terça-feira, 25 de abril de 2023

anjo sem órgãos

i

me dói as tripas,
como me dói a vida, meu deus! 
recordo a ti ninando o meu berço,
clamando por leite materno 
eu te peço o peito para me encolher 
sem queixas, ausente disto viscoso 
o que vibra das minhas vísceras.

eu quero um colo, meu deus. 
eu que me lembro de ti 
nesta hora sem data, sem hora
me converto em tuas mãos 
um caracol
sem cobertas,
apenas um último sono. 

ii

apenas um último sono
e eu seria a menor mulher dentro 
de uma cama, sem choro
sem queixas, apenas um sono
daqueles que te chamam 
à meia-hora da hora sem fim, 
quente como devem ser as crianças 
puras, como me dói e se eu pudesse 
ai, se eu pudesse! eu te entregaria 
o meu corpo ainda úmida. 

ai, se tu me entregasse o meu corpo 
de volta! sem órgãos, sem lenço 
apenas as tuas mãos mudas,
rubras, cobertas rugas e versos. 

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