de agora
o azul te enclausurando
um desfecho suave e tempo nublado
você seria uma rima só

paredes
versos livres
e o verniz
nus
só lhe dão mais cor


sábado, 3 de outubro de 2015

Dioniso

As vezes
Acho que estou me rendendo
Às vozes que falam
A uma loucura
Que diz
Dói um pouquinho
Mas é só trancar os olhos
A poeira vira poesia

Então fica
Elas dizem que o mar bate
O amor é coisa de terrorista
Suicida
Então fica

Fica um pouquinho
Antes de ser chamado de louco
Por ter um caixão exposto no peito
As vezes
Acho que sucumbo
Às vozes que murmuram
Fica enlouquecido

Às vezes
Eu fico
Noutras só insisto nas cores das fachadas
De prédios residenciais
Trânsitos e balas no ponto de ônibus
O isqueiro de emergência
E cada rima
Diz
Fica um pouco enlouquecido

Dioniso me inspirou
Há vinho dentro do sangue
Sangue no seu vestido
Diz
Essa insanidade
Faz algum sentido?