quarta-feira, 4 de abril de 2018

Saudade

Febre olhar enredado na colcha de rosa
Voltara-se fervilhada a estação
Sentia murchar das dobras do tecido
O restante de vida enrubescida

Apelara aos modos mais distintos
De pulverizar o sentimento embotado
Se por ventura ousada queimadura sob as chamas
Era de modo alvoraçado a quentura
A lhe cobrir até os pés

Tossia de modo impertinente
As cinzas que lhe cortinavam o corpo
Debruçada na mantilha da noite

Tardara a descobrir que se chamava
E de faísca conspirava o próprio nome
A chama inomeável

No intervalo das manhãs ferventes
Era relevante o engodo a chuva e o orvalho
Cantando-lhe sob o corpo sensações
Sentir-se flamada de verão

Desejava apagar em meio ao tempo
À qualquer exaltação de calor
Como quem nunca vira luz
Sentindo-a ferver

Dormitava feito botão fechado
Desfechos; sonhares calorosos
Fulgorava tarcituna no leito dos olhos

Bastava abrir ou fechar
E o tic tac
Era chegada a hora!

Inclinava-se que velasse em repouso
Soprar a porta um estrondo
Ergueria o corpo feito sol de domingo
Acendida pelo baque

Era bastante que surgisse
Assim como de repente lambendo
Toda incerteza de acordar aguardada
Raiar de um dia tua chegada

Um comentário:

  1. gusla da saudade - cruz e sousa (in. O Livro Derradeiro, 1961)

    Nunca mais, nunca mais esses teus olhos
    Palpitarão nos olhos seus honestos
    Nem hão de vê-lo em ânsias por escolhos.

    Ele morreu, morreu - e os mais funestos
    Lutos da dor feriram como abrolhos
    Teu lar e os teus - serenos e modestos.

    Que incalculável explosão de prantos
    Não inundou as almas preciosas
    Dos teus irmãos, da tua mãe - uns santos

    Que peregrinam nestas lacrimosas
    Sendas da vida, em mágoas, sem encantos
    Como sem luz e sem orvalho as rosas.

    Ah! formidável lei cruel da vida,
    Lei da matéria, da mudez das lousas,
    Da eterna noite atroz, indefinida;

    Tens o segredo intérmino das cousas,
    E nessa dura e tenebrosa lida,
    Oh! nem sequer um dia só repousas.

    Quem sabe, ó morte, ó lúgubre, quem sabe
    O teu poder fatal, desapiedado
    Onde se oculta e se resume e cabe.

    Pois nem que o céu puríssimo, azulado
    Cair aos pedaços, tombe e se desabe
    Na profundez do abismo ilimitado

    E a crença humana espavorida, em gritos,
    Palpando o nada, esquálida, gemendo
    Rasgue a amplidão de estranhos infinitos,

    Nunca da morte saberão o horrendo
    Mistério rijo e surdo dos granitos
    Os corações que vivem combatendo?!...

    Não! A Ciência penetrou, o estudo
    Do pensador, abriu mais horizontes
    Nesse problema silencioso e mudo.

    O pensamento constelou as frontes,
    Deu a razão o mais brunido escudo
    E construiu as luminosas pontes

    De onde se vai, com grande olhar, seguro,
    Atravessar as regiões sonoras
    Dos Ideais que irrompem do Futuro;

    E sem contar dos séculos as horas,
    E sem temer as mil visões do Escuro,
    Alegremente ao fresco das auroras.

    Mas entretanto, ó meu amigo, escuta,
    Toda a saudade, a grande nostalgia
    Nos deixa frios, mortos para a luta.
    Porque, olha, a morte é sempre uma agonia!


    um abraço

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