Quando morri pela primeira vez deixei para trás umas esperanças falidas que conduzi descalça por anos, aquele sorriso distraído foi para o caixão e herdei uma expressão de desdém, lágrimas que outrora caiam com facilidade secaram igual a chão de deserto arrasado pelo verão. Restou uma vontade de escrever que vem para ferir e eu sou escrava desse desejo insólido. Na segunda morte os pedaços golpeados do que fui estavam jogados numa pensão imunda da rua Augusta, a fúria coloriu meus olhos de vermelho. Eu matei um batalhão de homens valentes e escarrei na chaga do amor, sem perdões contei calunias enquanto construía um mural de inimigos fantasmas. Foi preciso coragem para escrever sobre o terceiro falecimento, o funeral estava vazio e o céu não chorou aquela perda. Os vermes não vieram me visitar e meu corpo não entrou em decomposição pois a natureza se esqueceu que eu tinha morrido. Minha morte não entrou para a história, meus livros foram queimados junto às cartas de infância e o violão de madeira maciça vendido por alguns centavos. Os amores se refizeram e não choveu por dias.
Fui ignorada pelo mundo e escrevo essas linhas tristes pois até o Diabo esqueceu de me buscar, só o coração de vidro não esquece de exibir que está estrangulado.
Bom dia Gyzelle.. adorei demais o tema.. o que já escrevi sobre morte e vermes.. quando postei coisas assim as pessoas vinham cheias de medo.. de coisas assim tu ouve os melhores comentários.. brincar com este lado sombrio é legal.. o livro dos mortos que escrevi foi todo assim srs
ResponderExcluirbjs e até sempre poetisa
Fiquei confusa com o teu texto, porque está escrito no feminino, mas a última frase destacada, está escrito no masculino...
ResponderExcluirA nossa vida tem várias mortes, e o que nos vale é que apenas a utima é irremediável. À medida que essas mortes nos acontecem vamo-nos tornando mais fortes, afastamos o dramatismo . A nossa suposta fragilidade é a nossa força futura. Ser vulnerável é sentir.
Ah os homens fingem ser uns valentões...:-)
Gosto muito da tua maneira de escrever.
xx
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ResponderExcluirAcho que quando deitamos a cabeça no travesseiro depois de mais um longo dia, morremos um pouco. Morremos todas as noites até o dia em que não mais abriremos os olhos para contemplar o sol.
ResponderExcluirGosto das coisas que você escreve, um segredo, outro dia passei um bom tempo aqui lendo teus escritos.
Beijos
Fico grata que tenham lido e comentado mais uma vez. Laura, sobre o gênero, eu fiz de propósito, quis expressar que depois de morto, esquecido e desacreditado não existe sexo, homem ou mulher, não importa. Por isso dei esse espaço. Aliás, o nome do link desse blog é ''palavras de poeta morta'' pois eu não tenho gênero na hora de escrever, sou poeta e poetisa. Sobre a confusão, reli e realmente parece confuso essa parte, talvez eu mude o gênero para feminino.
ResponderExcluirHá coisas que deveriam nos matar, mas não matam e ainda temos que nos levantar com o peso do mundo nas costas e seguir em frente...
ResponderExcluirUm texto surpreendente e que gostei muito de ler.Muito mesmo.
Grata pela visita.
Beijinho e bom fds.
Prosa negra sobre a vida a fervilhar.
ResponderExcluirGostei e voltarei.
Beijo (sem vermes ou larvas)
Tipo de texto que nos faz cair no precipício da profundidade das palavras. Achei isso.
ResponderExcluirBoa noite,
tua prosa é de uma intensa delicadeza.
ResponderExcluirAcho que foi o melhor texto que li seu até agora... Sua narrativa melancólica pelo absurdo crível cria certa aura de uma tristeza que já desistiu de não ser triste. Enfim, muito, mas muito belamente construído.
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