domingo, 30 de dezembro de 2018

sylvia plath / papoilas em outubro



Esta manhã nem mesmo as nuvens entre o sol podem pôr estas
     saias.
Nem a mulher na ambulância
De coração vermelho a florescer assombrosamente através do
     casaco –

Uma oferenda, uma oferenda de amor
Jamais pedida
Nenhum céu

Esmaiado e em chamas
Pondo a trabalhar o seu monóxido de carbono, nenhuns olhos
Estáticos, em sentido sob chapéus de coco.

Ó meu Deus, o que sou eu
Possam as últimas bocas gritar alto
Numa floresta de gelo, num amanhecer de centáureas.


sylvia plath
ariel
trad. maria fernanda borges
relógio d´ água
1996

aqui, 
onde tudo pareceria impossível
torna-se capaz
imagino quão difícil és que a barra está pesada
mas pense teu corpo equilibrado
o pensamento acima das nuvens aonde o calor caminha
aqui seriam colhidos tomates e o adubo tua semente
teu verme remoendo as histórias
a balsa embarcada e o mar atravessado
imagino tuas mãos dormentes e teus pés ressecados
teu umbigo inchado teu cheiro mistura
acredito na química nos corpos na possibilidade
da gente correr daqui
de onde pra onde?
alguém perguntaria pois tudo corre
até essas palavras percorrendo
tua boca

sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

escrevia

quando lhe falta amor corre aos poemas
e quando lhe sobra corre as manhãs

os ciganos lhe concederiam um cálice
de vinho em uma bandeja de prata

e as avós te diriam anedotas, as crianças,
essas continuariam brincando

teus dedos tem sabor de livro
o hálito desconheço teu hábito diário
tuas roupas despidas teu carvão na unha

do pouco que sei é muito pouco mas leio em teus olhos fugidios memórias póstumas

leio teu ombro e encontro o sol e encontro o céu nosso céu encostado

faz mais desse teu artifício incandescido pois a manhã tem renascido
quando lhe falte amor recorra

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

cherry

antes de nós camaleões mugiam
pontes safenas antes de nós
no banco ao lado da porta
mais uma poção de batata
para encher nossos vazios
mosca no vaso e sabão de coco
éramos descolados para a época
no passado podíamos
rir de boca aberta
e comer e dançar
como quem brinca
de ser grande e maior
na quinta feira podemos
ir ao parque
ir ao castelo
e ir onde quisermos
depois disso voltávamos para casa
as manhãs surgem antes de nós
os olhos atravessados
antes ter de ir ambora sozinha
mas antes disso as cabras dão leite
e o homem planta o que colhe
as moscas pousam e os ratos roem
antes de nós tinha eu e tem você
antes de mim sou eu

terça-feira, 25 de dezembro de 2018

exageraaaado jogado aos teus pés


me veio a Chigres dizendo que não devia botar letra de música em poema. eu queria cantar; exagerada, em sala, os alunos me ouviam, minha voz gemia de dentro, tudo gelado e eu num arrepio findo o poema. todos me olham e a Chigres revida o olhar, a mim não sei onde enfiar, penso em coisas lá fora, lembro de fazer xixi, há quem ainda me olhe e meu olhar não sei o que fazer agora. desço as escadas uma a uma, pego um cigarro e fumo, converso, tomo Sol e vento de árvore. voltar para onde? rodo a catraca, chego no ponto, peço que me dê uma longneck, rio sozinha, que horas são? lá pras quatro e vinte acendo o outro cigarro, vejo a vista me avistando, sorriso de novo, sinto-me imensa e me comovo, me comove. exagerada.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

poema

todos esperavam pelo poema número um,
que cedesse lugar
as premiações,
as cadeiras,
os vips,
as canções
aguardavam em algum lugar,
na ponta da mesa,
no ferro do poste,
no meio da cama
trocavam suas notas,
envernizavam os olhos,
pediam silêncio sem parar de falar
dizia-se que linguagem não dizia tudo
mas não diziam nada
além disso aguardavam o poema,
tinham esperança no poema
o poema e eu ficamos aguardando em silêncio 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

Vó aos 99 Alzheimer

a maior descoberta é a da mente,
através da melodia vou girando,
Mãe e Pai todos girando,
minha cabeça doída
temos dormido
eterna fantasia
a mente
esquecida...