sexta-feira, 14 de novembro de 2025

sequer viraremos as costas

estou a dois palmos de escapar
das tuas mãos,
o céu recorda a cor dos abajures
sob a neblina da cortina,
a leveza do teu sopro impaciente
na quina do cóccix
palavras com brincos revelam
a crueldade da nossa despedida

no adeus, sequer viraremos as costas 

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

a primeira hora da solidão

na última noite da eternidade 
os meus cabelos colados ao vento,
como a crina de um cavalo indomado, 

você de terno de linho marrom
e a barba rubra pela luz vermelha
do albergue insone, 

os sons espetam como alfinetes 
as bordas dos corações e, dos olhos,
filetes de sombra decoram passos 

dentro de copos escorregadios
os líquidos, em brasa
ensaio o volume da minha mão
no pelo do teu rijo braço

reviso a hora, o fogo dentro da manhã
que adormecida se espreguiça. 
escapa-me da visão, 

seria aquela a primeira hora da solidão? 

terça-feira, 30 de setembro de 2025

sereia

ao fundo o azul azulando 
às margens a larga praia 
disforme: teu corpo de areia 

maresia. teus olhos. 
ternura espantosa 
disforme e rente ao mar 

moldura tuas jóias ouvidos brio
tesouro revestido pele e seda 
contornos: mãos e véus 

imaginava que não estivesse viva 
o mundo seria incapaz de erguer 
e sustentar os teus sonhos de núpcias 

pensei que havia morrido nas águas  
 
e me abraçava o sol e as ondas 
e me engolia o sal e as espumas 
e eu roçava nas conchas 
eu beijava os corais teus lábios

Arcanjo

Imaginemos por um instante um lugar onde tivéssemos conservado todos os arquivos das nossas vidas, um local onde estivessem reunidos os rascunhos, os ante textos das nossas existências (Philippe Artières) 



imagine um lugar, meu Arcanjo,
onde você não esteja quebrado

Arcanjo meu, imagine um lugar 
onde você esteja seguro. 

mostro o rastro das minhas mãos
em torno dos seios, 

fiz do meu corpo a tua grandeza divina. 

terça-feira, 23 de setembro de 2025

fila do pão

no supermercado ao lado das bananas pratas no preço de prata eu me lembro ao longe de um poema, sem nome, que passei a noite pensando em te escrever um poema, desses corridos, ininterruptos aguardo o pão fresco e vejo fios da chuva pelo recorte da saída, penso que na sua cidade haverão outros fios, a cidade inteira, e nós desligados dentro de estabelecimentos cheios de luzes artificiais. o pão está pronto, a fila se forma e todos furam o meu lugar, e eu não me surpreendo. por estar distraída. penso que o poema poderia dizer da sua distração comigo. mas a vida se faz dessa forma, se forma como se faz. penso, se você não se posiciona, tem de paisagem as costas. 

terça-feira, 9 de setembro de 2025

tudo o que nos resta

tudo o que nos resta, meu amor
é morrer

ou podemos recitar poemas
dentro da cama no céu de outubro

o céu aberto. nós abertos.
sem desculpas, cerimônias 

destituídos da linguagem. inculpados. 

o coração, meu amor 
é uma desocupação

podemos enfeitar o tédio dos dias 
com as nossas vozes ilícitas,

e lúcidos, idílicos, impudicos 
depois morrer.