quinta-feira, 25 de abril de 2019
Romântica
me apareceu o romance
parecia que eu tinha lido
frente e verso
e estava pronta
para o horário do lanche
decerto por tédio
demorei meia hora no café
a livraria permanecia intocada
eu era a única naquela Babel
exceto pelo romance
depois do teatro
era a hora da lotação
por movimento me sentia literária
me perguntavam
o que você tem lido?
eu quis falar do romance
muita gente atravessava aquele vidro
e eu permanecia intocada
exceto pelo romance
segunda-feira, 22 de abril de 2019
narrativa em primeira pessoa
havia bebido o bar inteiro àquela hora
além das vinte e duas e dos anos
batiam também os dois pés
na poeira e ao redor das pedras portuguesas
a vinte mil léguas terrenas
meu amado retumbante aguardava sentado
eu me pergunto até hoje porque
mas por algum motivo estávamos predestinados
a olhar ao redor e só encontrar os próprios olhos
depois desse encontro fugíamos do afrontamento
por mais que seu rosto fosse panorama principal
visto que por puro romance
deixávamos para a poesia
o desfecho: dois quixotes isolados
é verdade ao amá-lo assim
me faz a solidão amante completa
depois nos encontramos através da narrativa
eu ficava rouca de vontade: lançá-lo ao mundo
e me sentia pura ao olhar seu corpo
descrito por minha delicadeza de amada
às vezes me sinto egoísta
por amá-lo sozinha heroica
e por usá-lo como tinta
na boca de uma obra discreta
assim como se pintura por dentro
me enfiasse o pincel a relevo
mas se leio a proporção desse delírio inventor
imagino que talvez estivesse aguardando
àquela hora o meu amado a intervenção de um narrador
civilização
há um homem que torce os dedos finos fios de aço debruço enfeita o chão monumentos da terra pelas mãos do homem a essa hora o vão do metrô bambeia e da porta o dia percebe o caminhão de pessoas embotadas de civilidade há uma moça que pára para abotoar o sapato levemente olha para os dedos do homem e torce a cabeça
o barulho da sirene afoba o barulho dos sapatos na terra a serpente segura com as lâminas à boca uma pedra esverdeante o relógio dorme os braços peludos senhor de óculos armados a sirene se afasta poderia ouvir a moça ir embora me pergunto até quanto vale o seu sorriso e ofereço um cigarro
da varanda o cachorro molhado se esfrega na toalha as cores das pedras são nomes líndissimos a tosse embarga o som do motorista as flores são vendidas em lojas de flores parece que o tempo acabou primeiro conosco a mosca aparece à noite em cima do café da manhã parece que nem o céu quis se abrir há dias que o dia amanheceu faz muito frio quando faz frio as calçadas foram asfaltadas
quarta-feira, 17 de abril de 2019
trocamos apenas um único beck
era único o modo
como dedilhava a mesa
à frente 1, 2...
e me passava o beck
quase deslizava
era pois então que tremia
além das feições
a inclinação do corpo
éramos monumentais
expostos e risíveis
a quem visse anunciaria
como quem interpreta uma obra
dois miseráveis intocados!
por dentro das janelas laranjas
um anjo viria
é uma só moldura inacabada!
era certo que respirávamos
devido à cortina de fumaça
estendida dos pulmões ao silêncio
no entanto o estado de estática
paralisava até os eufóricos
ao redor da mesa
tragados pela cena metódica
de uma única tarde laranja
quinta-feira, 11 de abril de 2019
a previsão é de agora
a gente tá esperando que a casa não caia, que a festa não acabe, que chegue na hora e o busão pare, que o busão não atrase mais uma vez a gente precisa chegar na hora. que a hora chegue, aquela esperada, os pombos cagam a gente já sabe, mas que não sejamos o alvo, nem dos tiros, nem da faca amolada. a gente tem que aguardar molhado da cabeça aos joelhos e pede correndo pra algo além do tempo mudar.
