domingo, 31 de março de 2024

castelo no mar

desde que pousei ao mar
a minha face se embaralha
com o novelo
das ondas

confundo o meu reflexo
com o perplexo
gozo de Vênus

uma alga-vida
se consola nos meus ombros
movediços, viscosa

onde será que eu naufraguei –
busco antes da terra
a boca: a asfixia

das tormentas ao mel da poesia
construo o meu castelo
                         [atraco nas costelas de Poseidon

sábado, 30 de março de 2024

um milagre nº 2

você que me aparece

com os olhos de costurar 

solidões 


venha me dizer 

se você está pronto 

para morrer sem fama


pois, eu estou, meu amor

apenas com uma caneta na mão


e isso eu te garanto, será 

o nosso único milagre 

quinta-feira, 28 de março de 2024

Primeiro beijo Nº2

Ney Matogrosso, em uma entrevista, 
diz que ao beijar Cazuza
pela primeira vez
ao seu redor o mundo desapareceu

Fico a imaginar entre você e eu
sobre o primeiro beijo 
eu indo dizer – 
depois dele o meu mundo nasceu

terça-feira, 19 de março de 2024

pretextos

I. 
com a solidão colorida 
dentro do bolso 
presa ao zíper da bolsa
me autorizo a sair sem documentação
apenas nas mãos uma luva 
para não manchá-la, 
a solidão

II.
a devoção é algo negado aos profanos
o que me parece sórdido
tudo o que amei,
amei ardente 
com os dentes 

III. 
embaralho 
tudo
e tudo
apenas 
me encaixo  

segunda-feira, 18 de março de 2024

algo me diz

1. 
algo me diz que não é karma 
apenas não fui embora mais cedo 

2. 
algo me diz que não é paixão
é desalinhamento de chakras 

2.
algo me diz que não foi destino
cruzei a esquina errada 

4. 
algo me diz que não era para ser 
mas se foi 

domingo, 17 de março de 2024

o café da padaria frio não é uma metáfora

deslumbres catastróficos,

a espuma das teorias,

– meteoros programados 

para o dia de hoje,

o ontem que fora adiado, 

ou a desventura dos sessenta 

graus e meio? 

cérebros desmanchados,

nossos rostos cor de laranja, 

(que imagem fresca me vem à palavra)

sopa sem calor, calor. 

dos rostos contorcidos 

acho que escapamos por uma vírgula,

café frio da padaria,

poderíamos chamar de ironia, 

                  neste imoral calor 

mas é apenas um puta humor. 

quinta-feira, 14 de março de 2024

faróis-faíscas

sob a luz de dois quadros acesos
na multidão de nosso quarto,
curto-circuito:

nossos olhos aprisionados à ilha,
faróis. faíscas. 

sábado, 9 de março de 2024

baby, eu quero o seu amor

eu leio as suas letras, as canções 

eu quero dançar a tarde inteira
até ver o sol se pôr 
no teu corpo

eu vou te dizer baixinho
o que ninguém nunca confessou

oh, o que ninguém nunca vai te confessar

porque, meu bem, com você 
eu quero dançar a tarde inteira 
até ver o sol de novo
do teu corpo se pôr 

eu leio os seus defeitos, eu o adoro 

quero que você me diga bem alto
o que ninguém nunca me confessou 

oh, baby, eu quero o seu amor 
baby, eu quero o seu amor 

quarta-feira, 6 de março de 2024

estou com uma ferida 
no rosto do meu coração 
                isso é humanamente impossível

ele zomba da minha metáfora 
é apenas um modo de especular 

você deveria me levar mais a sério
eu o respondo antes de sair 

nos reencontramos no elevador
                  você não vai entrar?

onze andares e nenhuma troca de olhar 
nenhuma fala 
nenhuma 
vontade de chegar ao primeiro andar 

andamos na mesma direção
por ruas opostas
ele entra na loja de capas de celular 

olha para trás 
                   você não vai vir atrás? 

entro logo após 
                   em que posso te ajudar? 

estou com uma ferida  
na face do meu celular 
                    isso é tecnologicamente 
impossível 

terça-feira, 5 de março de 2024

Primeiro beijo

Ney Matogrosso, em uma entrevista, 
diz que ao beijar Cazuza
pela primeira vez, o que soava banal 
fez o mundo ao seu redor desaparecer  

Fico a imaginar que entre eu e você,
sobre o primeiro beijo, anos depois 
se questionada, em uma entrevista,
eu diria – depois dele o meu mundo surgiu

sexta-feira, 1 de março de 2024

A noite eterna, Judith: botar fogo

O arquivo, introspec-ção

De nós e quando memória, vejamos 

A história, a língua, a tua voz que

Preenche todos os espaços 


Dos mais recondintos não imaginados

que assim nos apresentam

Lúcidos, escandalosos

as suas camadas e camadas e camadas

de potência e mistério 


Rastros, imaginários


Inscrever, estar+ nos 


E a nós que nunca estivemos 

À noite, dentro da noite,

Por mais que estivéssemos a todo tempo

Dentro, dentro da noite. Em nós.

Mas cada noite antecipa a

Luz, possibilidade de luz,

Discreta ou radiante

Se possibilidade 


O que somos nós? 

Um rastro?

Uma luz?


Transa, transa, transa 


Eu transo com você. Convosco – 

Sempre a botar fogo

.


Ananda, Gyzelle e Henrique 

dez mil sonetos sem matéria

entre as paredes de nicotina
decido – é óbvio 
por incendiar mais um cigarro

olho para a minha mão
é tão perversa 
decido pintar 
as unhas

depois que uma angústia
me acomete o núcleo do peito,

olho para a minha mão
é tão singela
poderia caber 
dez mil sonetos sem matéria