segunda-feira, 30 de setembro de 2019

venham sentir o milagre acontecer

o dia acorda enveludada lua de cortina plácida, talvez tenha esquecido de dormir,
talvez o ácido das balas comestíveis tenham socado bocas, e retalhado a curva do corpo das pessoas,
nessa revolução a manhã inacreditada por um milagre aparece, os olhos com brilho das constelações são os cintilantes da terra acesa,
os ferros são cada vez mais moles, os arbustos tristes, e a felicidade na boca da criança que ainda chora,
hoje a gente escolheu sorrir, a poeira levanta, o milagre acontece mais uma vez

o que mais poderia te dizer
poderia sair e simplesmente deixar
desde então nos desconheceríamos
e quanto a isso eu não vejo problema
a gente poderia se conhecer de novo
ou simplesmente entender
que a gente é como é
e deixa pra lá
o que mais eu poderia dizer

domingo, 29 de setembro de 2019

felicidade

hoje voltei às mensagens
li a parte em que me dizia de um sonho
o sonho que ela teve conosco
depois você sumiu
eu lembro da gente de frente à cristo
de mãos dadas
e dando um beijo
a gente se cuidava
e via o mundo nos olhando assustadas
nós nos encontramos mais vezes
mas foram poucas e imensas
quando eu me despedi primeiro
lembro do desespero
é difícil acordar no dia seguinte
mas nós conseguimos

vim a ti

era um museu de novas novidades
era isso que faria
estava na literatura
tocava e analisava os rabiscos
o poeta dizia sobre si
e os labirintos
repetia os gestos
como se saltasse a cavalos
cada milímetro de palavra
contada e estreita
o sorriso do poeta
era um anúncio da poesia

sexta-feira, 27 de setembro de 2019

vamos fugir

a fama e a poesia na minha boca
e mais algumas coisas
que eu fiquei de contar
me instigo com as imagens
sou capaz de narrá-las distraída
cada aceno dado é como se me
despedisse da partida
é nessa hora em que a vida pisca
teus olhos dentro do carro
eu à toda por hora

nesses instantes a vida é capaz de ser contada

quinta-feira, 26 de setembro de 2019

paixão

lembro quando o poeta me dizia
que muitos se apaixonariam por mim
acho que ele dizia de mim
que eu me apaixonaria muitas vezes
eu sorri como de costume
e achei que ele estava apaixonado por mim
enquanto eu me apaixonava por outro poema

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

mel

gostaria do cheiro docinho
das primaveras respirando
por debaixo das pernas
seu beijo profundamente viscoso
desse choro eu molho cidades
a minha se alagou
e durante dias ficamos debruçados
a vida é uma aventura
eu pego meu rumo
gostaria de uma parada
no meio da estória
faríamos disso uma vida paralela

terça-feira, 24 de setembro de 2019

simplesmente

meu jeito é simples de dizer
mas ao lado do mundo
as palavras são como sonhos
e eu as imagino
criei uma linguagem
e acho que a gente se comunica
é que eu tenho um jeito simples de dizer
que eu acho que a gente tem tato

volto à você

dessa vez eu comecei pelo título
bem sabe então que me refiro a voltar
e não apenas no tempo, na memória,
no espasmo, eu volto à você

é preciso que saiba que quando desço a ladeira
eu também volto à você
mas eu até me espanto do quanto que me esqueço
eu lembro de você quando subo a ladeira

mas eu volto à você porque você existe
em algum lugar e aqui
onde estejas você está
então eu sempre volto à você até em mim

e pode parecer efêmero dizer que o nome da rua
se chame fonte da saudade
e que a praça da rua é onde eu ia brincar
eu lembro de nós dois nos despedindo

volto à você por estar sozinho
e nós sempre estivemos
volto ao sentimento que surge em mim
é nesse momento em que você está aqui

sinto muito novamente

eu seria muito boba
ou muito sórdida
se não me expressasse

analisamos os modos
e todos ultrajantes
a poesia dizia de uma linguagem
comunicada pelos sensíveis
eu sou da sensibilidade

lembrei de quando a gente se comia
com o olhar daquela noite
com os olhos

mas me perguntaram se eu estava contente
disso eu já contei
mas é preciso que me repita
e eu seria muito louca
se não respondesse com um sorriso

estamos agora sorrindo
mesmo que a graça não esteja presente
mas a gente sorri
e eu gemo sozinha