domingo, 7 de abril de 2019
atterrir / atterrare / terraplanar / flat-landing by gyzelle góes (in. Amante, 2019) [trans. ramonvldiaz]
les dévastés fous
comme ça nous obtenons la revanche
des chansons émouvantes
cela nous a obligé à dormir
pendant que nous avons secoué les ailes
et indiscrets mots
nous sans pitié
palpitant dans le ciel statique
soif d'atterrissage, neutre-enterré
[ita]
nostri cuori e farfalle
devastati pazzi
talmente abbiamo vendetta
delle commoventi canzoni
questo ci obbligava a dormire
mentre stavamo a oscillare le
ali e indiscrete parole
siamo spietati nodi a
pulsare nel cielo statico
assetato di terra, aterrato
[esp]
nuestros corazones y mariposas
insanos devastados
de modo que nos vengamos
de las canciones movedizas
que nos imponían a dormir
mientras debatíamos las alas
y las indiscretas palabras
somos implacables nudos
pulsando en el cielo estático
sedientos de aterrizaje, terraplanados
[eng]
our hearts and butterflies
raging devastated ones
thus so we get revenge
for these quicksand songs
that push us to the sleep
while we shook wings
and careless words
we as ruthless knots
throbbing in vanilla sky
thirsty for landing, flat-landed
insanos devastados
desse modo nos vingamos
das movediças cançoes
que nos impunham a dormir
enquanto debatíamos as asas
e as palavras indiscretas
nós implacáveis
pulsando no céu invariável
sedentos de pouso indiferentes à terra
link: https://holostasis.blogspot.com/2019/02/atterrir-atterrare-terraplanar-flat.html
selvageria
adormeço os sonhos
acordo infinita de silêncio
selvagem
insisto no poema
ainda que a poesia
tenha desvendado horizontes
ontem não recordo
encontro presente
cadernos cobertos de palavras
datilografadas no azul
teremos o tempo do mundo
e a coberta do dia
encerada no sorriso
e nas despedidas
enfim sonhamos
as ruas desviam os nomes
e a fome de ontem
pintada de azul
a cor silenciosa
adormece dentro dos sonhos
sob a voz de um gesto
por afeto por dentro dizia eu sou amor
diziam das coisas do mundo da arte
diziam o nome do champanhe e do vinho
eu tomava a goladas cada gesto
do pingo na gola e do risco no sapato
os sapatos eram largados e firmes
a gota se desfiava no pescoço
era bonito o nome do filme que projetava
mas no entanto esquecera do nome
de que voltaria à casa
e de mais alguns instantes
era possível que não voltasse
àquele momento
poesia agora
e que imaginasse a cena antes de acontecer
mas durante a galeria por dentro
sentou ao chão com sua mãe ao lado
e escutou o coração da poesia dela
dizia amor
eu sou
era tão bonito a palavra em sua boca
que enrugava meus braços
e dizia afeto
realmente aquele momento
terça-feira, 2 de abril de 2019
Aurora
a gente se espreguiçando no sofá
o couro as costas
o jeito do tempo se alongar
dentro do poste
refletido no espelho do relógio
a gente de um jeito destemido
determinadas a cultivar a manhã
dentro uma da outra
assim como dois é par
a noite se estendia por dentro
quando o sol gritasse aos olhos
que chegada a hora
fosse preciso do sonho
o gozo através da Aurora
nos veríamos outra noite
em outro couro
prestes à preguiça
acordar em um sonho
dentro uma da outra
em pleno orgasmo
era perto do inverno quando me disse
da quentura ao abrir a boca,
a maçã doce na boca da lua
enluarava também os meus
o corpo do sofá dormente
de propósito decido erguer o meu
abro os olhos à noite
e encosto o coração
na bancada fria
esquento os pés à pé
de longe as garrafas
brilham na luz da boca enluarada
meto os dedos entre a brasa,
doce de maçã na boca,
queimo como em pleno inverno