terça-feira, 22 de outubro de 2024

singular

tendo a ver o sol morrer, 

ontem ela me perguntou
o porquê na língua a linguagem 
do masculino tende a prevalecer

disse que teríamos que reaver
uma nova língua, ávida a responder 

uma língua que além do inconsolável 
estado de estar em segunda persona 
fôssemos indagação, informei 

temos de reaver o que língua não supōe.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

o teu silêncio embaraça a minha vista

o teu silêncio embaça a minha vista,

te avisto, meu coração investe 
em barulhar. o brilho desta vista 
insiste em mim morar. 

namoro a paisagem 
do teu vulto a marulhar.

me embaça com o teu embaraço,
marujo, meu destino é a nós embaralhar. 

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

retrato do eu

perdi o buraco da fresta,
a ponta da flecha,
a hora da festa

perdi o codinome,
assumi meu nome e sobrenome

perdi a chance de voltar seca 
e ainda de estar molhada,

perdi o acaso de saber 
o vínculo da estrada,

perdi tanto que cheguei até 
a esquecer o perdido, amá-lo,
idolatrando-o.

vejo que só uma coisa
não ouso dizer da perda,
porque houve um súbido encontro –

o retrato do disfarce do eu. 

torto cupido

vontade de te escrever 
um conto,

além do som 
do sim da paisagem, ir a ti,
um escrito que legitime o meu sentido,

[escritório da linguagem,
secreta, onde nos instabilizei 
a fala e o juízo. 

o teu não – nunca descrito,
a nossa mudez na sala. 

nunca fora apenas um rabisco 
mas o rastro de um torto cupido. 

terça-feira, 8 de outubro de 2024

valsa de outubro

há duas semanas não trocamos
sequer uma faísca. 

lanço os olhos à minha playlist
e antes da valsa de janeiro »
o sintoma de uma fraqueza 
infantilizada consome 
rígido os meus nervos, 

sinto que eu me livrei
de largar mais um hematoma 
de vinho sob o tecido de veludo marrom 
daquele sofá cinza-morno, macio
molengo e sorrateiro,

e que ele se libertou sinto «
daqui a textura da respiração prolongada, 
de simular um amor verdadeiro.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024