e fazemos outras coisas também
voltando a mim
eu gosto de falar
em geral isso é também sozinha
e as pessoas se espantam
quando me vêem calada

eu gosto de ficar em silêncio também
e de escrever sem que me preocupe
gosto de ser lida
e que a minha linguagem
seja permitida à tradução

só não me pergunte o porquê
eu poderia te dar tantas respostas
mas tenho preferido não me apegar
àquilo que não procuro

e eu me despeço
com um sorriso
e novamente sinto muito

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

o tiro têm vindo de cima

são vazios 
pela manhã
os abandonos,
não que a praça
esteja sem vida
mas as crianças
não querem mais correr,
correr para onde, pai?

aqui de baixo
onde o inferno
é mais perto
o atormento
dos helicopteros;
você também ouve
de perto
vindo de cima
dizer com
dedo apontado
pra cima é castigo,
"pai o que eu fiz
para acordar com barulho
de tiro?"
meu aluno me perguntou
se eu queria um filho

o silêncio apavorado
da cidade aperreada,
amordaçada,
silenciada
o barulho é de metal
pólvora e boca cheia de formiga,
se protestarmos a chance
é de levar paulada,
ou de sair da pista,
ou de sumir sem pistas

a demora do trânsito,
da ambulância
e do socorro,
mas o povo no choro
"me ajuda!"
criaram a culpa e
nos têm colocado a culpa,
nos fizeram assumir
a culpa,
e querem nos punir
nos querem culpar
por existir

mas o povo não deixa
de ter alegria,
ora pela segurança divina,
a tristeza esquece
e dá bom dia,
mais um dia,
mais um dia,
fecha os olhos
mais uma vez
o tiro vem de cima

acorda

dirão que estás aos pedaços, apontarão a teu corpo dizendo que se arrasta,
que tua postura é bamba e que te derrubariam com um sopro,
(sempre pelas costas)
contarão vitórias alengando tuas derrotas, e dos teus prazeres gozarão se fizerem doer a ti,
assim que acreditar que estás perdido, e que os olhos estão vendados, apontarão o precipício,
dirão que lá é o lugar seguro para pessoas como tu,
só não serão capazes de enfrentar teus olhos quando acordar

domingo, 22 de setembro de 2019

quantos sorrisos?

existe bala perdida?
não existe bala perdida
não existe isso de não ter responsabilidade,
não existe isso
bala é bala
doce é doce
e não tem ninguém rindo
acabou a graça
a lágrima de uma criança
não é brinquedo

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

cuide não esquecer quando acordar

na infância amava suave
as flores luminárias nos jardins
sentia o verde do mato pinicando

e sentia a segurança das ondas
sendo arrastada dentro de um sonho
ainda é cedo para nos desperdiçarmos

descemos as escadas
do edifício de mármore comercial
o meu amor desesperado não tem medo
de esperar que acorde a qualquer hora
aguarda e recita poemas gravados

o meu amor é preciso e eu fico suave
assim como se não o conhecesse
como se eu ainda fosse aquela criança

terça-feira, 13 de maio de 2014


O sol permanece mais esperançoso do que eu


Escrevo pensando em você

O dia cheirava a jasmins, ambulantes e à tragédia, só o sol parecia feliz. A luz opaca dos olhos sonâmbulos dele sussurraram a lentidão do outono, olhos cor de hortelã, ardentes e tristes. O ônibus do metrô chegou mais cedo e o pegou para bagunçar a minha vida, eu inventei uma paixão pelo carteiro que nem sequer sabe da minha insanidade. Eu inventei o nosso amor tão bruscamente, em uma quarta-feira transbordada de rotina, porque a solidão é mais pesada do que mil cartas de despedidas. Comprei alguns cigarros e o senti ser tragado pela minha guerra, pelo meu cansaço. Afogo os olhos por um choro oceânico e desejo muito mais do que antes colocar os pés sobre o mar da praia mais próxima. Carteiro, eu gosto muito desse sol risonho que me ri, mas acontece que a noite sabe me degolar sabe ocultar o vazio já descrito no meu rosto entardecido. Longos segundos até o maldito semáforo anunciar a nossa despedida, não tive tempo de contar como mudou o resto do meu dia porque já estava perdida no labirinto daquela barba tímida. Eu só teria alguns versos e a lembrança daquela partida prematura a oferecê-lo. Voltei para casa depois da aula de literatura e sentei na varanda do meu prédio tedioso, tomei um copo de leite da cor da pele de textura pura dele e as minhas lágrimas salgaram a bebida. Desde quarta-feira da semana retrasada que não saio da varanda, ela está posicionada em frente aos correios, tem dias em que a minha esperança de vê-lo por alguns segundos é mais forte do que o sol de meio-dia. 

