quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

estudos sobre a tradição

deixo que amofine só 
a versão do verso 
ao sol 

palavra contraditória - intransigente

ferina & caninana 

se 
estivéssemos 
em Roma melhor rimaria

embora 
esteja só 

a escapar das transmutações 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

ao amor os primeiros passos

aprender a amar como um bebê

se apega ao balbucio da palavra inaugural 
engatinhar 

ao amor se agarrar

assim feito ao preferido brinquedo, único 

tocá-lo como quem risca o rascunho
a punho 

lúdica imagem de uma sombra iluminada 

à primeira vista, vez

pisar a terra intocada, primitiva 

amar como quem ensina ao mundo sobre 
a si mesma 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

deleite

ao abraça-la sinto como se 
uma catedral me cobrisse de aquarela 

à meia-tarde do século XXI 
esfrego as mãos ao rosto das folhas 

há tempos que perdi a arritmia,
o rumo e a melancolia
ainda que ouça o sino atado 
ao pescoço das amuadas taurinas

as carrancas expõe as línguas
o vocábulo me foge, 
ainda que não vos escapasse 
seria o silêncio imperfeito

você deleitosa sob o rosto incolor 
me cega de cores da imaginação 

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

cárcere

a sombra retorna
feito um cão farejador
do seu rastro à sombra 

cuidado, meu amor
há quem se livre da angústia
achando-a tapá-la os olhos

se o próprio tempo
tem o seu cárcere
o que dirá a face de uma memória? 

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

cúmplice

desconfio da minha cúmplice. 

Vallejo e Rimbaud puxam o meu pé
e os mosquitinhos
invadem o meu café, 

manchas de pratos vazios no colchão.

demorei um tempo considerável 
para aprender a escrever o meu nome, 

as outras crianças caligrafavam 
com agilidez e fluência. 

aquela escola era tão catedrática 
que até hoje só sei do seu pórtico. 

eu, que sequer a compreendo além do risco. 

toda vez, toda vez, soletro 
o café ficou severo e frio. 

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

arquivo

vento da paisagem
lânguida, a face
despida do amanhã 

restaurada pelo
porta-retrato.

ardor
da noite introvertida
você, o tempo:

memórias cobertas por flores. 

domingo, 4 de dezembro de 2022

poemas movediços ou contradição

o meu silêncio fura o chão. 
há quem suponha que estávamos
enterradas, no calo de um dromedário

eu não digo estarmos contrariadas. 

o suor nos descia a depilar as costas
e a deformação das palavras. 
eu que abro a boca para calar
a sede, derreto o copo de plástico. 

o caju me interrompe o soluço
arenosas imagens, mulheres 
em uma ampulheta às horas gravadas: 

reflito o meu deserto real-imaginário.