quinta-feira, 30 de junho de 2022

33mm

imagina você saindo 
na hora do lanche
para assistirmos àquele filme francês 
eu vendo a sua despedida

e eu esperando você 
fechar as portas
para sairmos 
na semana seguinte de mãos trancadas 

o barulho que você faz 
com as chaves parece o meu coração 
aqui dentro e ao lado de fora 

eu na vitrine te vendo vender com desconto 
outras despedidas 

e você lá do outro lado
atravessando para comprar um cigarro

imagina o nosso filme queimando
dentro de uma máquina
o café lento 

o amor é um roteiro que ninguém escreveu 

segunda-feira, 27 de junho de 2022

nuestras

atravessemos 
o sol da madrugada
portando flores 
prostadas em telas
e cores imaginadas

revelemo-nos 

anúncios
nas paredes das bancas:

o dia há sempre de se reconciliar 

domingo, 26 de junho de 2022

folias

atravessemos 
o fogo das pupilas
pularemos o inferno
o inverso, o chão, a ferida 

e que nos sobre 
aquela palavra 
que mesmo escassa 
escancare-nos, 

que nos atravesse... 

terça-feira, 21 de junho de 2022

tudo o que leio teu é como se 
fosse a primeira mordida 

se tivéssemos tido a história do beijo
mas eu te chamei para jantar 
à luz dos olhos

nós comemos berinjelas 
e poderíamos jurar que os peixes 
morrem 

e se tornam arroxeadas
as suas barbatanas

há quanto tempo você não faz as malas? 

toda vez é como se 
eu não te conhecesse

você é um completo estranho 

você se apaga 
você é uma notícia inédita 
dentro do televisor  

te vejo e você parece aquelas
caixas dentro de caixas
dentro de caixas
[vazio]
o que você deixou 

segunda-feira, 20 de junho de 2022

ocupações

ocupo os espaços que você deixou 
na companhia de um gato

quando a noite vibra 
como um telefone debaixo do colchão 

eu abro a porta devagarinho
e espio se você deixou 
algo além deste quarto 

alguma sinal do adeus 

assim seria mais simples 
ocupar-me de outra distração

a não ser aquela de 
ocupar os espaços que você deixou 

quarta-feira, 15 de junho de 2022

às margens plácidas

estou repleta de ternura 
como se por ocaso 

tivessem posto a minha língua
para deitar lado a lado à tua

todas as revoluções
e poemas já foram bradados 

mas às margens estejamos 
alinhados a minha lingua à tua 

domingo, 12 de junho de 2022

saberei a hora do adeus dizer-te

saberei a hora de te dizer adeus

embora tenha assinalado 
a manhã do dia 
em que estávamos 
marcados para nos casar 

saberei a hora e te digo adeus 

e você me contempla
com um soluço
de quem está confuso 
no centro no meio da faixa de bicicletas

saberei a hora do adeus 

e sem carteira me dirijo à porta 
com a delicadeza de uma pena
presa a uma flecha 

você se dá conta de que lançou 
de mão a brecha para se desvencilhar 

quinta-feira, 9 de junho de 2022

lareira

amar 
é como sentar-se 
à lareira 

contenta-te com a 
inquieta e deformada 
chama-
me

à frente 
dos olhos 

terça-feira, 7 de junho de 2022

ainda que se acendam

quero em teu corpo 
esfregar o resto da minha fraqueza 

em teu ombro 
estender para secar
as olheiras contornam o meu berço 

no dia em que um cometa roçou
em outro cometa
não por acaso

as noites tem sido mais vermelhas 

nunca mais se viu uma noite 
apagar-se por inteira

como quando partiste 

em outro cometa rente 
ao teu rastro 

            fosfórico 
ainda que se acendam todos os olhos

sábado, 4 de junho de 2022

o desterro

neste rio 
mora um nome: 
saudade 

estende 
os braços 

neste rio
deságua 
o desterro

a seca
o riso

algum lugar no qual desabitamos 

quarta-feira, 1 de junho de 2022

o amor é um cheiro que ficou

você retorna aos relatos dos teus dias
imaginários a desconhecidos 
papéis softs

você escapa das minhas unhas
como um cão das portas dos petshops 

e eu volto às ideias imaginadas 
de que as cartas, as extraviadas 
...

você se lembra 
de quando 
eu subi 
em você 
aquela rua 

que eu chamo de corpo e de saudade

eu sou uma indefesa escritora
em minha defesa 

aguardo a minha vez às vezes 
o amor é um cheiro que ficou para trás