Não sei seu sobrenome ou se enlouqueci

       Gyzelle Góes

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

não sei se ainda me lê

não sei se ainda me lê
mas você deixou de percorrer
as palavras que te dizia
para decifrar silêncios em ti
nesse assunto a gente ficou sem
tanta coisa se deixa passar
enquanto o bonde também passa
e o dia tem se arrastado
dentro dos sonhos que a gente acorda
não sei se ainda me lê
enquanto tudo vira distração
enquanto as palavras voam
e nossas asas temporais
viro as curvas
e piloto o meu coração
disso eu falo sem que me distraia
e mudo de assunto
as canções são muito íntimas
e a cama nossa amante
sequer somos nossos
mas enquanto isso somos
e isso é muito íntimo
é talvez por isso pergunto
se ainda me quer ler

jogo de perguntas sem respostas

quem sabe a gente se esbarre
você com os amigos
e eu com amante debaixo do braço
talvez a gente se desconheça
e a cerveja venha quente
o dia estaria de muita ventania
o que me leva ali
nós nos perguntaríamos
assim como vai você
talvez a gente soubesse quem fôssemos
mas eu não saberia dizer
outra coisa se não poemas
vocês diriam quem é?

por onde poderíamos começar?

digamos admitirmos
que não seja simples
tanto a dizer
e a sentir
e a tanta coisa
e as palavras
não alcançam
já falamos sobre isso
muitas vezes
[e o começo nunca se sabe

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

vivo-morto

Vivo-Morto

mas é que eu não sabia por onde começar
então eu começava a dizer de poesia,
eu algumas vezes apaguei,
não o poema,
algumas memórias

ou foram apagadas,
disso eu realmente não lembro

foi do palco que ele apontou,
falou do céu e da primavera,
eu dancei e cantei
e me delicio com o mundo

gosto de ver as caras,
ando despreocupada as vezes
penso que estou tranquila
e convivo comigo mesma

gosto da imaginação das mulheres,
das mulheres,
do mundo
e toda a natureza

eu fervo o café e a manhã está ardendo,
algumas nuvens enfeitam as montanhas,
alguns lugares existem dentro de nós,
a gente nunca partiu

agora os músculos ficam mais relaxados,
embora a tensão,
vivo-morto,
um pouco se vive e se morre um pouco

domingo, 15 de setembro de 2019

o poema se alonga sobre nós

eu descubro através do poema
algum modo de me expor ao mundo
com a delicadeza e a precisão
de que amo e da infinitude do poema
em todas as coisas,
depois descobri que escrever
era um gozo
eu fui sensualizando
as palavras e me descobrindo,
através do poema eu me alongo
e não preciso ser parada
nem que me peçam para recitar
mais alto ou cantar mais baixo,
eu te falo pelo olhar coisas que
eu nunca falei
e que porventura quiçá nem tivessem
atravessado a minha cabeça,
a imaginação é muito fértil,
deveríamos semear as flores e
trocar o disco,
tem vezes que o silêncio é agudo
e a cor dos meus sonhos sob os olhos
transmitem ideias e lembranças,
eu pediria cuidado você não precisa
criar convicções sobre qualquer pessoa,
sobre eu estou me descobrindo,
o poema se alonga sobre nós

Escatotélica

Acho que vou cagar 

Ou ter um filho 


Vomitar o baço 


Escorrer pelos cantos 


Tremer e gemer 


A noite inteira 


Espremendo uma espinha 


Sentada no vaso 


Acho que vou sumir 


A qualquer instante 


Mais líquido sai de mim 


Acho que vou sair pela porta 


Sem bater 


Eu não quero acordar as pessoas 


Eu não queria acordar 


Acho que vou dormir 


terça-feira, 10 de setembro de 2019

volto à você

volto à nós 
como quem um dia nunca tivesse movido a língua,
de terno amadeirado
cabelo de corte curto
e curtindo os elogios dos apreciadores
da arte,
é verdade que eu dormi no ponto
fiz da cena uma brincadeira
tive vontade de te dar uns foras
e acabei saindo pela janela,
é que hoje estou viva e te conto
que fomos descuidadas,
a gente provando o sabor amar
e tentando achar alguma coisa
além de nós,
eu acho que foi aí que a gente
se desentendeu,
a gente quis saber que gosto era esse
que dava sensações à boca
e nessa paralisação o silêncio,
tão insosso
deu a gente o desgosto,
mas eu ainda gosto de voltar 
e de você

