terça-feira, 28 de dezembro de 2021

lembrar de nós

I.

se algum dia 
porventura
houver a despedida
ela que não nos alcance 

embora espero 
que a nós  
se reserve o ruído metálico, 
saberemos das espadas 
lançando-se ao chão,

suspiraremos doces e sem vergonhas

II.

armo na rede dos seus pelos
o pensamento que se estende,

ainda penso será 
que algum dia

será possível 
ser capaz 

não lembrar de você? 

penso só 
se algum dia 

eu porventura 
também me esquecer? 

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

amorar

na época em que colhia amoras, 
olhava para o céu ruidosa 
pela delicadeza 
violenta 
do bico dos pássaros 
do meu peito
que vibra como as suas penas 

o surto do vento me alisa,
sei que o amar é um breve uivo
que move os meus fios 
o meu nervo 
quero te mostrar a cor das frutas
depois de mordê-las 

depois crescemos, 
miro as nossas faíscas
difusas no ventre da chuva 
quero que você vibre 
depois que o sol as nossas mãos 
notívagas formas sombrear 

sermos aquilo o que o amor madurou 

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

faço um pedido à estrela cadente

a solidão desta data 
é imperdoável 

congela
os meus dedos

corto as batatas
em finas lascas

o gosto do teu vinho
corta o meu sorriso 

eu queria que você
estivesse embrulhado 

mas não tenho árvore 
nem presente 

mas tenho enfeites vermelhos
as pestanas rígidas 

da janela eu te aguardo
a esperança é a última 

que cai 

terça-feira, 21 de dezembro de 2021

comovida

guardei uma foto 
dos meus pés
intraquilos 
na rede 
sou um peixe 
se debatendo 
meu corpo comovido

na memória da tua profundeza 

eu queria que você 

me dormisse 
antes de afundar-nos 

clarão

enquanto você estiver em mim
espero que o tempo
se torne uma fotografia, 

nossos rostos emoldurados
na boca dos túneis 
você, um flash no escuro: 

te guardo dentro dos meus olhos 

domingo, 19 de dezembro de 2021

conforto

tu sabe que o coração as vezes
é só um motor arrancando
a gente da cama

eu queria te levar a outro sítio
quem sabe dentro 
de outra cama 

quem sabe se a gente não fingisse 
que amanhã é uma desculpa 

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Sylvia

as vezes, Sylvia

eu acho que choraremos na banheira

toda a vida até que se acabem as águas dos rios 

e você não possa mais se afogar

assim, os teus cabelos, Sylvia

estarão secos na hora da nossa despedida 

domingo, 12 de dezembro de 2021

carneirinhos

recorro ao paraíso 
do teu corpo, 
de braços abertos 
do topo escalo o teu calcanhar, 

que miragem 
de uma memória
que eu ainda não visitei! 

para onde vão os carneiros 
que contávamos 
quando dormimos... 

sob o outro. 

dentro de ti, dentro de mim: 
nos situamos 
a imagem e semelhança 

domingo, 5 de dezembro de 2021

morangos

é tempo das flores dos morangos
cheiro o teu rosto
cheio do fruto
suculento
.
nunca estivemos 
tão pintados
como os morangos
no beijo de um bicho rosa 
você aborda o sol 
sem espinhos 
eu te ofereço 
a macia mordida
de um coração semente 
os parques 
esqueceram 
de nos convidar: 
fecharam-se 
as grades
abro a minha fruta, 
infinita ternura do estio 

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021