quinta-feira, 31 de março de 2022

confusões

se confunde comigo 
e eu te mostro o que é o perplexo 

se confunde sereno 
o Zéfiro que farfalha 
e se arrasta dos meus olhos 

aproxima-te e sente límpidas as minhas
mãos

quero te dizer verdades 
que até eu desconfio 

(até o Egito caminharíamos 
medir se o tamanho do amor
mede e alcança as pirâmides
ou o torso dos dromedálios) 

quero te acolher e pedir vamos entre 
mesmo que tenhamos 
as chaves
ou as portas

possivelmente 
as pernas nos confundido 

sexta-feira, 25 de março de 2022

como quem espera do tempo

é violento o teu amor
e as bananas em cima da mesa
esquecidas, mornas 
hoje o dia estava marrom
o teu beijo de um gesto gelado
o teu peito quieto
eu achei que você acordaria 
antes de mim
nos trazendo o café
na cama o nosso gato
na mesa as bananas 
em cima do meu rosto a lágrima
fui dormir depois de você
achei que você me acordaria 
as bananas, a mesa 
tudo quieto te aguarda 

como quem espera do tempo uma pausa 

segunda-feira, 21 de março de 2022

amarelo eternidade

a borboleta ensaia a morte 
amarela como o seu corpo de pétala 
os meus versos vieram 
à vida prematura 
o teu rosto lívido 
como quem dorme pela última vez

o sono dos puros 
a cor da sua íris o mel descalso 
a altura das árvores a teoria das cordas 

maiores do que os nossos olhos
nesta manhã eu acordei 
e você ainda sonhava 
há delicadeza no simples gesto
de paralizar a eternidade no corpo 

sexta-feira, 18 de março de 2022

meu corpo fere a carne

arrasto o fogo

a muito que os meus olhos
caíram no infeliz desejo tátil

há quem almeje dos abacaxis
o melaço, a fruta descascada

eu, fuço a feira mais distante 
me furo, te furto com a minha saudade

lanço a lingua às aftas 

meu corpo é quem fere primeiro a carne 

sábado, 12 de março de 2022

lastro

neste dia luminoso guardo 
o cheiro das tuas mãos

a memória o que é 
se não um artifício carbonizado 

e eu que zelo 
pelo teu nome 
à margem 
o meu corpo de vela 
e eu que não durmo 
a duas vidas velo o teu lastro 

o que somos nós 
se não a suspeita de uma naufrágil 

segunda-feira, 7 de março de 2022

Dissolução

transitar entre as ruínas, 
dissolver 
a ideia do mal
a carne presa às unhas

dilucidar 
os dentes rígidos
e se espantar, 
a face lívida

viver do espanto a beleza 
ainda ter
ter ainda 
alguma expressão 

fronte a face 

fraturar 
e como a fratura se aperceber
e mesmo assim
mesmo assim 
a falta, 

não ser desculpa para a severidade 

os ossos presos 
às unhas e as carnes 

transitam entre as ruínas, se solvem 

sábado, 5 de março de 2022

Costela (2014)

Cuida bem do meu excesso de paranoia
dos quatro mil sóis que acharei 
enterrados em seus cabelos
das metáforas que forem criadas 
só para eu te fazer único
não só em meu coração
mas também nas minhas poesias. 

Cuide das minhas e suas futuras rimas!
porque só sei fazer versos repetitivos 
nessa vida, porque escrevo 
com o meu sangue, a língua, as tripas
cuida da minha falta de tamanho 
não só por ser pequena
o mundo é grande, me engole. 

Devore o mistério a boca 
só não me cuspa, degusta
faça dos meus restos a sua ideologia, 
sua culpa. E eu te dedicarei a Lua 
escondida entrelinhas da minha costela
só para que te assista dormir em cima dela.  

quinta-feira, 3 de março de 2022

"Esta noite eu quero ir até você porque meu coração pesa e tudo parece tão difícil de viver. Hoje à noite eu me pergunto o que você está fazendo, onde você está e o que você imagina."

— Albert Camus em carta a Maria Casarès (1944), no livro "Correspondence [1944–1959]". Paris: Gallimard, 2017.


terça-feira, 1 de março de 2022

orla

entrevejo o seu fronte marinho 
repousado no vidro tépido 
dos meus olhos salinos 

que paisagem chovediça 
você abandonou 
sob a minha janela! 
.

mas não faz frio
não me esbraseia 
o que eu sinto neste instante 
é o aroma das orlas 

o seu corpo rolando 
abraçado à areia do meu bojo 
os pés eufóricos, vermelho 
o aspecto da orla do seu beijo