Cosmos

senti vontade de te escrever um poema imenso

não sei por onde começamos


se por acaso essa vontade não seja

por capricho nosso do passado


eu teria de me alongar até onde nós

nos falamos pela primeira vez


certamente me lembro de que não

parávamos de nos falar


dizemos de nós mesmas

o tempo que fosse preciso


tudo poderia acabar

se nós continuássemos


depois a nossa linguagem foi se modificando

é natural que com o tempo isso acontecesse


eu não estranho a forma

fomos tomando


muitas coisas ainda precisam ser descritas

muitas dessas ficam para trás e parecem bagagem


deveríamos deixar que ficassem

?


muitas são como papéis arquivados
em nossos cosmos

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

me sinto ansiosa o tempo todo,
lembro da época do colégio
que eu corria pelo pátio inteiro,
gostava de correr e de gritar,
gostava de sorrir bem alto
às vezes eu incomodo
às vezes preencho
às vezes só
às vezes sei lá
lembro das vezes em que eu assumia a culpa
e brincava de viver
às vezes eu dançava o dia inteiro
às vezes eu tinha de escrever

Gal

https://www.youtube.com/watch?v=0VkT_qOyYmg&list=RDrngznxG0H1k&index=7

se estou tão cansada?
digo quem sabe
oh minha grande obsessão
eu acredito em você
às ruas vou descendo
e pelas ruas
tomo um gole do drink
e não preciso de dinheiro
meu bem
quando entenderiam
que você me mantém viva
como buscariam entender?

narrativa

eu vou te atender
mas logo vou descer
as escadas rolantes
e acender este cigarro,
podemos ser breves
ou nos alongar por dias,
tragaríamos despreocupados
a conversa sobre alguma história,
nos interessaríamos por algumas capas
e entraríamos em alguma questão
que será inquietante ao mundo
e a nós mesmos,
dali por adiante
fazemos parte
da narrativa

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

talvez seja por isso
essa vontade infinitamente
indescritivista, esse som
pássaros penudos e queda d'água,
e esse apuro erguer a palavra
la palabra indiscreta
o gestual da língua molhada
essa água toda e esse som conforto
talvez seja por isso
e mais e até
nem foi preciso que abrisse
as páginas
mas a capa eu comi com os olhos,
amei com as mãos,
é um sonho viver dentro deles
em absoluta redenção,
curiosidade e abrigo,
os livros me devoraram

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

não somos apenas quem somos

teu descanso incontrolável
e o túmulo das heroínas
descampadas as minúsculas 
erguidas na delicadeza das flores
tu contempla só de cheiro
ao passar teu rosto erguido
miragem busto rebuscado
se amou foi solidão da palavra
e de gesto o amor te pisa e te afaga
assim soariam a teus ouvidos atentos
mensagens de maresia e concha
primavera calculada à desordem
caberia teu sopro e as lamentações
finda tarde quando recordar
o tempo e a ventania esqueceu de mover
teus cabelos escovados com rancor
é que o passado ainda retorna
como um filme programação remota
e os teus olhos de atenção ilustre
embaçadas transtornadas projeções
não somos apenas quem somos

terça-feira, 3 de setembro de 2019

caverna

sentia como se as luzes
dos túneis acendessem de meus olhos
caídos e claustofóbicos,
ansiosa pelo breu
ainda das estrelas
achara encontrar o fim
a luz e os contornos
da vida lá dentro do caminho,
e as flores do mal
a redoma de cristal,
exposta às luzes às heras,
revelaria escondida meu rosto
retratado aos olhos fechados,
diriam Ainda dormes
e eu digo novamente do sonho,
dessa preguiça de prosseguir
e mais algumas coisas
que são ditas soturnas,
apalpada pelos ecos
da caverna mitólogica
possivelmente dentro de mim