sábado, 31 de julho de 2021

encaixotamento

quero ver 
se você tem 
ânimo 

resistir 
ser esmagado 

minha sombra
dentro do meu pânico
dos lugares fechados

é que encaixada 
ao seu corpo
eu só insisto em existir 

quinta-feira, 29 de julho de 2021

coberta

está muito frio para tirarmos a roupa
vamos abrasar os olhos
me deixe imaginar a sua pele
nos dias de quentura 
a temperatura que seria 
nos compre um vinho qualquer
hoje queimaram a Cinemateca 
estão incendiando o nosso filme
mas está muito frio para sairmos 
acabar com eles 
as mãos escorregariam
das luvas nos pescoços 
mas o seu corpo eu já imagino
o suor que seria à 40°C 
está muito frio vamos nos cobrir de vontade 

segunda-feira, 26 de julho de 2021

fantasía

caminhar à borda do sol
sorvete de nuvem na língua

o seu braço como laço arco-íris 
enfeito de sombra a luz 


bússula

desafiamos a velocidade das mãos 
crescendo dentro dos domingos

uma rosa a ponto de fugir 
o rosto tremendo na sombra do fogo

o teu coração o tamanho da onda 
alucino na rotina do tempo 

sexta-feira, 23 de julho de 2021

ex-tou

fritar 
as batatas 

lembrar de você
declamando eu te amo

como se fossem as únicas
coisas do mundo

as batatas
e os amores 

eu
não sei quem somos 

um dia na grama da praia em que fomos conversar com Deus

o mundo 
tão violento
os meus pés 
o mundo 

me olham 
sem a sutileza
sussuram 

olha só aquela 
felicidade aguda 
olha só aquela 
criatura besta 

violeta

recorrer aos olhos, 
n'um dia de sol 
fazer chover 

testemunhar da flor 
úmida o nascer

nuestras miúdas 
alegrias violentas. 

segunda-feira, 19 de julho de 2021

moldura

no teu peito
eu abri uma cova
com as mãos 
em forma de Vitória Régia 
nos enterramos 
e quando abrimos
os olhos polvilhados por Terra 
vimos os girassóis 
que Van Gogh pintou 

perder a mão

você acha que esse poema
ainda deveria nascer
se te parecer 
incompleto
por acaso
diga se não perdi a mão

mas é que a fratura
tomou conta do meu ser
e os meus poemas
mais parecem cortes secos

você acha que nós 
ainda muito prazer
morreremos 
por acaso
diga se não perdi a mão 

o eu

nunca estive
tão distante
do outro
tão próxima 
do eu 

estou bem
mais
acompanhada
como nunca estive 
eu disse 
não quero ser o centro
da sua frustação

mas olha só 

onde estou 

domingo, 18 de julho de 2021

metá metá

se escuta o ruído metálico 
das mãos a esfregar 
os óleos das superfícies

se roça os ouvidos 
rente ao areiar dos pratos
da noite passada 

suspeita, limpidamente

da água pegajosa dos olhos 
de prata disfaçada da noite 
que avança, transparente 

sábado, 17 de julho de 2021

terminal

não gozo
de pegadas 
de outros corpos
além do seu

atravessando as minhas vias 

sucumbir-me

debaixo 
dos teus panos
o mapa do Brasil 
não revelado 
por dentro 
do teu músculo
o oco
o cio 
o ciclo 
ainda desconheço
se caibo dentro
de ti em algo 
e mesmo se soubesse 
sucumbiria 

quinta-feira, 15 de julho de 2021

rasgar

poemas
até chegar

a você 

até cruzar 
a costura 
irremediável 

na ferida no tempo 

peito do pé

escrevo 
sob o seu dorso 
do peito
do pé 

calçada 
à mesma 
estrofe
que o poema 

nunca vi coisa
mais arisca 

segunda-feira, 12 de julho de 2021

a força da minha poesia
está 
no fim 

antes de mais nada

custei a descobrir
que horas era a hora
de voltar para casa
me custou quase tudo 
apesar de eu não ter tanto 

mas ainda tenho vontade
de que esse poema fosse uma voz
e que eu tivesse voltado
um pouco depois
de descobrir o que é o silêncio 

duas foragidas

eu e a minha solidão
recém soltas 
pela palavra 
saudade 

incertezas

acordei por pouco
suspensa
no parapeito
no peito de algum 
desconhecido 
o seu nome
se leu algum poema meu?

parei para escrevê-lo 
antes do salto 
daqui a altura 
me parece incerta 
me sinto maior 
embora

não alcance 
a medida do controle
desconfio
roubaram as horas
os bolsos estão leves 

penso em perguntar
em que ano estamos
mas hei de concordar 
que não importa

agora
o que devo saber
é se esse corpo
ainda é meu 
antes de levá-lo 
embora 

esteja muito confortável
no precipício
talvez
dormir de novo
me pareça o ato
mais seguro no entanto 

antes de morar o sono o sítio

os pássaros
bicam e bebericam 
a nossa casa 
solidões 
na porta das bocas 
repousadas

achei que nunca nos situaríamos. 

quinta-feira, 8 de julho de 2021

mapa-mundo


penso se posso suportar 
esta solidão
deste lugar na terra
tendo um coração tão delicado 

cavalgar a estreitar a rua
esta pedala atravessa o corpo - 
o meu desandado 

se o rosto ainda de lado
reage à contusão
do tempo
e das mãos
lentas dentro de um navio  

da longitude te vejo
ainda uma miragem
que flutua
sob as nadadeiras 

nada é sem eira
resta o pouco de vista 
encontrada em você

um mapa no meio do mundo
pedindo que eu siga 
embora não diga 
à qual direção 

segunda-feira, 5 de julho de 2021

a portaria do hotel

pressiono a porta 
vermelho-tábua 
intento abrí-la 
o garçom enfurecido diz
com a cabeça 
não é permitido
insisto em fumar 
lá fora 
me segue 
com o dedo duro
eu impressiono 
e alguns me olham
com dureza indiferente 
todos voltam a comer
amanheço no tribunal
uma mulher pisca 
e me dá o cartão
diz que tem entradas 
para o museu
todos se voltam 
aos seus pratos
vocês não sabem mas
tudo o que carrego está sem fome 

escrevo longe do antes

não há 
despedidas
o que guardamos 
dentro das pernas 
das cobertas 
retorcidas?

no almoço 
de família 
ouvi dizer 
que as coisas 
sempre estiveram 
distorcidas

só não eram noticiadas...

penso no teu contato
não me deixo encostar 
no banco da frente

as coisas sempre são
quem devora a distância

sexta-feira, 2 de julho de 2021

morte delicada

não sou tão delicada
quanto a morte 

enfim vão me olhar
com a ternura 
que nunca ousaram 

vão me olhar 
no olhos
como nunca ousaram 

o amor recluso 
o meu coração 
            batendo
a morte 
            bate 

que seja a delicada 
pegue minhas mãos de gelo

acompanhe 
os meus não pecados 
à boca do inferno

quero o que a delicadeza 
fez com as flores 
neste inverno 

à tarde

ele me perguntou o que era o passado

o café passando na máquina 

talvez 
o que sejamos agora 

quinta-feira, 1 de julho de 2021

lira

o que há de mais arqueiro 
em seu olho de Cérbero
é que quando eu desvio 
os meus inquietos 
você sabe ver 
onde é a saída