sexta-feira, 26 de abril de 2024

Este filete é a palavra

Mordisco os dentes, lâmina,
Resta- mo- nos 
A quentura da
Sombra do sol. 

O que? Nos falta: 
Mais uma perna
no M 
ou N? 
Confundir- mo- nos.

Travesseiro, Travesso? 
Travessão – sem berço. 

Dentes dentro da água,
De sangue,
Veja este filete! 
A palavra que calei. 

quarta-feira, 24 de abril de 2024

Dona Aranha

há uma aranha tridimensional 
presa às escadas que escapo 
nos dias em que fujo da multidão
dos elevadores de cirúrgico aço 

pairo para contemplar as pernas
cabeludas, sua mandíbula pontuda,
e a perversa mania de estar 
com todos os olhos intocáveis 
a me encarar imóvel e curva 

me espelho na imagem desta 
aranha que a mil versos me clama 
que lhe escreva uma prosa
em estado de [êxtase-textil] 

me finco na carne desta mulher 
que antes da teia calculou
o espaço perfeito infinito 
no canto de uma parede atrás 
do vidro para ser – contemplada 

terça-feira, 16 de abril de 2024

a pintura de uma asa estilhaçada, 16/04/24

O céu tem sido rude comigo, teimo não encontrá-lo. O olho espreita, espanto os pássaros, eles me orientam. Desejo ser como os pássaros que, nunca, jamais, em espécie nenhuma, ousaram à fraqueza. À morte em pleno voo, ainda que estivessem destinados. Estou viva, acredito, embora caminhe ao desequilibro completo, total. Perguntam porque não bebo mais, porque bebo tanto? Questionam sobre mim e ainda por cima: na minha frente! Eu lhes reviro, não revido, não me interessa o que não for o voo. Nunca fui de encarar o céu depois que cresci, antes eu o pintava. 

Cremação, 16/04/24

Não quero ler meus poemas depois de mortos e dispersos. os obrigo. abrigo/brigo/umbigo. Blasfemo os meus defuntos livros, deformo as suas orelhas. Sou uma aprendiz delicada. Guardei muitas palavras. As pessoas aguardam que eu abra a boca [para me repreender], para que eu queime mais rápido. Não. Não permito ser mais frágil do que tenho sido. Sim, arder com lentidão. Essa mosca me acompanha desde o 410, às quinze para uma.

Que se estabeleça o silêncio de túmulos. 

Lanço-me, 16/04/24

diários 1. A escrita como exigência, existência (?) o que fiz com meus anos?

Estou bonita que é um exercício, o sacrifício. Pulando folhas em branco, me assusto/espanco com a sua cordialidade, a fineza dos infiéis. Ana, estamos bonitas que é um desperdício, certamente. A vi rasgando as folhas em branco, na frente deles, todos. Todos os dias cacarejam: é preciso saber que dia é hoje, o ontem e o que está por vir. O livro que nunca existiria, o que é uma graça. Divulgaram mais uma notícia inesquecível a alguns instantes, só não me lembro sobre o que era. Logo, logo dirão que.. Mas a verdade, você sabe, Ana, não nos fere, não nos encaixa. O que me importa agora é dizer que a sua poesia está bonita que é um suicídio. 

ex-poema

estou sem poemas na manga 
prefiro feri-los com o meu silêncio,

tantos outros que se dizem ex-poetas 
se atrevem a dizer que são ex-poetas! 

mas a gente sabe que, uma vez 
desgraçado, sempre desgraçado... 

vez ou outra, claro, se pode dizer 
que se tornou além disso (poeta) uma
pessoa engraçada ou avessa ao versos 

mas fora isso não há mais tempo
de dizer olha: só eu abandonei
o poema junto a uma vida de desgraça. 

Valsa de abril

Não estás sóis
Neste sítio de solidão

Não seremos nós sós 
Nessa rede de fitas trançadas 

Com os lençóis, escrevo a cantiga
Para embalar o seu coração...

Canto a canção para acalentar,
Minha paixão, de Sol e Sombra... 

Cálidos, laços tácidos 
Os seus braços, acordes e
Ninhos de amor 

Creio nesta canção para ninar
Nosso coração... 

segunda-feira, 15 de abril de 2024

encontro

logo, não teremos o que falar
o silêncio virá. tão preciso
e precioso 

que nossos rostos irão se emoldurar

assim nos reconheceremos
pela primeira vez. 
e talvez, algum de nós diga 
                 [um nome

o primeiro nome
que viria a ser o nosso. 

domingo, 14 de abril de 2024

flor em luz e sombra

esta flor em claro, o teu sorriso escuro

me escuto, escudo da flor

primeira da manhã, luz da sombra

o teu sorriso, o meu, escuto

tua flor em voz instante

límpida, fugaz

tão frágil, fértil

teu rosto pelas manhãs

às primeiras horas, à última noite 

esta flor em claro, o teu sorriso

este escuro cálido, o meu sorriso 


esta flor em claro, o teu sorriso escuro

me escuto, escudo da flor

quarta-feira, 10 de abril de 2024

(...)

o abismo
é só questão de ponto de vista 

parece muito pequeno
quando o olho nos olhos 

sexta-feira, 5 de abril de 2024

peixes e feixes

guardei um poema nas dobras de dentro 
do blazer que você despojou sob
a coluna da cadeira,

o poema dizia úmido sobre o seu beijo
dentro da noite estrelada entre 
os furinhos da rede,

balbuciei com os dedos versos
que eu obtinha no cós dos ombros 
entre os lençóis do quarto entreaberto, 

o meu rosto entre 
os feixes das velas entre 
as taças de um vinho verde,

o seu rosto entre 
os peixes da Guanabara
flutuava, entre sonos

o meu coração, ainda que mais acordado 
do que as buzinas dos carros, se abriu – 

à porta do sonho por debaixo da dobra 
de dentro do poema que eu te trouxe à casa.