quarta-feira, 29 de maio de 2019

flores impossíveis na cerca dos seus lábios

diário de uma vontade famigerada
retratar o gosto e o gesto dos lábios
apenas com adjetivos grandiosos 
se abrindo e contorcidos famintos 
de sentir eu diria impossível
não o sentimento impossível de lidar 
mas de não o sentir 
é nesse instante que me parece 
tão quanto possível 
narrar que gosto de ver você 
dizendo da inteligência
da própria 
assim como se fosse mais bonito
dizer que aprendeu sobre Baudelaire 
mas que ainda o poema
te pareça pequeno 
enquanto escrevo 

sábado, 18 de maio de 2019

amanhã agora de ontem

é passível antes do que se espera 
nós recorrendo às sentenças escritas 
e duras de silêncio proclamado 
através de um pedido que volte, 
não o tempo decerto que passa,
mas à vida um retorno imprescindível. 

por egoísmo ou quaisquer descrição 
nos prendemos ao corpo 
e abraçaremos a ideia de presença
desfigurada nos sentimos ausentes 
até às memórias passadas. 

de futuro o tempo se apropria 
a nos descrever mais uma vez 
o tempo próprio é findo nas instâncias 
que vagam por agora.

essa manhã não sei mas se pôr 
eu vou amanhecer em mais um sonho 
e se puder que me esqueça na cama 
estarei em tempo futuro.

é bem verdade a partilha


ontem eu te embarquei na minha onda
dizíamos sobre o deslize do romance
e das palavras impossibilitadas de dizer
possivelmente impossível pelas mesmas palavras no entanto
pelo susto me diria é esse o lugar
ah é verdade que o amor é um susto
eu diria é possível com a voz doce de uma romã madura e traria as verdes folhas de uma primavera imprescindível
a gente toda discute a tradução perfeita e o peito lambido arrepio de uma boca indefinida é verdade que o gozo vem depois de transarmos todas as minucias tua memória teu corpo descrito ainda incompleto é verdade que te quero entrando pela porta sem pedir perdão é verdade que descrevo teus passos com imprecisão não sei se retorna ainda hoje ou se amanhã nos despedimos

sexta-feira, 17 de maio de 2019

eu adoro tu em mim

adoro tuas mãos entrando em mim
eu pedindo mais líquido
teu jeito de me botar pra cima
e entrando
eu entrando
adoro o perigo de estar na tua
entrando em mim
dos pés à cabeça
abro a porta e bato depois
tu me recebe com um cigarro
e a gente queimando
vendo a noite se alongar
mais uma vez em nós
adoro muita coisa em ti
que ainda nem descobri
mas adoro mesmo assim
ver tu entrando em mim

segunda-feira, 13 de maio de 2019

vi teu rosto contraído
parecia que me dizia de amor
no engolir do choro
queria dizer que te amo
mas isso é difícil aos poetas
sem falar de poesia
aguardo que pergunte
qual poema te escrevi
poderia recitar esse aqui
poderia dizer que te amo

domingo, 12 de maio de 2019

hora dessas

a ponta da noite te penso aceso
teu sorriso ocioso
debruçado na quina do bar
penso em ganhar na loteria
fazer uma aposta
ou acreditar na sorte
penso em muitas coisas além
de ir a ti

esquina de casa
ou melhor da tua casa
decido não voltar à minha
entro como se fosse nossa
tiro a roupa e fumo um cigarro
tomo um banho e tomo seu corpo
não prevejo qual a ordem dos fatores
mas me altero a qualquer fato

nesse instante recorro à memória
e novamente teu sorriso
desde que me viu
subindo a rua
cinco vezes

tem coisas que é impossível contar
e se fosse possível
possivelmente eu não contaria
tem coisas que eu não sei dizer
mas se soubesse
provavelmente eu te diria

domingo, 5 de maio de 2019

solidez

não cabe a nós o soturno breu
cabível às palavras amenas
se repousa teu rosto à palma
encostada desterrada à solitude
não nos cabe o silêncio esperado
prostrado altar das divagações
se aliso teu sonho enquanto dorme
senta e espera que a balbúrdia
soará àspera novidade aos loucos
é tarde ainda aos que exaltados
aguardam que amanhã nos mova
límpida a vastidão preenchida
evocará os malditos bestiais
de asas arcaicas e leves
os homens apreenderão a recontar
as horas narradas em realismo
por pura vaidade de vida e caos
decerto descobrirão que não estão sós
até no silêncio da torre de cinzas
até mesmo no mármore do caixão
é nessa hora que a palavra
encontrará boca que a exalte
quando não nos couber saída

quinta-feira, 2 de maio de 2019

na bruma sob arquivos revisitados
crispei suas mãos inquietas
filosofava sobre o rasgo do verso
estendido nu costurado no tecido
era sobre o mago
abri seus arquivos
das bocas
dos panos engelhados

quarta-feira, 1 de maio de 2019

nesse instante
estou sem fôlego
ou ânimo
ou âmago
ou alguma coisa que desse paz
às palavras
nesse instante
decido desistir da poesia
por puro impulso
de querer o poema
de ausência alguma coisa
dessa paz
desencontrada
nesse instante