terça-feira, 29 de novembro de 2022

segunda-feira

aguardo no parapeito das sementes 
dos girassóis o rosto da morte 
ou a vida

à segunda 
encontro-a desfalecida
em alguns rostos-vultos avulsos
empapam a minha vista

me enfio no retrovisor
visualizo um rato
ou a performance de um roedor 
a atravessar o caule de uma figueira

me trancafio na roleta de prata 
finjo vestida de gala o meu funeral

que apesar de singelo me cheira 
à morta natureza os meus dedos 
estão exautos 

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

tradução do poema A ficção morte de Sebastião Uchoa Leite

A ficção morte

Penso em meu pequeno fim
Ouvirei zumbidos?
Sugado pela zona de vácuo?
Ou zero-corpo
Polidimensional
Subindo ao teto
Espiando-me de cima
Os outros em torno
Vozes mentalmente exaladas
Dizem ouvir-se um trinado
Muito alto
Sem zumbidos
Mas aí adeus
Morro de susto outra vez
Dentro da morte.

Sebastião Uchoa Leite

.

La ficción muerte

Pienso en mi pequeño final 

Escucharé zumbidos? 

Aspirado por la zona vacía? 

O cero-cuerpo

Polidimensional

Trepando al techo 

Mirándome desde arriba 

Los otros alrededor 

Voces mentalmente exhaladas 

Dicen que escuchan un trino 

Muy alto 

Sin zumbidos 

Pero luego adiós 

Me muero de susto otra vez 

En el interior de la muerte. 

Gyzelle Góes 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

sorvete de café

ao símbolo do infinito o 
dedo entrelaçado nas costas 
de um morcego cego

as fotos e os faróis

nós que engatinhamos 
nas escamas de uma pomba
presa na cidade do centro

a praça e uma caderneta

nós que nos sentamos
naquele dia o sol secando
o estrume dos bancos

e tomamos um sorvete de café 
e pistache por cima das pedras

o que eu mais quero deste poema 
é que não derreta sob os meus dedos 

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

antes da boca abrir

antes de abrir a boca
tem a tua pele ocupando 
a minha língua metida 
por entre as sensíveis docas 
esconderijos 

não deixo que o nosso silêncio
se alague no canto do quarto 
me borro no canto do teu lábio
antes de abrir a boca 
tem a tua pele rija 

sábado, 12 de novembro de 2022

corpo-distância

como se não bastasse 
a me esfregar na carne 
a pequenez da distância 

              me estende o teu corpo
              que mal alcanço 

terça-feira, 8 de novembro de 2022

cabine

no meu tropeço 
esbarro rabisco 
as laudas, a face 
de uma moeda enferrujada

enfiada no rastro 
de uma rachadura 
abandono os lares 
sem armadura

você que me fere 
e me trama uma tensão 
suor que se alastra 
e se entranha pelo chão

este espelho 
opaco, rasgo 
esta cicatriz 
sou eu que abro 

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

ama-me a desmemória

ama-me na primeira hora da manhã, 

o instante no qual o céu toca delicado 
as espáduas do Mediterrâneo. 

nesta claridade sonâmbula 
da tarde a faísca urgente da eternidade 
a neblina, o estilhaço. 

ama este lodo em mim cativo, a poeira. 
aquilo o que no esquecimento reluz

ruindo.  

ama-me na escuridão a hora última.