quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

aconteceu aqui

ainda vai demorar até que se consuma 
a sua lembrança em meus versos 

vai passar mais ágil do que a ala 
da mangueira na avenida 

mas depois de esquecido será difícil
lembrar o que foi você em mim 

é essa a dificuldade que eu sinto 
deixar que vá contigo aquilo o que 

acostumados à insônia

eu vi o amanhecer dos teus olhos 
no meio daquela confusão
os corpos estirados
as bocas falando mais do que as bocas 
o galo estirado ao chão 
o mundo é o caminho de casa
o vinho é companheiro das voyeurs 
a mais iluminada da noite 
é a vela que se consome 
você me olha da janela 
e eu me penduro em sua boca 
a gente deita sem gozar 
da noite que ainda se acaba 
em nossos reflexos adormecidos 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

é festa em todo o canto

me diz como acordar 
para os meus sonhos
enquanto ouço 
a emoção dos pássaros 
e explode esse céu de rosa lençol 
as rosas são tão doces 
no verso das nossas bocas 
as manhãs são mais alegres 
enquanto é terça de carnaval 
eu ensaio o refão 
e a gente sai para dançar 
a festa em nossas bocas
o amanhecer em nossos amanhãs 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

amasso

ainda me que me faltasse 
amante
debaixo do braço
água parada
permaneço somente a vontade
de poemas de amor

entregue cartas extraviadas
encontro no olhar do amor
a correspondência
torno a mim cada vez mais 
solidão

mas no ventre me revira
a ânsia de combustão
meu corpo vive
a vontade de outra 
matéria
mais preenchida
do que na cama papéis

vulnerável

o olho da noite dentro do fundo
do meu corpo me aponta,
o meu umbigo, fino deslize de nascença,
fita o buraco incompreensível
Ainda que pudesse descrevê-lo
seria descuido dar nome ao desvio
pois é que por mim corre água
de todos os gostos, a corrente desmorona,
dentro da fundura, me sinto encolher
em determinadas horas desabar

esse incorruptível vagão
a percorrer meus cantos, a boca,
fonte indecifrável de poemas tortos/torpes,
me intitulam disforme, possível fissura da pele,
acredito estar mais alheia a nós
do que estive e ainda há mais presença
de tudo o que há ou que fosse possível
marginalia, à beira do olho

ainda que fosse preciso
diria sobre a delicadeza
essa tão intocada, e perto dos lugares
em que deixamos essa vontade entocada
em algum lugar deixado para a hora mansa do dia,
para a noite branda do mês
no profundo do buraco do corpo me alisa,
meu gesto se retrai, tênue propósito dos indefesos

sábado, 15 de fevereiro de 2020

sinto sono mas ainda sinto poema 
e ainda não durmo se penso em te escrever 
passei dos vinte
e acho que me sinto mais sonolenta
ao mesmo tempo eu já não quero só dormir
é de sonho
e ainda quero mais Sol
mais Chuva
sem culpar a natureza
ou que tenha medo
mais livros
as estantes do meu quarto
apoiam as vozes
eu sinto muito


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

olhos de tempestade

A sacada da minha casa 
alagou de tanta chuva
tanta lágrima
Deixei a porta aberta 
as luzes do semáforo piscando
os carros que sobraram no asfalto
perambulam sem saber aonde ir 
porque o bar fechou antes das três

Um acidente aconteceu 
aqui na minha rua
nessa rua de pedras e mármore
o amor morreu
Passa o homem de terno azul 
com o chapéu todo molhado de seda
corre a moça com o vestido de chita
decorado com borboletas 
(sortudas borboletas encharcadas 
que colaram nos seios, pernas e barriga
dessa moça passageira) 

O rapaz de capa laranja 
passa cansado enquanto carrega 
os pingos de chumbo 
nos ombros 
e na cabeça
não reclama o dilúvio do céu
não abre o guarda-chuva
se tinha que guardá-la
que fosse em seus olhos

2014 

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

abre os olhos para não ver

tudo vai ficar tão bem quanto
um elefante calado no muro da sala 
tão suave que será possível 
descansar enquanto há tempestade
?
desmorona o bairro 
a natureza não vê cara 
mas tem a força da batida 
de todos os carros engarrafados 
na ponte Rio-Niterói

uma garrafa na Maré 
uma mensagem viajando no tempo 
o próprio reflexo 
desconhecido reflexo

até os olhos 
de tamanha cegueira 
vêem só o que querem 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

quando as respostas forem mais breves

podemos cessar
de impor nossas culpas
elaborar versos longos 
a fugir do buraco  

ou fingir nossas caras 
quando os abraços
hão de impedir
nossas convulsões

você me encontrava 
sentada no sofá 
fumando um cigarro 
e perguntava
aos outros 
se eu estive bem

eu ainda sorrio 
sem saber respostas 
às vozes 
e dos silêncios 
e o entre lugar 
desse discurso

ainda revido 
ao me levantar 
e busco o bebedouro 
mais próximo 
a sede e porta 
se abrem

e não sei mais 
o que é dormir 
quando deixamos 
de ferir o coração 
que é nosso 
e repete que ama? 

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

quando todos esses poemas forem esquecidos lembrarei de gravar teu rosto numa árvore eterna 
as aves ainda gorjeiam no pau do brasil e ainda são quentes as noites de verão vestidas pelos teus castanhos olhos
serão impunes as palavras que atravessam teus canais 

esse silêncio de consagrada ausência 
me afia e esteriliza os ramos 
usados para pousar no vento 
nas horas perdidas
dentro de frascos 
me sinto a lâmina sob o pescoço 
portando a delicadeza 
ingerida das rosas secas 
meu rosto ainda crônico 
ainda manuscritos boatos 
da noite pegajosa e de lustre 
os vultos são ainda mais calados 
mas ainda posso me ouvir
seria esse o silêncio de túmulo? 
ainda que me seja angústia 
busco o nome para os sentimentos 
ainda não revelados 

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Dorme, meu filho

Dorme, meu filho
pois a sombra reclinada 
é somente o encosto da cama
deleitando do teu descano

Tuas fraquezas, se expostas,  
rosto às luvas, se descubra 
o novo mundo
na palma das mãos

Verá que das mãos dormentes
erguerá taças, e se inclinadas,
estará a apoiar o rosto 
em desespero
mas que serão gigantes 
teus poemas

E há de encontrar face
a te perturbar 
a solidão não será
mais somente tua
mas de um desconhecido

No desvendar da glória
acreditará estar vencido
talvez pelo ego 
esse que te definha
talvez pelo gosto agridoce 
no caldo da boca

Dorme, meu filho
amanhã a gente sabe que virá
ontem você sabe que já foi
agora tens o sonho de um menino

sábado, 1 de fevereiro de 2020

distante do que havia sentido diferente da solidão desse poço chamado sentimento esfregando nossas mãos

os dias em que andamos juntas
me fez mais inteira, 
segurava a sua mão 
e recitava sobre cavalos-marinhos

difícil de imaginar sozinha, 
havia dias em que alugávamos
a nós mesmas projéteis 

mas eu preferia ouvir calada 
as suas memórias, 
os olhos de lentes panorâmica 
tateiam mensagens de alvo o peito 

eu via as lágrimas rápidas 
e imaginava uma inundação 
os dias em que andamos juntas 
me fazem mais sólida